quinta-feira, 7 de junho de 2012

Elza Soares entre o samba, o eletrônico e o rock metal



No último final de semana, Elza Soares apresentou seu show “Deixa a Nega Gingar”, no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, em São Paulo e surpreendeu a plateia cantando ao lado da banda Huaska, com rock e bossa nova. A cantora do milênio não deixou faltar voz, e fez um dos melhores shows dentre diversos artistas da música.

Ao lado do músico JP Silva, que também produz o show, Elza espalhou sucessos no palco. Quando o cenário de luzes descortinou, ela estava de pé, recém-operada da coluna, Elza passou o show sentada e o abriu escandalizando com maestria em “Opinião”, de Zé Keti. Mas ela estava inquieta, o espaço da cadeira era muito pouco e Elza levantava as pernas, apoiada, levantava-se e arriscava um rebolado. “O Meu Guri”, de Chico Buarque foi acompanhado de muitos aplausos, e com direito a uma parada para agradecer o público e continuar esbanjando voz. Ainda vieram “Amor Perfeito”, “Nega do Cabelo Duro”, com uma levada eletrônica, e “Beija-me”, de Roberto Martins e Mário Rossi. Elza colocou um show na história, e o que parecia ser tão intimista, para um pequeno teatro, deixou o público de pé, sambando e cantando.

Elza Soares nasceu na favela da Moça Bonita, em Padre Miguel, no Rio de Janeiro. Filha do operário Avelino, que também tocava violão, e da lavadeira Rosária, teve uma infância pobre e difícil. Elza trabalhava carregando latas d’água na cabeça, e aos 12 anos teve que largar os estudos para casar-se, por decisão do pai. Com 13 anos, teve o primeiro filho que morreu desnutrido. Na mesma época ela participou do programa de rádio, na Tupi, de Ary Barroso, estreando como caloura. Ary duvidou do talento de uma mulher trajada de um vestidinho e sandálias batidas, interrogando-a de que planeta ela havia saído. Elza respondeu: “do mesmo que o seu, o planeta fome”. Elza deu a canja, e Ary anunciou que ali nascia uma estrela.
Sua rouquidão surgiu de quando ela carregava as latas na cabeça, que a fazia emitir alguns sons. Aos 14 anos Elza engravidou novamente, este filho também faleceu por fome. Com 5 filhos, aos 20 anos de idade, a necessidade continuava a lhe bater na porta. Um dos filhos foi doado para uma família, pela falta de condições para criá-lo. Elza também trabalhou como encaixotadora numa fábrica, perdeu o marido e começou a cantar nos bares cariocas. Também foi doméstica, lavadeira e passadeira. Casou-se com Garrincha, famoso jogador de futebol, com quem sofreu muito durante os 16 anos de casados. Garrincha era alcoólatra e separou-se da mulher para viver com Elza. Ela foi muito recriminada na época, percorria bares suplicando para que não dessem bebida a ele, que faleceu em 83, com cirrose. Com ele, tiveram um filho, que morreu num acidente de carro aos 9 anos. Com quadro depressivo, Elza Soares foi morar fora do Brasil, e entre os Estados Unidos e a Europa fez sucesso. No Chile, conheceu Louis Armstrong, que lhe ensinou a fazer o “scat”, sons que remetem a um instrumento, porém emitidos pela própria voz.
O primeiro disco de Elza Soares veio em 1960, pela Odeon, desde então seu reconhecimento velejou o mundo todo. Em 2000 apresentou-se ao lado de Gal Costa, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Virgínia Rodrigues, quando foi eleita, pela BBC de Londres, como a Cantora do Milênio. Elza também foi a primeira mulher a puxar um samba-enredo. É uma das artistas mais respeitadas no mundo da música, e com uma das mais impecáveis vozes. Em São Paulo, lançou o cantor Vander Lee, e agora colocou JP Silva no palco. Na capital paulista, chegou a frequentar o Madame Satã, que reunia a gama roqueira numa casa, e para relembrar isso trouxe para o samba o grupo de rock Huaska, em seu último show, que teve direito às entradas eletrônicas no ritmo.

O show “Deixa a Nega Gingar” é um projeto espetacular, que deixou-me boquiaberto. Canções que carimbaram a carreira de Elza, voltaram à tona naquela voz alucinante. O som estava alto para o espaço do teatro, mas com o tempo os ouvidos foram habituando-se ao deslumbre do repertório., que incluía “A Flor e o Espinho”, de Nelson Cavaquinho, o sucesso “A Carne”, de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette, além de “Com que Roupa?”, de Noel Rosa, “Chove Chuva” e “Mas que Nada”, de Jorge Ben, “Espumas ao Vento”, de Flávio José, que foi cantada a cappella com uma sonoridade extraída do próprio “gogó” da cantora, e “Madalena”, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro. Com JP, também fez um dueto inesquecível de “As Rosas Não Falam”, de Cartola.
Outros sucessos foram cantados também, até que a banda Huaska pisou ao palco para tremer com tudo, nem a letra parava na folha, que voava pelo chão. Com uma melodia viva, o tom afinado e letra impecável, ao lado de Elza, eles cantaram “Samba de Preto”, composição conjunta da própria banda. Enquanto o samba fazia-se sorrateiro, no pé, um acorde estrondoso saiu da guitarra embalando o heavy metal com repiques e batuques. A banda de Rafael Moromizato, Alessandro Manso, Carlos Milhomem, Caio Veloso e Júlio Mucci, botou pra quebrar e disparou aplausos de todas as idades do público. Recomendo que busquem o CD dos meninos. Além do rock, os sintetizadores eletrônicos de Ricardo Muralha casaram-se com um mix de ritmos enlaçados por Elza.

Fazendo o “scat” , Elza parecia estar com o baixo na garganta, e o baixista com a imensa responsabilidade de tirar o som nas cordas, que Elza mandava com a voz. “Malandro”, de Jorge Aragão, foi a primeira música que ela gravou dele, apadrinhando o cantor, e a canção que virou um hit em sua voz, não ficou de fora do show, que encerrou-se com “Vou Festejar”, de Neoci, Dida e Aragão, com o teatro caindo no samba e Elza recusando-se a sair do palco. Mandando beijos, reunindo sua banda, o eletrônico e o rock, ela despediu-se, mostrando a que veio, e fazendo jus ao título de cantora do milênio. Elza Soares é tudo junto num samba, que jamais deixará de requisitar sua tremenda voz.

2 comentários:

  1. Maravilhoso post.
    Acho que só que viu esse show de Elza, sabe do que vc está falando.
    Como costumo dizer, que sorte que o 'planeta fome' nos presenteou com essa maravilhosa cantora.
    Pra mim, sinônimo de mulher tem nome: Elza Soares.

    ResponderExcluir
  2. Olá,
    Achei esse blog enquanto procurava aconteúdos relacionados a Elza Soares. Muito interessante a postagem!
    Abraços,
    Lu Oliveira
    www.luoliveiraoficial.com.br

    ResponderExcluir