
Mais um espetáculo de Gabriel Villela está em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo. Sem perder sua digital sensível ao visual cenográfico do espetáculo, o diretor parece copiar seus próprios aspectos em tudo que monta. Seus guarda-chuvas continuam a compor as cenas, mesmo que desnecessários. Walderez de Barros é a Hécuba, de Eurípides, num texto firme, triste, sóbrio e apreensivo.
Mesmo com tantas cores no palco, o texto de Eurípides desabrocha uma tragédia grega, um confronto troiano. Hécuba, a rainha de Troia, alimenta-se do rancor pela morte de seus dois filhos, Polixena e Polidoro. Com a ajuda das troianas, Hécuba vinga-se do Quersoneso Trácio, que encomendou o corpo de suas proles. O texto tenta passar alguma mensagem, mas sua adaptação torna isso quase que insuficiente, o confronto liderado pelas histórias dos reinos, contadas no roteiro, recobrem qualquer mensagem, que não seja a da vingança. Com o texto que lhe foi entregue, Walderez interpreta como um furacão a rainha Hécuba, ela desenha uma cena intensa, um olhar voraz e surpreende com um timbre incrível. No elenco também estão Fernando Neves, Flávio Tolezani, Nábia Vilela, Luiz Araújo, Luisa Renaux, Leonardo Diniz, Marcelo Boffat e Rogério Romera, escondidos por detrás de máscaras e da atuação de Walderez.
A iluminação de Miló Martins é um traço forte que compõe o espetáculo, estando muito bem desenhada. O figurino é um grande baile de cores, de tecidos bem cortados, mas perde-se do contexto do texto e de uma atração para a nacionalidade brasileira. Um rainha, sem traços de rainha, com a dureza selvagem, mas que é característica do texto, porém um cajado cravado de pequenos búzios, em plena Troia? A dor da rainha troiana é um reflexo muito similar aos fatos atuais, mas o espetáculo tem um corte muito brusco para ser realizado em sessenta minutos. Ou o espetáculo é sóbrio, ou ele é colorido, transitar pelos dois numa tragédia é como pintar de roxo o cavalo de Napoleão. No texto de Eurípides, Hécuba é uma mulher sã e rica, na adaptação de Vilela, não há essa passagem. Ela já assume o palco com a face entristecida. O texto teatral tem que resumir-se e contar sua história, e não fazer o público buscá-la em complementos após sair do espetáculo, isso é lição de casa.
O cenário assinado por Márcio Vinícius é um belo acerto, ele consegue valorizar a cena e acompanhar o brilho da luz. Os adereços revivem bem as arenas dionisíacas, quando falamos de máscaras, mas o closet de Villela cai novamente sobre outro espetáculo seu, e coloca nas mãos de atores guarda-chuvas que não se encaixam em nenhum sentido, nem mesmo cênico. Ainda não consegui entender o porquê de tantos guarda-chuvas em seus espetáculos. As músicas entoadas pelos atores são um retrato épico, mas caem novamente em sua mesma característica de carimbar sempre a mesma digital em diversos espetáculos. Uma direção precisa ser mutável, na medida em que o espetáculo muda de roteiro, ou então, é melhor manter o mesmo texto por anos em cartaz.

O Teatro Vivo, mais uma vez, recebe uma encenação clássica, e desta forma segue sua linha curatorial, descartando qualquer forma mais burlesca e alternativa de roteiro e mantém-se num cordel contínuo de espetáculos, evidenciando um elitismo cultural, mesmo com oportunidades apresentadas pelo programa de cultura da empresa de telefonia móvel, o Vivo Encena, é preciso abrir os camarins para uma transformação daquele palco. O teatro precisa ser mutável, mantendo-se em sua essência de transmitir cultura, humor e entretenimento. Essa não é uma característica exclusiva do Teatro Vivo, este é um conceito que tomou conta das curadorias teatrais. Os palcos são entradas para toda a manifestação cultural, desejável a grande parte da sociedade, não apenas as seletivas clássicas, ou ao humor que se faz na televisão e transfigura-se em stand up nos palcos, como tem feito o Teatro Frei Caneca. O Vivo é o teatro mais bem preparado do Brasil, com o devido acesso para deficientes auditivos, visuais e motores. Colaboradores voluntários da Vivo dão aos espectadores com deficiência visual informações referentes a todo o meio cênico do espetáculo, assim como interpretações em libras e legendas, para deficientes auditivos.
“Hécuba” estará em cartaz durante todo o mês de janeiro do próximo ano no Teatro Vivo, em São Paulo. Os ingressos podem ser comprados na bilheteria do teatro, ou pelo Ingresso Rápido, na internet. Sextas às 21h30 e domingo às 20h, ao valor de R$ 40,0, e aos sábados às 21h, sob o valor de R$ 60,0.