quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Mônica Salmaso canta o universo de Vinícius de Moraes

Foto: Nyldo Moreira
Um palco todo preparado para um pequeno concerto, de sopros, piano e uma voz que rebate a seda e exalta como flores desabrochando exibindo o som da abertura de suas pétalas ao tocar da sensibilidade do vento. Mônica Salmaso despejou, na última terça-feira (28), no palco do Theatro NET SP, as salivas de Vinícius de Moraes em notas. O show, ao lado de Teco Cardoso (sopros) e Nelson Ayres (piano) distribuiu a bossa em uma melancolia lírica.
Mônica rasgou o palco escancarando o endereço de Vinícius de Moraes, sim... Vinícius sempre morou na música. Seus olhos penetram nas pautas e mantém o homem em gole a gole de uísque ainda vivo. Costurando parcerias com Tom Jobim, Carlos Lyra, Chico Buarque, Ary Barroso e Francis Hime, Mônica foi embebedando o público com o sulco licoroso de sua voz serena e que parece encontrar finos espaços para deixar a boca. A cantora interpreta com o timbre canções que já empoeiravam e outras que domaram as rádios brasileiras.
Ela ousou duplicar a interpretação, que antes era de Ângela Maria, e genuinamente entregou-se ao "Rancho das Namoradas", parceria de Vinícius com Ary. "Olha, Maria", da parceria com Chico, escorreu pelos dedos como um pranto que não se pode segurar. Aquelas que a gente fica cantarolando por ai também encontraram na voz de Salmaso um jeito diferente de esboçar a bossa. "Derradeira Primavera" e "Coisa Mais Linda" foram doses homeopáticas que perduraram lindamente no silêncio do teatro.
Foi uma bossa autoral, descaracterizada, sobretudo no piano, para que encontrasse na voz da cantora um aconchego clássico e perdurasse suas características no que saia dos sopros. Fazia falta alguma nota das partituras reais esculpidas pelo piano da bossa nova, mas Mônica calava essa falta com a voz que delineava nossos ouvidos.
Foto: Nyldo Moreira
Os trabalhos da cantora parecem completar o anterior, seguem uma mesma linha de produção, como se andassem juntos. Isso, de repente, causa uma sensação de ouvirmos a mesma coisa e, ainda que com outro repertório, a impressão de que sua voz entoa as mesmas canções permanece. Os arranjos distinguem-se muito bem, mas os elementos utilizados pela artista não são renovados. É um estilo que ela adotou, e isso tem muito a sua beleza.
O espetáculo teve única apresentação no Theatro NET SP, que ainda vai receber Agnaldo Rayol e Ângela Maria num único show, e uma agenda repleta de coisas interessantíssimas, como Alcione, Elba Ramalho e convidados. Dá pra bater ponto lá, né?!

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Maria Bethânia recita e lança livro de poesias

Foto: Nyldo Moreira
As aulas do professor Nestor Oliveira, no colégio público de Santo Amaro da Purificação (BA), arrastam-se nos palcos brasileiros e até na Casa do Poeta Fernando Pessoa, em Portugal. Maria Bethânia espanta as traças das arenas ávidas de poesia derramando palavras cheirando a alfazema. "Bethânia e as Palavras", que aconteceu ontem (21), no Theatro NET São Paulo, é mais uma oportunidade de conhecer o sexo entre a voz e a letra.
Quando estourava o AI-5, nos alpes de 1968, os livros de Reynaldo Jardim, queimaram no fogo da censura. "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha" é a voz de Reynaldo nas cadeiras do "Opinião", quando o Carcará da baiana gemia no Rio de Janeiro, ao substituir Nara Leão no espetáculo. Reynaldo, inquieto, argumentou em poemas todo o seu deleite à Bethânia. Poemas parafraseando um diversificado trabalho tipográfico, desobedecendo a ordem das tipografias e deixando atenta a censura, que de tão burra empastelou a poesia do velho. "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha" ganhou a nova oportunidade de lançamento, anos depois, no foyer do NET São Paulo.
Estapeando o couro do tambor, Carlos Cesar recebeu Bethânia soando para Iansã, quando os rabiscos do violão de Paulinho Dáfilin perfuravam o som. Naquele momento em diante nascia uma fera do som, igualando a música à poesia! Bethânia começou a derramar um agrupamento intelectual tão simples de chegar ao povo, e ainda tão banal por trás dos muros dos colégios. Trouxe como a voz de uma professora tudo aquilo que deveria estar numa sala de aula. Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e sua turma de heterônimos, Manuel Bandeira e Cecília Meireles estavam entre os mestres dessa classe entoados à virilidade da santamarense. "Ler poesia é como ofender o mundo", esfaqueou à voz os ouvidos que tapam-se para o poeta.
Foto: Nyldo Moreira

Maria Bethânia derramava poesias como se estarrecesse o chão de alfazema! Destilou o cheiro de âmbar em cada canção que arranjava espaço entre a palavra dos poetas sem melodia... encarnou a poesia cantada de Caetano, Paulinho da Viola... e deixou cegar nossos olhos com a "Romaria" de Renato Teixeira. Igualou-se a uma entidade ao sambar os pés num templo de cultura cênica!
Colheu aplausos de dondocas dos narizes empinados, que foram apenas pelo convite patrocinado e deixou na íris de todos nós um saco de lágrimas rechaçado pela poesia. Homens grandes e pequenos, com fome e empanturrados, bem vestidos e maltrapilhos... todos, sorriram e choraram como se adentrassem às palavras dos poetas. A poesia é para todos e todos quase não sabem dela! Bethânia está aí, ainda pequena para o trabalho gigante que os professores exercem em sala de aula. Bethânia está aí, enorme para a arte!
Parafraseando o poeta, "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende", sorriu em seu retiro, Guimarães Rosa. Estiveram essas e outras poesias, como gritos, como impávidos do som e da letra! Tornando, por exemplo, belo, complexo e triste a realidade da descrição em poesia do recôncavo baiano.
"Bethânia e as Palavras" é um conjunto, regido por cantora, intérprete, poeta, músicos e a macumbaria da língua portuguesa. O espetáculo é um pretexto que voltou para lançar o livro "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha".
O espetáculo ainda será apresentado hoje (22), no Theatro NET São Paulo, mas os ingressos estão esgotados.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Quem matou Maria Helena?

Foto: DivulgaçãoDa série: "quem matou?" surge no teatro um novo texto, com um ar de comédia clássica e apenas um ator desenhando e dando espaço há diversos personagens, mesclando o caricato ao autêntico. "Quem matou Maria Helena?" está em cartaz no Teatro Folha, em São Paulo, com Eduardo Martini de volta às vestes de um homem, confrontado por sua própria história e enfrentado por seus próprios personagens. Blotta Filho assina a assistência de direção do texto de Cláudio Simões.
Quem pensa que Maria Helena é o centro dessa história pode até se enganar, ou de repente seja mesmo. Mas, Mário Augusto não entra na figuração... é ele quem desencadeia toda a fúria e bom humor dessa história. Poderia ser um conto cavernoso, mas suas tiradas cômicas, com equilíbrio de exageros, combinadas ao talento imediatista de Eduardo Martini deixam o tom pastel da cenografia absurdamente visual. Mário Augusta é dono de um abatedouro de galinhas, vive com Maria Helena, que teria sido assassinada em sua própria casa. Ou não?! Como teria sido essa história? Mataram Maria Helena? Quem matou Maria Helena?

A história é envolta de um grande suspense e um emaranhado de outras histórias. O roteiro é muito bem costurado, dando linha há diversas hipóteses sem perder o ponto. Esse novelo começa a ser desembaraçado quando Martini emprega um tom exato aos personagens. Sua fala é didática e suas expressões unem teatro físico às rubricas do texto.
A luz e o cenário são singelamente corretos, não há uma falha sequer! O exagero em pequenos detalhes das histórias intensifica o humor e colorem a história que parece ser sombria. De sombria não tem nada. Apesar de tratar-se de um assassinato, a comédia policial engana pelo título e rebusca nossa atenção para os contos noveleiros.
Mário Augusto, personagem de Martini, é um noveleiro, assim como Cláudio Simões, o autor! E a inspiração nos romances policiais da TV cai no palco do teatro.
Eduardo Martini lança ao humor suas pitadas dramáticas, espirrando emoção aos olhos do público e sapecando risadas aos rostos. O ator abusa de sua qualidade física e aproveita todo o palco sem a necessidade de um jogo de cena com mais atores. Seu timbre intensifica o texto e mostra que para esse roteiro não daria para imaginar outra pessoa em cena. Eduardo desenha no palco personagem por personagem e desmascara o monólogo, tira de dentro de si uma porção de gente e junta o quebra-cabeça aos olhos do público. As marcações são o ponto alto de sua direção ao lado do Blotta.

Já sabemos quem matou Odete Roitman! Já sabemos quem matou Salomão Hayala! E quem matou Maria Helena?
O espetáculo "Quem matou Maria Helena?" está em cartaz às quartas e quintas-feiras no Teatro Folha, 21h. Os ingressos custam de R$ 15,00 (meia) a R$ 40,00. Preço justíssimo! A dobradinha entre Eduardo Martini e Blotta Filho também está no Teatro Augusta, às sextas-feiras, com o divertidíssimo "Chá das 5"!