quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Carminho e o jovem fado que recoloniza o Brasil

Carminho. Foto: ReproduçãoCarminho apresentou-se nesta segunda (16) e terça (17) no Tom Jazz, uma casa de shows bem intimista, em São Paulo. Por aqui, rasgou a voz como quem espalhava-se em canto numa casinha de fado. A fadista é uma jovem, uma jovem veterana, que não poupa o corpo na hora de passar-lhe a imensa voz que parece não caber em si e vai exaurindo-se em agudos intensos e cheios de perfeição. Carminho é fadista daquelas mais do que tradicionais, já parece trazer a marca mais milenar da arte de fazer fados em suas expressões e canções.
Quando conheci Carminho, uma catarse foi tomando conta de mim. Todo e qualquer som foi expulso do redor e só sua voz girava pelo ar. É daquelas vozes que adentram ao nosso corpo e vai escapando em arrepios consecutivos, como se ela procurasse espaço pra eclodir, enquanto desfragmenta-se dentro da gente. Carminho despertou-me a atenção ao fado, a delicadeza das letras e o calor de sua voz, como Amália Rodrigues fez-me.
A fadista apresentou-se na última edição do Prêmio da Música Brasileira, que homenageou Tom Jobim, e cantando "Sabiá" pôs em pé toda a plateia de músicos e ganhou os holofotes da edição. Carminho recolonizou o Brasil e aproximou ainda mais a religiosidade artística entre nós e os lusos. A cantora azeita ainda mais a poesia de nossa língua, faz com que ela pareça bem mais nossa do que a história conta.
Incansável de surpreender no palco, de arrancar aplausos, sorrisos, arrepios e lágrimas, Carminho sapecou uma história de Fernando Pessoa, e cantou-a inspirada. Seu último CD, "Alma", traz duetos com Milton Nascimento, Chico Buarque e Nana Caymmi. Carminho é apaixonada pelo Brasil e por nossa música, algo que nos torna tão comuns!
Ao final do show, abracei-a com um propósito ainda maior do que o agradecimento pelo belíssimo e impecável espetáculo: "cante com Maria Bethânia, por favor!", foi o que pedi a ela!


A cantora ainda apresenta-se hoje no Tom Jazz, em São Paulo.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sarah Brightman pousa sua galáxia no Brasil

Sarah Brightman sabe como conquistar os brasileiros, a cada turnê faz questão de descer no país da bossa pra desembocar a refinaria de açúcar que guarda em sua garganta. A soprano não beira apenas o clássico, o erudito. Sarah representa um conjunto musical, uma atriz em movimentos sonoros.
A cantora, inspiradora do papel da mocinha do musical "O Fantasma da Ópera", trouxe uma galáxia para o Brasil, sob o som do álbum "Dreamchaser", ou, de repente "Caçador de Sonhos". Com muita tecnologia e um banho high tech de iluminação, desfilou em roupas alegoricamente impecáveis e brilhou como a descida de uma estrela cadente.
Sarah apresentou-se com uma banda pequena, mas espalhou-se imediatamente canto a canto do Citibank Hall, o antigo Credicard Hall, em São Paulo. Por todos os lados a voz com uma das mais expressivas belezas agudas dentre as sopranos cintilava em compasso aos olhos de Sarah.
"Canto Della Terra", clássico ao lado de Andrea Bocelli, foi entoado junto a um tenor, que pra mim foi um tremor! Achei um pequeno desastre, um cantor de uma língua quase presa. Um tenor de "quases", pequeno ao lado de Sarah. Com ele (infelizmente não recordo-me do nome), também cantou o tema do musical "O Fantasma da Ópera" e novamente tornou-se maior que si própria. "Nessun Dorma" lançou lágrimas nos olhos de muitos e eclodiu agudos fogosos e impecáveis. A afinação da soprano é louvável.
Um imenso telão parecia deixar Sarah numa posição tridimensional, e lança raios, constelações e inúmeras imagens com um teor tácito incrível. Aquilo tudo faz toda a diferença e torna o espetáculo quase surreal.
É daqueles shows que dá vontade de exibir imediatamente no Instagram, ou no Facebook... de tirar uma foto do ingresso e postar, sabe?! Bem que eu quis, não fosse a precariedade do lastimável 3G da Tim. Uma operadora a se odiar!!!
Outra coisa que muito me agonia são aquelas irritantes palminhas que o público insiste em dar... como se acompanhassem o ritmo das músicas. Não sabem pisar certeiro nas notas e a coisa fica péssima. Fica algo do tipo missa de Sábado de Aleluia, ou plateia do Programa Silvio Santos. É gostoso e mais saudável assistir ao show quietinhos!
Enfim, voltando à Sarah Brightman...
Foto: Divulgação
Sarah não é um concerto, uma ópera... ainda não resvala na música clássica. Mas é gigante como uma genuína peça erudita!
Os shows trazidos pela Times For Fun acontecem ainda hoje (29) em São Paulo, no Citibank Hall e nos próximos dias no Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Loreena McKennitt e a beleza celta de sua música no Brasil

A canadense Loreena McKnnitt trouxe-me uma enorme dificuldade para que eu falasse sobre ela, seu show é quase indescritível. Tudo isso porque sua música transportou-me pra algum lugar longe daquela poltrona, um lugar que era possível ver e ouvir sua canção. No Credicard Hall, em São Paulo, o piano parecia imperar e disputar a vez com a voz da cantora. A pele ia riscando-se com destreza ao arrepiar, quando era possível sentir as cerdas do violino no próprio corpo, como um ato sexual entre a música e o humano. Loreena e a música são uma coisa só!
Quando a música já não cabia mais no corpo ia esparramando entre espasmos, arrepios e lágrimas. Loreena misturava o toque celta, o ritmo oriental e tudo aquilo que inspirava-lhe beleza pelo canto e pelos instrumentos. Não há uma só música em que ela não toca, em todos os instantes seus dedos apropriavam-se de instrumentos e cada canção suspirava vários instrumentos. Suas composições são cheias de nuances, embelezada de notas. Em uma só o piano dobra-se em suas próprias teclas e em cordas e sopros.
Sua violoncelista parecia ter saído de duros confrontos nórdicos. Tocava aquelas cordas como quem sofresse o corpo com as próprias cordas. Parecia tocar-lhe o peito e suar sobre as notas. A beleza culminava-se a todo instante. Atingia ápices orgásticos. Adentrava ao corpo como uma cirurgia só de anestesias.
Loreena é um preenchimento musical de tessitura infinita. Cada canção é um diálogo, um encontro de uma voz inigualável com a sensibilidade instrumental da cantora. Sua voz é um cálice transbordado de beleza!
Não dá pra passar-lhes todas as sensações que senti neste show. Vejam e ouçam o vídeo abaixo, com uma de suas mais belas canções!!! Talvez isso resuma um pouco tudo isso...

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Se eu morresse amanhã

Eis o nome da peça... àquela que fui convidado para dirigir! "Se eu morresse amanhã". Achei o título apropriado, pelo amplo contexto que ele comporta. O texto, que tirei de alguns delírios psicológicos nas altas madrugadas, é um tropeço poético na poesia de Fernando Pessoa. Fala de vida, não apenas da morte. Amor, fé, loucura e tempo... é o que a gente fala.
Foto: Nyldo Moreira
Quanto tempo tem a vida de cada um de nós? O que será que nos reserva nos suspiros finais? E será que eles podem ser previsíveis? Dá pra viver na impossibilidade? Dá pra ter fé quando até ela nos desafia? Como é que se pode crer no amor, quando há apenas a presença da ausência? Estar louco é o mesmo que estar só? Esquecer-se de quem somos é um conforto de personalidade, ou um confronto de personalidade? São essas algumas das milhares de questões que começam a brotar acerca do texto, apenas nos primeiros dias de leitura!
O texto nasceu num rompante de inspiração, veio pronto e desceu feito uma entidade bem resolvida de seu paradeiro. Ao final, senti aquela insegurança, que agora verteu-se em frio na barriga. Recebi o convite para dirigir o próprio texto e aceitei encarando como se eu pudesse criar o próprio filho, dar-lhe o norte desejado na gestação.
Começamos as leituras, já escolhemos os três atores. Duas mulheres e um homem. Não trata-se de um triângulo amoroso, nem de uma missa, nem de um conto cheio de moralismos. Trata-se de uma prosa que paira entre o real, o sobrenatural, ou o presente e o passado, ou aquilo que você quiser entender! Trata-se de uma história entregue ao público. O real e o imaginário andam de mãos dadas conosco, e vão para o teatro.
Se você morresse amanhã faria o que hoje?! Criaria um mundo imediato de ilusão? Amaria mais? Dormiria o dia inteiro? Choraria? Ou simplesmente anteciparia o evento?
Estamos reunindo os apoiadores e logo direi quem são os personagens, onde estrearemos, para onde iremos e detalhes dos bastidores!
Se eu morresse amanhã....

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Musical Nemo é a atração para o Dia das Crianças

Foto: Divulgação
O espetáculo é uma daquelas versões didáticas que toda criança deveria ver. O musical Nemo é uma história recontada por jovens atores, uns com a experiência de nobres, outros ainda cheirando a talco. A história da Disney é um livreto emocionante e com beleza singular. O diretor da versão brasileira, Tiago Pessoa, introduz a criança ao palco, por meio da simplicidade da montagem.

Qualquer reunião de crianças num teatro é lição pra qualquer pessoa. Quem dera todo jovem tivesse crescido nas poltronas de um teatro! Pais, levem os seus filhos ao teatro!
A montagem esbanja cores cintilantes e preocupa-se com cada detalhe cênico. Os olhos da direção parecem estar impressos em cada adereço. Essa de que criança não repara, é papo furado. Qualquer coisa fora do lugar seria motivo para os olhares críticos dos pequenos.
A história gira em torno do sumiço de Nemo, que fora capturado por pescadores para viver num aquário. Pela desobediência ao pai, Nemo vai nadar em águas perigosas e acaba em risco. Essa é uma história de moral fácil, de compreensão próxima a da criança e com uma didática fascinante.
Foto: Divulgação
O espetáculo desfila um número apropriado de atores no palco, adapta-se para o palco e veste-se de uma simplicidade íntegra e pontual. Os atores revezam-se em personagens e artificializam suas vozes com destreza. As músicas, infelizmente são playbacks, ainda assim a voz da personagem que interpreta Nemo arruína alguns ouvidos. Nada que incomode a criançada, que gargalha, interage e atenta-se a tudo o que acontece no palco.
O Musical Nemo é atração perfeita para o dia das crianças e qualquer outro dia! Não só para as crianças, mas pra todo mundo. Todo mundo tem que provar do mesmo doce que a criança, isso dá mais cor aos dias. Dá mais vida!
O espetáculo está em cartaz no Teatro Augusta, em São Paulo, aos sábados e domingos às 16h.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Baby do Brasil volta aos palcos melhor do que nunca

Foto: Nyldo Moreira
Baby parece ter voltado ao tempo para atingir a perfeição de seu timbre. Ela veio melhor do que antes. Mais jovem, até! Não para um segundo no palco, e brilha os olhos ofuscando a guitarra do filho, que dobra-se entre a banda de Gal Costa e no palco da mãe, Pedro Baby mostra que filho de peixe peixinho é! Baby canta os sucessos de sua carreira, com um público que delira e deixa um teatro em pé.
Com o teatro lotado, no Sesc Pinheiros, Baby abriu um dos três shows que faria em São Paulo, na sexta-feira, pintando palco de roxo e com um tom de quem fez escola nos Novos Baianos. Jovens e mais velhos pareciam uma coisa só, parecia um passado no presente. Baby de volta era um sonho, que o filho ousou em realizar. Foi Pedro quem a convidou, e Baby com sua conversão ao religioso pediu um tempo para conversar com seu Deus. Pedro interviu: "Deus não ficaria feliz em ver uma mãe e o filho no mesmo palco?"... Enfim, Baby voltou pro seu divino lugar, o palco!
O terceiro sinal era uma batida mais forte no coração. Baby pisava suas botas pretas no palco relembrando tudo aquilo que minha mãe cantava. Foi lindo, foi "Cósmico".
Não sei como passamos esse tempo sem a Baby, sem o "Menino do Rio"... no final do show ela fez questão de homenagear o pai daquele que sentava os dedos na guitarra. Berrou o nome de Pepeu Gomes e permitiu ao filho reinar em sua cria.
Duas horas de show, "sem pecado e sem juízo", sem pressa do dia raiar, sem cansar, com o suor contido nos cabelos roxos, fazendo jus ao símbolo épico de sua categoria musical. Baby é uma bossa mais do que nova! Baby é do Brasil.
Espero que esse show, de teor magnífico, sem erros, seja registrado num DVD. Todo mundo precisa recapitular essa pausa que a música deu no tempo de Baby. Essa Baby que voltou com tudo e contudo!
Aquele barulho de índio, feito pelo público todo, como se todo dia fosse dia de índio, é o que ficou de mais latente e indissolúvel.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Mais um desafio no teatro

Hoje o texto é curto, falo de mim mesmo, pode até parecer egocentrismo... mas, não é! Sabe quando você tem um desejo pra realizar, mas quando ele aponta na sua frente dá aquele medo, ou frio na barriga? Então... estou assim! Eu acho até saudável, e por isso, à partir de hoje vou começar a contar um pouco sobre isso pra vocês, pelo menos uma vez por semana. Vou dividir a coluna em dois, num dia conto sobre isso e no outro sobre música. Recebi um desafio no teatro, e é ai que a porca torce o rabo. Escrever, dirigir, ou criticar?
Recentemente deram-me a prazerosa tarefa de escrever uma peça de teatro, dessas que eu estou acostumado a ver e criticar... dessa vez seria eu o espectador da minha própria estória. Sentei em frente ao computador e comecei a despejar uma porção de ideias que surgiam e assim ia escrevendo e apagando, apagando e escrevendo. Depois, ela veio inteira!
Foi fácil, o difícil é que depois de entregar o texto... algum tempo depois, veio a surpresa: dirigir o próprio texto! 'Paft'... foi um baque. Vinha a mistura de desejo com medo, com frio na barriga, com insegurança e sei lá mais o que. Agora seria eu o criticado, o alvo daquilo que eu estou acostumado a fazer, além disso, a tarefa de alta responsabilidade, a de arquitetar um espetáculo. De transformar pessoas em personagens, de dar olhos e respiração ao texto de um autor. Peraí, o autor era eu mesmo!
Foto: Reprodução de Internet
Tive que esquecer quem era o autor... distanciá-lo de um oceano a outro e reler o texto como se fosse uma primeira impressão. Uma primeira paixão! Admirar o autor, como se eu fosse um narcisista, como se ele fosse alguém que eu tivesse verdadeira adoração. Como se eu o conhecesse ali, só pelas palavras.
Depois ainda tive que escolher as primeiras atrizes, realizar a primeira leitura daquele texto, lembrar que terei que disputar a ânsia da direção com a inibição de ver os meus colegas em outros espetáculos. Não dá pra criticar enquanto estiver em cartaz, não da pra viver entre dois mundos ao mesmo tempo. Durante um período, abdicarei das críticas de teatro, apenas as de teatro, continuarei falando sobre música neste espaço... mas, sobre teatro, contarei sempre sobre essa magia de dirigir e de compartilhar vidas num palco.
Por enquanto, é só isso que eu posso dizer. Logo logo coloco imagens, conto sobre o texto, o nome, a produção, os atores e os apoiadores e patrocinadores. Aliás, é disso que precisamos... de gente que apoie a arte! Em breve vocês me verão para além dessa página, poderão ver minhas palavras no teatro. Dessa vez, vocês serão os críticos. Já temos data fechada e tudo, mas eu conto mais na próxima!
Merda, pra nós!

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Mônica Salmaso 'molhando o biscoito'

Mônica entrou pra casa da música brasileira, e foi molhar o biscoito na "Biscoito Fino", pra deixar a música ainda mais "molinha". O som de Mônica vai passando por dentro do corpo e padecendo-nos aos poucos, até que retira todo o sangue das veias, e deixa apenas notas e timbre correndo e o corpo fica mole e de pé só com isso! Ou melhor, com tudo isso. Mônica Salmaso lança "Alma Lírica Brasileira", mostrando que música mais clássica que MPB não há!
"Lábios que Beijei" e "Minha Palhoça" parecem tão atuais e ao mesmo tempo redesenham o passado no presente quando pela roquidão que calça-se ao final do toque de voz da Mônica dilata o teatro. O show aconteceu no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, e aquele belíssimo lugar parecia sua sala de estar. A começar pela parceria com o marido Teco Cardoso, que sapeca sopros incomparáveis.
A voz é limpa, e ora surge a leve roquidão nas terminações, ora um choro das cordas vocais. Um choro nos olhos da gente, da gente que ouve. Parece que algo vem jorrando por dentro e não cabendo mais no corpo espirra-se pelos olhos. A música de Mônica empurra essa enxurrada do corpo afora.
Foto: Divulgação
Mônica molha o biscoito no palco, no bom sentido, pois mostra-nos um dueto com o seu próprio DVD. Utiliza de uma diversidade de instrumentos e deita seu deleitoso timbre ao piano, faz do palco um gigantismo maior do que o já existente.
A cantora revive os sambinhas de bar, ousando tocar com a caixa de fósforo, como faziam os deveras sambistas. Parece caminhar com leveza e tranquilidade numa corda bamba. Cantar aos poucos músicos, apenas com um piano e sopros no palco, é como cantar ao telhado de lua e estrelas. É mais do que o belo.
Tudo é tão comovente e feliz, que a roupa destratada, que mal conserva a cantora, acaba passando desapercebida. E o pretume da túnica cortada sem tino esmaece em meio as canções. Canções escolhidas com o tato de mestres, com a sutileza de bárbaros doces.
Mônica Salmaso é a dor de "Cuitelinho", a ternura do "Trem das Onze"... é a re-voz de Paulo Vanzolini e os olhos femininos de Herivelto Martins, os dedos viris de Adoniran Barbosa, o toquinho pueril de Villa Lobos e a daminha de honra de Chico Buarque. A Biscoito Fino ficou mais fina, com a música mais molhadinha!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Fones de ouvido são obrigatórios

Foto: Reprodução de Internet
Enquanto não existiam aparelhos de celular capazes de armazenar álbuns completos de música a lei de proibição à aparelhos sonoros em ambientes públicos era mais respeitada. Hoje, à ela, a humanidade caminha para a indiferença. Fone de ouvido não é acessório, é extensão do aparelho celular!
Será que um dia vão entender isso? Largam os fones em casa, enrolados nos bolsos ou emaranhados nas bolsas. Esquecem de encaixá-los nos ouvidos encerados e empurram em nossos ouvidos toda a tranqueira que quiserem. Nos ônibus, no metrô, no trem, nas filas... em qualquer lugar, acionam o infernizado botão do play e qualquer lixo passa a impermear pelo ambiente. Funk, da pior categoria, o forró, cujo CD é encontrado apenas na banca de álbuns pirateados, e as canções do tipo "gospel", capazes de re-ressucitar Jesus Cristo. Essas são as mais executadas da playlist demoníaca dos coletivos.
Não sei se há culpados para esse exílio da boa música, mas se tem alguém que impulsiona esses gêneros tenebrosos é a mídia massiva. Ou, mídia maçante. O povo esquece que o "Esquenta" é na Globo, não é no metrô. Esquecem que toda essa "subcategoria" musical não é de obrigatoriedade geral. Eu não quero ouvir aquele vomito palavrudo que sai do celular de um qualquer. Sim, qualquer um compra um aparelho de celular, ou rouba, e enchem de péssimo gosto. Não contentes, assumem sua rebeldia musical em volume alto. Onde estão os fones de ouvido? E o bom senso?
A mídia coloca na abertura da novela um sacrifício chamado Daniel, premia num tal "Prêmio Multishow de Música" àqueles que pouco se esforçam pra emitir som com a boca, tampouco letra com a composição dos dedos. Esse prêmio foi a ignorância escancarada. Foi a história execrada! Qualquer lixo é motivo de luxo. São eles, que dão aos aparelhos de celular toda a displicência para ficarem ligados sem a conexão do sagrado fone de ouvido.
Qualquer malandro consegue um! Um celular! E sai distribuindo o jogral grosseiro de palavras fétidas e má formadas. São anencéfalos convictos. O fone de ouvido tem que deixar de ser considerado um acessório, pois é item obrigatório. É a continuação do aparelho telefônico, dos tablets, dos iPods e de qualquer tranqueira que se possa armazenar álbuns.
Ninguém coloca alto Mozart, nem Tom Jobim! Fazem questão de demonstrar sua ignorância ao som de Naldo! Fone de ouvido deveria ser o óleo de peroba dos blagues da humanidade.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

'Tem alguém que nos odeia' no Teatro Augusta

O texto é imediato, de um realismo fiel e ensejo poético contemporâneo. Os romances homoafetivos constroem e constituem um modelo familiar ainda incompreendido pela própria Constituição, é um modelo belo, capaz de admirar ao mesmo sexo, mas é um encontro repudiado por muitos. "Tem Alguém Que Nos Odeia" encontra-se às culturas, e coloca a sexualidade de frente com o comportamento cultural. É um diálogo necessário, imprescindível para a formação cultural do hoje!
O texto de Michelle Ferreira é esmiuçado pela direção de José Roberto Jardim, o que parece até um encontro homossexual, de tão uniforme que torna-se no palco. Os dois livram-se das convenções e encharcam um texto de uma beleza sublime e um temperamento realista na boca das atrizes Ana Paula Grande e Bruna Anauate. No início parecem atrizes desconhecidas, e enquanto o texto discorre, elas assemelham-se em um atual.
O roteiro discute a frieza do preconceito sem retratá-lo feito uma novela. Coloca-o de um modo mais factual, como um reconto. A história é nada mais do que uma vela que o vento insiste em apagar. É isso, o preconceito. O gênero imaturo da ignorância.
Foto: Divulgação
José Roberto Jardim não dirige, desliza os dedos pelo palco, e suas atrizes não são dirigidas, são maestradas. Ainda com um coágulo poético muito acentuado nas falas, que ainda parecem presas a leitura. Mas, talvez é fruto do realismo do roteiro, é como um decalque de um livro cheio de palavras cursivas. São ótimas atrizes, leves e de olhares astutos, transbordam o texto pelos olhos.
Tem um outro elemento que faz-se tão importante quanto a palavra e o silêncio do espetáculo, a iluminação, do próprio José Roberto. São riscos elementares. As atrizes ocupam-se de muito além das cenas, produzem, vestem e assinam, ao lado do diretor, o cenário do espetáculo. O público adentra ao cenário, na intimidade da sala experimental do Augusta, e vive, como no cotidiano, o roteiro de Michelle Ferreira.
Não há mais nada a ser dito. Há a ser apreciado, o tom do realismo contemporâneo na boca da arte!
O espetáculo "Tem Alguém Que Nos Odeia" está em cartaz no Teatro Augusta, na Sala Experimental, quartas e quintas, às 21h. Os ingressos custam R$ 30,00 inteira e R$ 15,00 meia. A peça fica em cartaz até o dia 3 de outubro.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Tarja Turunen lança 'Colours In The Dark'

Foto: Divulgação
Exatamente como cores no escuro, como canções que encurralam-se em becos e estouram as paredes criando rotas de fugas. Músicas que detonam o espaço e encruam partículas de ar. Somem com o oxigênio e respiramos subitamente a voz de Tarja Turunen, a soprano das guitarras... da sinfonia metálica. Tarja quebra ressaca de três anos e lança o "Colours In The Dark".

Tarja é a voz do alto. A que encobre as outras, sobrepõe o que instrumentos levam tempo pra desmanchar notas. É uma extensão maior do que os próprios ossos do corpo possuem. É a voz clássica encaçapada no rock, num rock de letras, de melodia, de encantamento.
A finlandesa é um intenso espasmo que dilata-se entre a orquestra de cordas de aço. Não cabendo em preto, sopra cores e sons. Tarja não cabe no seu já tão vasto gênero e discorre por outros, como o pó de cores que tecem seu novo álbum.
Tarja não é uma cantora lírica, é o lírico que hesita entre o rock e o clássico.
"Colours In The Dark" cria-se ao tocar, distribui-se em dez faixas arrancando pássaros negros da estrutura de Tarja. Dá-lhe cores, das brancas ao vermelho. "Victim of Ritual" é uma peça, uma ária tocada em aço e o refinamento de uma voz em ouro. É a trilha que dilacera um ouvido transformando-o em calabouço.
A pequena Turunen, filha de Tarja, ganha espaço no álbum e chora ao colo da soprano. Vai ao vento e as cores vão espalhando-se de música à música, como se o álbum fosse inacabado, ele termina feito uma peça, que não deveria terminar. Tarja segura faixas longas, duradouras, reservando-lhes instrumentos vorazes. Os instrumentos alçam ao lado da voz e retocam todo o tempo a extensão mais preciosa do rock. É um concerto de violência e calmaria. É uma ária só quebrada em atos. É um personagem vestido de som.
Foto: Divulgação
Outras músicas que merecem destaque são "Darkness", cover de Peter Gabriel, que mostra claramente a liberdade conquistada pela cantora ao longo desses anos de carreira solo; "Never Enough", com riffs de guitarra bem marcados; e "Medusa", que encerra o disco com força, potência e delicadeza, além de contar com a participação de Justin Furstenfeld, cantor, escritor e vocalista da banda "Blue October".
Apesar do pouco caso da Hellion, gravadora que distribuí o álbum de Tarja no Brasil, desbravei o CD em meus ouvidos. Gravadoras são pedaços singelos da grandiosidade dos artistas. Um mal necessário.
Não há como descrever faixa por faixa, assim como não há como destrinchar uma peça. Há como dizer que a sensação é quase que indescritível. A delicadeza robusta de Tarja é o que transcende. Ouvi-la é como casar-se com um sabiá histericamente afinado.
*O texto foi escrito com a colaboração de Alexandre Nicotelli.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O som que vem do coração

Escrevo apaixonado, pela música, pelo menos duas vezes por semana. Por alguns anos repeti esse ato, esse despejo consciente de um amor entre eu e os sons. O som das vozes, dos teclados, das cordas, da percussão e dos sopros. Um dos instrumentos mais tocados no mundo, as vezes cai na rotina e a gente esquece que o compasso dele fica de fora. Todos nós sabemos tocar, muitas vezes fora de ritmo, sem tom, mas muitas vezes com uma percussão ritmada. Tem coração dentro de todo mundo, tem instrumento dentro de todo mundo, não dá pra dizer que não sabemos tocar nada. É a primeira vez que escrevo sobre o meu coração e dou o nome disso de coluna sobre música!
A música traz nossos primeiros lembretes sensoriais. As primeiras trilhas sonoras sexuais e escrevem aquilo que já vivemos. Sinto que Tom Jobim compôs o que eu queria dizer e Caetano deu pra Gal a canção que eu gostaria de ter dado. Parece que Bethânia canta com a letra que eu pensei em escrever. Essa gente toda canta por nós e a gente toca, com o coração, fica acompanhando com ele batendo, no mesmo compasso do cérebro, dos ouvidos. O sangue vai pulsando feito os poros da pele engolindo o resmungo do som. É a sensação da paixão... ou do amor. No meu caso, do amor! Pela música, pelo humano, pelo que toca, pelo que fala, pelo que canta, pelo que ouve ao meu lado, enquanto espreme os dedos de minhas mãos, respondendo aos vibratos de qualquer canção que sai do iTunes, do Youtube, do sei lá do que... do rádio!
Foto: Nyldo Moreira
Por vezes, basta-nos passar o fone de ouvidos de um ouvido para o outro, como quem passa a língua de boca para boca. É um ato de amor, é o sexo da música com os ouvidos. É preciso falar tanto, pra não parecer que estou dedicando este texto a uma banalidade. Tem gente que banaliza o amor, faz ele ruminar como um disco cheio de riscos. Eu, dou-lhe o valor, o do som. O do som do coração. Ele bate sem precisar de música, porque ele aprendeu a bater por estímulo de algo que não é o som. Aprendeu com o toque de uma mão, o solfejo de palavras, o palpite, o roçar de pés, o beijo, ou o simples ato de admirar, orgulhar-se... de amar! Eu te amo... e digo publicamente. Eu amo quem me ama! E isso torna-me música, composta pelo meu coração.
Tenho uma banda, uma banda de dois. Uma dupla! Dois corações quando batem juntos, fazem o que o meu e o do meu amor fazem. Batem e formam um som uniforme. Meu coração aprendeu a ter compasso. Não necessariamente com o estímulo de um marca-passo. Mas com o passo marcado do que um sente pelo outro. A música acompanha, a música transita pelos homens que amam. Eu ouço o que você ouve, e você ouve o que eu ouço. E a música corrói novos poros. Conhece ao outro, quando ouve-se o outro. E música é a voz do outro. É a voz do humano.
Eu comecei a amar pela música. Num show de Gal... passei a usar a palavra felicidade só após senti-la e tive inveja do Tom... o Jobim, por suas composições usando felicidade relacionada ao amor. Mas, foi lá na boca do palco que senti vontade de beijar. Sexo, fácil caminho que a música torna tácito. O sexo e a música andam pelos dedos sobre a cama. Amor e sexo, como disse Rita Lee! É isso, ela definiu tudo muito bem.
Quero casar, como quem sobrepõe dois discos. Quero riscar a aliança na pele do dedo. Primeiro em uma mão, depois na outra. Quero que o sol queime as redondezas dos dedos, em volta da aliança. Quando mudarmos de dedo, as alianças, todos saberão que namoramos e depois casamos. Que queimamos os pelos das pernas um no corpo do outro na molequeira escondida dos finais de semana, quando ninguém ouvia nossos urros e acham que apenas ouvíamos música no quarto, com o volume alto. É por isso que não ouviam nossos urros. A música desvela o sexo enquanto oculta-o para os outros. Grite, enquanto aperto teu sexo, que lá embaixo ninguém vai ouvir!
Quando o meu coração começou a bater pela culpa de um outro, fiquei feliz por saber que eu também era músico. Que, ainda por cima, tocávamos juntos. O amor me ensinou não só a amar, a desejar, a admirar. Ensinou-me o ato de musicar.
O amor é o cafonico estado de tornar o corpo uma orquestra. O coração faz um arranjo de letras apaixonadas. A boca, pelo beijo engole notas. Fomos rápidos, porque a música não dura mais do que "Faroeste Caboclo", do que uma ária, do que uma peça de Verdi ou Chiquinha Gonzaga.
Conhecemo-nos justamente, com mais destreza, na plateia do show. Eu ouvia o seu coração tocar, enquanto ouvias o meu dar-lhe o tom. Somos plateia de nós mesmos. Encarcerados pelos próprios corpos.
Eu te amo! Independente das convenções e do que os outros vão achar. Case-se comigo... eu, você e a música. Esse "ménage à trois" ao sugo da nossa paixão.
Eu te amo. A música e você, que veio-me como ela.
É pro resto da vida, como um acetato bem cuidado. Não importo-me com o que os outros vão achar. Com a inversão sexual. Com a Comissão dos Direitos Humanos. Com o verbo de nossos pais. Com a repudia dos crentes e das oposições. Amo-te como quem ama! Maior que uma clave de sol e de fá no mesmo verso, amplificadas no silêncio.
Amo-te mais do que aquele dia na plateia da Gal. Amo-te mais do que diz na música do Tom Jobim e de Buarque, juntos. Vou te amar mais do que as canções que irei compor. Do jeitinho que o nosso coração bate, é nesse ritmo que eu te amo, aceleradamente!
Só não direi publicamente o seu nome, porque o coração dos seus pais pode parar. E quero que todos os corações batam! Só assim a música vai continuar viva. Um dia, abro novamente essa coluna só pra dizer o seu nome aos curiosos.
Case-se comigo?!

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Jô Soares faz recorte em direção de 'Três Dias de Chuva'


Otávio Martins, Carolina Ferraz e Petrônio Gontijo encenam uma história articulada pelo amor e pela frigidez. Não é um romance policial, tampouco uma comédia, muito menos uma tragédia. Jô Soares traz ao Brasil o texto de Richard Greenberg com grosseiros recortes. A peça registra nada mais do que uma incógnita, deixa os atores gigantes, e o diretor fica pouco. Salvo o cenário e a generosa iluminação.


O espetáculo distribui-se em dois atos. O primeiro acontece em 1995, quando há o reencontro de Anna e Walker, interpretados por Carolina e Otávio, dois irmãos que precisam fazer a partilha dos bens, após a morte do pai. Pip, vivido por Petrônio, é um ator de televisão, filho do falecido sócio dos pais de Anna e Walker. Os três são amigos de infância e irão se confrontar com as próprias histórias entre a leitura do testamento.
O primeiro ato enrola numa história quase desnecessária, onde o elo com a compreensão surgirá no segundo ato. Este primeiro, têm um recorte de tesoura cega, com uma coordenação motora falha e um olhar distante do público na direção. Jô desprende-se do que o público vai ou não entender. O humor fica por conta de pequenos textos e a acidez, a ironia da versão nova-iorquina é esquecida por Jô. É picotada entre o longo espetáculo.
O segundo ato desafia aos atores entregarem-se a outros personagens. Torna-os mais corajosos e responsáveis por ocultar o fraco início da história. Ou melhor, o fim, pois o segundo ato acontece em 1960. Ned e Theo são os sócios, arquitetos, interpretados por Otávio Martins e Petrônio Gontijo. Os dois estão atarantados com o primeiro projeto, após a faculdade. Nina, interpretada por Carolina Ferraz, é a responsável pela mudança de comportamento dos dois, sedutora e romântica dá rumo às nuances de toda essa história. Eles são os pais, mencionados no primeiro ato.
Jô tira da manga a cartada que salva o jogo, aquele que estava completamente esquisito sobre a mesa. Carolina Ferraz sai dessa manga como um trunfo. É ela quem cresce no texto, que sobressai ao próprio texto. Otávio melhora no segundo ato, ganha as cenas e ajuda a tornar o primeiro ato menos insignificante. É um dos atores de peso que melhoram os cartazes do teatro brasileiro. Petrônio é um tanto mediano, é melhor do que o recorte do texto, mas sai prejudicado por ser apenas uma passagem na história. Importante passagem, mas não pode receber as mesmas flores que Carolina e Otávio. O desequilíbrio de um espetáculo, da-se, sobretudo ao diretor. O gênio dos erros.
Jô, que sempre escala seu nobre time, os mais vaidosos e merecidamente grandes do teatro, dá um banho de água fria nos assistentes de direção. Todo mundo se perdeu. Três assistentes de direção perdem a cena para Maneco Quinderé, que esbanja um desenho de luz deslumbrante e a cenografia cinematográfica de Marco Lima. Fábio Namatame já foi melhor no figurino, mas fica congelado no texto. E Ed Júlio continua como um dos meus favoritos produtores, é ele quem ajuda na condução de arriscadas manobras da direção.
"Três Dias de Chuva" é apenas uma peça, um frágil entretenimento, sem grandes ressalvas. Quase sem ressalvas. Tão fraco, quanto o "Libertino", também dirigido por Jô.
Só não digo que perdeu a mão, porque na cozinha há sempre tempo de surpreender.
O espetáculo fica em cartaz até 16/12, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. Sexta às 21h30, sábado às 21h e domingo às 19h. Os ingressos variam entre R$ 60,00 e R$ 70,00.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Roberta Miranda comemora 25 anos de carreira do seu jeito


Demorei pra escrever sobre ela, sobre esse álbum de 25 anos. Eu fiquei procurando o que havia de inédito nisso tudo e encontrei, a própria Roberta. Acho ela inédita sempre. Dentro de seu estilo, que espalha do sertanejo e vaza para outros ritmos. Sua irreverência ultrapassa a rigidez do palco e confunde Roberta entre a majestade e o sabiá. Majestade na arte de imperar naquilo que canta. Sabiá por cantar. “Roberta Miranda, 25 anos”, pela Som Livre.

Roberta é daquelas que vai pegando o violão, entre um café e outro, entre um copo e outro, e grava no papel. Borra-lhe com canções próprias. Uma mulher que compõe já é algo poético. O sertanejo é poético, sobretudo quando cantado sem aquele vibrato insuportável que é de qualidade da classe. A Roberta não cabe em nenhuma versão masculina, porque os caras do sertanejo ultrapassam o limite do que é cantar e alcançam-o no grito. Roberta, mesmo na seriedade do olhar, canta e cumpre o seu papel.

Ela não é o destaque supremo da música popular brasileira, mas tem meu respeito. Não só o meu. Roberta coube direitinho dentro de seu estilo e foi comportada em avançar por outros. Colocou no álbum em que comemora os 25 anos uma homenagem a própria vida, a da música. Foi sincera com a própria originalidade. Ficou bonito, um pouco incômodo, mas bom! Incômodo por encarcerar-se num estúdio, mesmo com um gato pingado de público que cabia ali dentro. Mas, não naturaliza a coisa, foge do seu jeito, mas ao mesmo tempo deixa a gente mais íntimo dela, como ela gosta. Colocando o DVD você sente-se ao lado dela. Mas, ainda sim, incomoda-me um pouco. Gosto de cantor do lado de fora, colocando a equipe pra carregar caixa, entrar e sair de avião e encher o palco de câmeras, como grava-se um ao vivo.

Roberta tem um jeito original de cantar, uma dureza que parece resistir a saída da voz, mas sai com uma salpicada de barzinho. Roberta cantou por anos na noite e isso ainda resiste em seu presente.

Neste álbum, Alcione leva seu samba para um gingado tímido de Roberta. Ela não poupa a banda, e cobra-lhes um monte de ritmos. Comemora os 25 anos sem precisar dizer: “sou sertaneja!” Se Roberta fosse só o sertanejo, sem preconceito, eu não a ouviria. Tem gente demais estragando essa classe e eu acabo distanciando-me disso.

Roberta Miranda não precisa de disco barato, de produzir cores em capa pra vender disco. Ela é ela, goste quem gostar. Cafona? Brega? Já ouvir dizerem e acho isso muito chato de dizer, pois quem diz perde consigo mesmo. Quem nunca cantou “Vá com Deus”?... não sabe o que é soltar a voz sem compromisso. “Vá com Deus” está no álbum, como benção de carreira.

Querendo ou não, Roberta é um ícone!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Angela Ro Ro “Feliz da Vida” de álbum novo


De onde surgiu Ro Ro foi jogada a forma fora, não existe mais o molde de artistas assim. Angela Ro Ro, a pronúncia da boa musica autoral. A repetição da roquidão inconfundível. Ela vem “Feliz da Vida”, assinando o título do novo álbum. Ro Ro, a que preserva um mulherão e um machão no peito. Parece ter preso aos seios um escapulário da divindade musical. Faltam-nos Ro Ro. Ela deveria ser um cartaz, como os de teatro, que enrolam numa sala com a preguiça de sair. O novo CD e DVD tira-nos a saudade de um novo projeto da cantora, mas vem com um defeito, dentre tanta música boa, a capa é um ralho editorial.

Ro Ro é uma das minhas cantoras prediletas, é uma catarse trajada de palco. Ela canta com a garganta, com o estomago, com os músculos e espalha os olhos pelos instrumentos, vai jogando-se meticulosamente no palco e ganha-o.

O álbum começa ocultando a beleza que virá e ela vem nas faixas seguintes. Começa a queimar e esfumaçar uma porção de boas palavras, vai derretendo o peito da gente e corroendo os poros como se a pele resistisse à entrada do som. O som de Ro Ro, que é uma cusparada poética de vida. Ro Ro canta sorrindo, e isso vem tão sensorial no peito da gente que CD e show transitam na mesma corda. Ro Ro é a heresia de tudo! E isso é um tesão, uma delícia.

Ro Ro cruza um xadrez por entre as faixas do disco, e o xeque-mate é dado com a voz de Bethânia. Maria Bethânia, a dona do dom, divide “Fogueira” com Angela Ro Ro, fazendo brasa com o osso de quem ouve, deixando em cinzas os nossos ouvidos. Ouvir “Fogueira” com as duas é entregar-se aos poucos. É uma entrega do corpo. É lindo!

Depois Ro Ro entrega ao mulherio a saliência de Diogo Nogueira num samba bem cadenciado. “Salve Jorge”, que nada tem a ver com o folheto mal escrito de Glória Perez, e tudo tem a ver com a voz co-irmã de Angela e Diogo. Ainda tem o rasgo estético de Ana Carolina, a sapecada malandra de Sandra de Sá e o generoso zumbido de Frejat. Jorge Vercillo faz a contracapa da voz de Ro Ro no mesmo álbum.

Sabemos que jamais devemos julgar o livro pela capa. Isso aplica-se também ao CD. “Feliz da Vida”, de Ro Ro, faz jus a esse ditado. Que pecado cometeram com a cantora de tanta voz. Deram-lhe um álbum feliz da vida e uma capa de total mau gosto. Nem nos tempos de pior tecnologia passava-se pela prensa uma capa tão mal projetada. Parece uma montagem infantil e completamente jogada, sem capricho. Capa é importante, não perde pro conteúdo, mas bom gosto deveria fazer parte das gravadoras que restaram. Parece uma arte esboçada no “paint”. Desculpe-me, Ro Ro, sei que não foi você que desenhou isso, mas no início achei até que fosse brincadeira.
Ro Ro pega poesias e enfia-lhes as cordas. Dá melodia ao texto, é isso! Um pensar, escrituras do cotidiano. Ela hipoteca sua vida em músicas. Vai passando o sexo em letras. É quase que uma TPM e depois o alívio da menstruação, terminando um ciclo. Ro Ro consegue criar histórias em poucas laudas. Não contente em compor, rasga-lhes com um vozeirão. É uma facada, que alivia e depois começa a trepidar as veias do corpo. Isso é a voz de Ro Ro, grosseiramente falando.

O DVD foi gravado no Theatro Net Rio, no berço carioca. No CD, algumas canções foram gravadas em estúdio. Ro Ro valoriza-se com as próprias canções, mas ainda pode mais e deve fazer mais. Sua voz é uma propriedade inviolável e de um gigantismo magnífico.

Ro Ro é um pouco, um pouco bem grande, daquilo que a música tenta reinventar e não consegue.