segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Querem desmoralizar a cultura para os alunos, mas a literatura persiste


Esse bate boca acerca das obras de Monteiro Lobato ganharam uma ênfase ridícula, quase que beirando a censura. Ou melhor, é um pedido de censura. Onde já se viu, depois de tantos anos taxar o homem de racista? Querem mandar recolher duas obras de Lobato das escolas, e já andaram trocando letras de músicas populares também. A rosa não brigou com o cravo e não podemos mais atirar o pau no gato. Pior ainda, o boi não tem mais a cara preta! A hipocrisia e a exacerbação dos direitos e a superproteção patética aos nossos jovens está atrapalhando a história cultural do nosso país. Há algo que não pode-se mudar numa nação, sua cultura!

Quem diria que Monteiro Lobato e suas obras estariam no banco dos réus anos luz após serem lançadas? “Caçadas de Pedrinho” e “Negrinha” estão arrodeados de discussões, enaltecendo expressões utilizadas pelos personagens como se fossem hostis à raça negra. Hoje era capaz de Lobato ser apedrejado na rua, com tanto sensacionalismo. Na época ele já teve suas obras queimadas pela Igreja.

O Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) protocolou uma representação junto à Controladoria-Geral da União solicitando que as obras sejam suspensas do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), responsável por distribuir livros às escolas no Brasil. O Ministério da Educação pretende continuar a defesa pela permanência das obras, enquanto audiências terminam sem acordo. Tanta coisa pra discutir no país e esse tipo de coisa vem à tona. Ao invés de tentarem proibir a leitura, porque não investem nela?
As obras foram escritas em tempos de marginalização racial e não é possível reaver a história, ela está escrita porque aconteceu. Os professores são letrados e cabe a eles contextualizar a história à atualidade, eles são capazes disso, apesar de receberem tão pouco para raciocinar em salas superlotadas em todo Brasil. Agora são até instruídos a mudarem letras de canções do folclore. O politicamente correto está querendo destacar-se entre as canalhices cometidas pelas beiradas. Proibir é uma palavra terrível e utilizada na última carimbada dolorosa deste país. Isso é coisa de ditadura, não bastou? Preconceito e racismo é limitar a história da cultura. Agora, vão dizer que o racismo é influenciado pelas pessoas, que um dia foram crianças e leram Monteiro Lobato? Estão ultrapassando o limite dos direitos, não é assim que conquista-se respeito e igualdade.

As traquinagens de crianças sempre foram o ponto alto de Lobato em suas obras, a intenção das palavras referente aos negros, nos livros, não remetem ao esdruxulo sensacionalismo que estão causando. As entidades deturpam tudo! Até a Bíblia.

Os jovens não podem ler Monteiro Lobato, mas podem assistir a corrupção e ouvir a deturpação da história? Podem ver miséria e ouvir as letras sujas que andam circulando pela internet? Isso é permitido, afinal, moramos no Brasil!

Querem tornar os jovens preguiçosos, mais ainda, e pior, analfabetizá-los. Querem tomar Princesa Isabel de um jeito torto, mais torto.

É preciso tornar a leitura mais assídua e não trancá-la. Recentemente recebi uma coleção bárbara para os pequenos leitores. A editora FTD, lançou cinco obras clássicas dos musicais em livros ilustrados e com uma linguagem prática. “La Traviata”, “Aída”, “Lago dos Cisnes”, “Flauta Mágica” e “Turandot” já estão nas livrarias ao alcance da meninada. Não podem mais dizer que ópera e balé são programas de velho.
As histórias foram adaptadas e podem ser acompanhadas com ilustrações impecáveis, em livros de capa dura e páginas muito bem impressas. A entrada do clássico, da música e do teatro para os livros, torna ainda mais tácita e acessível a cultura.

Ainda falando em livros, essa semana acontece um projeto muito bacana em São Paulo, no prédio histórico dos Correios, centro da capital. O "Lê Pra Mim?" (Na primeira foto, Marília Gabriela) é um projeto de incentivo à leitura de livros infantis brasileiros, com atividade sócio-cultural, onde artistas e personalidades lêem livros infantis brasileiros para crianças de escolas públicas e instituições filantrópicas. O projeto conta ainda a interpretação de LIBRAS (Linguagem Brasileira de Snais) que ocorre simultaneamente às leituras e ao final de cada encontro literário, todas as crianças levam para casa um livro infantil.

Participam desta temporada as seguintes personalidades: Joyce Pascowicht, Mônica Waldwogel, Marco Luque, Fernando Scherer, Pasquale Cipro Neto, Fafá de Belém, Fúlvio Stefanini, Eva Wilma, Denise Fraga, Roney Facchini, Ilan Brenmam (autor de livros infantis), Isolda (compositora), Dirceu Alves (jornalista), entre outras personalidades que estão sendo convidadas.

O projeto acontece nos dias 12, 13, 15 e 15 de novembro. Durante toda essa semana, com econtros literários às 11h, 14h e às 16h no prédio dos Correios, na Praça do Correio, em São Paulo. Serão distribuídas 50 senhas com 1 hora de antecedência.

É assim que a cultura deste país e de qualquer outro deve discorrer. Cresci numa família de educadores e aprendendo a brincar e a ler, a discernir e codificar a leitura. Na escola existe a aula de interpretação textual, para que discussões sejam erguidas em prol do exercício mental. O próprio Monteiro Lobato, alocado neste conflito exagerado atual, dizia que “um país se faz com homens e livros.”

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Peter Pan ainda é a montagem predileta da criançada, em cartaz em SP


Não fiz um estudo sobre isso, mas acredito que a história de Peter Pan seja  uma das mais lembradas dentre os infantis, justamente por tratar-se de uma infância infinita e, ainda, talvez por esse motivo seja tão lembrada pelos adultos. Com requintes de produção balanceados a uma simplicidade nas cenas, Peter Pan volta para os cartazes paulistanos e sob o pó mágico da fada Sininho o menino da Terra do Nunca pousa no Teatro Ressureição com os amigos João, Wendy e o destemido Capitão Gancho.

Fui ao teatro esperando encontrar-me com a infância, após tê-la vivido há alguns anos sob a companhia de diversos livros, acredito que até por isso tenha escolhido trabalhar com as palavras. Peter Pan sempre foi uma das minhas histórias prediletas, mas estreei no teatro com o papel do Visconde de Sabugosa, personagem de Monteiro Lobato na obra do Sítio do Picapau Amarelo. Nunca encontrei a vocação exata para fazer as estripulias de Peter e contentei-me em ser espectador dos filmes, das histórias em livros e das montagens musicais e teatrais. Assisti a inúmeras montagens, das mais suntuosas às mais singelas e amadoras e há tempos não encontrava uma tão tácita e próxima ao público. Peter Pan, dirigido por Tiago Pessoa é a coqueluche da “kids-Broadway” paulistana atual.

Contamos nos dedos de uma mão apenas, alguém que não conheça Peter Pan, mas, vamos lá! Peter Pan é um garoto diferente de todos os outros, com suas vestes elaboradas para uma vida de aventuras, o menino recusa-se a crescer e por isso habita, junto a diversas figuras, a Terra do Nunca. Como em toda história, há o vilão que tentará aterrorizar os caminhos do “Todos viveram felizes para sempre”. Em Peter Pan não poderia ser diferente, nas águas da Terra do Nunca o barco do grotesco Capitão Gancho mira a captura de Peter. Ao lado da fada Sininho, Peter viaja para a cidade e adentra ao quarto dos irmãos João e Wendy, fascinados por histórias e contos. O garoto os leva para conhecer sua terra e por lá vivem aventuras fascinantes e que serviram de inspiração para tantos outros contos.
A produção do espetáculo, formada pela Pessoa Neo Produções e RPR Produções, configura toda a história em uma adaptação, assinada por Elisa Reis, apropriada para a atenção dos pequenos espectadores, que correm o risco de dispersarem a qualquer instante. Isso acontece no tempo exato, permitindo que as crianças conversem, “alertem” os personagens do perigo de Capitão Gancho, pois cada ator fala no tom adequado, ligando imediatamente o texto ao público. E a criançada quer participar, quer falar e dar palpite. Espetáculo infantil tem essa magia. Os movimentos das danças, pois trata-se de um pequeno musical, são coreografados por Ruy Brissac e Delidia Duarte com sincronismo e a certeira atenção aos limites do palco e a extensão muscular de cada ator, além da desenvoltura no espetáculo que cabe a cada personagem. A iluminação é um flash que desenha muito bem a fotografia das cenas, sob o comando de Robson Vellado, que faz questão de usar cores leves para um tom pueril ao espetáculo. Todo este desenho de luz contorna o cenário que é visto como um relevo das obras literárias que contam a história de Peter Pan, portanto é um deslumbre, com simplicidade, autenticidade e de uma beleza deleitosa aos olhos de quem assiste.

Peter Pan foi criado em 1911, pelo escocês J.M. Barrie e foi para o teatro, depois ganhou adaptação para os livros e para o cinema. O personagem nasceu enquanto Barrie praticava um de seus prazeres, contar histórias para dois filhos de uma amiga muito especial. Quando os pais destas crianças morreram, ele passou a ser co-tutor dos filhos da amiga, porém sem adotá-los. Imagina-se que a inspiração de Barrie tenha vindo de um casamento de ideias, Peter era o nome de um dos meninos, para quem ele contava histórias, e Pã é o nome de um deus grego, considerado o deus das florestas, dos bosques e dos vales, segundo a mitologia ele era muito esperto e trazia consigo sempre uma flauta e era temido por quem precisava atravessar as florestas durante a noite. Fazendo referência a isso, em Londres há uma estátua de Peter Pan tocando flauta.
A ideia da eterna juventude pode ter vindo após a morte do irmão mais velho de Barrie, David. O acidente, numa pista de patinação, quando ainda tinha 13 anos de idade, abalou profundamente sua mãe, que nunca se recompôs. O conforto dela foi pensar que ele teria morrido tão jovem para eternamente permanecer jovem. Barrie entrelaçou diversas inspirações para o nascimento do menino Peter Pan, que corre aos olhos e ouvidos do mundo inteiro.

Eu já vi Peter Pan interpretado até por menina, talvez pela delicadeza em alguns de seus movimentos e a destreza para dança, que a mulher possuí em sua musculatura. Porém, Peter nasceu de uma ideia diferente dessas, apesar de ótimas montagens, elaboram Peter Pan com uma delicadeza distante da realidade de quem vive entre aventuras no ar e nas florestas. Tiago Pessoa dirige o personagem, interpretado por Matheus Paiva, com a exata figura descrita pelo autor e adaptada para essa versão. Matheus cumpre uma desenvoltura jazzística, de dança e movimentos, com leveza e rapidez, tudo isso casado a expressões e uma dicção justa para o conjunto da obra. Ator bárbaro, digno de aplausos e dos olhinhos atentos da moçada.
Aline Carvalho vive Wendy, com doçura e a ternura colorida que lhe cabe. Ótima parceria com os atores que mais contracena e compactua belamente seu olhar com o público. Os movimentos executados por ela em um número aéreo, suspensa sobre panos, apresenta certo engessamento na evolução por conta do figurino que usa, acaba não desvelando nenhuma surpresa e torna-se um elemento sem muito requinte, porém não é descartável.

A tão adorada fada Sininho, que volta atrás para recuperar sua doçura, após erros e trapalhadas, é interpretada por Gabriela Carvalho, dotada de expressões que descrevem seu texto ausentando a fala sem fazê-la necessária. Lucas Britsky é o Capitão Gancho e configura o personagem na dosagem correta, para não pesar com pavor nenhuma cena. É um personagem de peso, escolhido com acerto para aquela produção. André Haidamus é o ajudante do Capitão, e surge para ele como um papagaio de pirata, explorado por ele e posto ao elenco com a comicidade que entretém o público. Bruno Figueira e Larissa Lessa são as crianças que entregam-se ao clima jovem do espetáculo na Terra do Nunca.
Paulo Candura veste os personagens acertando cada peça deste xadrez às suas casas montadas para um jogo bem feito. Cada costura é trabalhada com a necessidade de manter o destaque da obra como ela é.  Jay Vaquer assina as canções da obra, que não são entoadas pelos personagens. Isso é uma pena, porém microfones cabem aos espetáculos com mais recursos de produção. Para a bilheteria e a montagem deste Peter Pan tudo está como deveria ser.

Alguém lembra-se do ponto fraco do Capitão Gancho? É nele que está a surpresa tão bacana do espetáculo, dirigida com frescor e sem agressão ao texto, nem ao público. O que entra ao teatro... Bom, eu não vou contar. Eu sugiro que vocês assistam para saber!

Peter Pan está em cartaz no Teatro Ressurreição, em São Paulo. Aos sábados e domingos às 17h30. Os ingressos custam R$ 30,00 inteira e R$ 15,00 meia entrada. Podem ser comprados pelo Ingresso.com na internet, ou não bilheteria do teatro, quem tem sempre uma fila enorme de grandes e pequenos espectadores.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Roberto Carlos levanta público em SP com novo sucesso


É quase raro ver cenas como a que vi nesta última quarta-feira (7), que marcou a estreia do show de Roberto Carlos na capital paulista. Enquanto cantava o mais novo sucesso “Esse Cara Sou Eu”, que embala o tema dos mocinhos de “Salve Jorge”, novela das 9 na TV Globo, o público do grande Ginásio do Ibirapuera levantou-se e aplaudiu sem economia. Gritavam! Choravam! “Lindo!” “Gostoso!” “Maravilhoso!” Era o fervor que o rei da música brasileira, coroado pelo público, arrancava de todos os presentes.

Com o eventual atraso, típico dos shows em São Paulo e para a expectativa acentuar o frio na barriga do público, a introdução começou a ser entoada. Ao comando da orquestra estava Eduardo Lages, o maestro escudeiro de Roberto, que entrava sob os calorosos aplausos para dizer: “Que prazer rever vocês!”

Todos aqueles sucessos de RC passearam por seu eterno timbre. É interessante como a voz dele não altera e sua presença de palco é avassalada pelo despojado sorriso vestido em elegância, com aquele paletó santificado em Jerusalém.

O violão e suas mãos casam-se com uma beleza estonteante. “Detalhes” rebatia no vocal do público que participava dos acordes como um coral imenso. O Roberto, pra mim, é o rei da composição e o violão o revela aquele homem que do alto de seu apartamento aquieta-se em casa sem pressa de compor. A letra pra ele vem, ele não a provoca! Por isso fica tudo tão lindo. Por isso cada letra representa uma escultura do nosso momento de vida, de um romance, de uma dor, de uma ida, de uma saudade. Roberto cantou “Lady Laura” como se a mãe ainda a olhasse orgulhosa da plateia.
O show do Roberto não tem erro e parece que seus mais de cinquenta anos de carreira refletem ai. Porque ele ainda é um menino, de Cachoeiro de Itapemirim, cantando e fitando suas fãs que passeiam por todas as idades.

Roberto não passa mais a vida compondo, pelo menos não coloca isso mais pra fora, porque ele já escreveu de tudo e todo ano as mesmas canções são cantadas como se fosse um lançamento. Ele não pode descartar as canções que canta em todos os shows, porque o público quer o Roberto eterno e terno.
O homem que já percorreu o mundo com seus sucessos, que alcançou vendagens de discos como nenhum outro artista, levou às lágrimas a jornalista Glória Maria, em seu show na terra santa. Glória apresentava o show. Eu entendo de onde saem essas lágrimas. RC nos traz lembranças que vivemos e que ainda viveremos. “O Portão” é uma história estalada numa melodia linda e que me derruba em todos os seus shows. Daí pra frente eu assisto e ouço com poças de lágrimas nos olhos.

Depois as lágrimas vão escorrendo como nas canções em que ele fala do suor de suas “mulheres”, tão exaltadas nas músicas, que escorre ao seu peito cabeludo.
Um texto, escrito há algum tempo, vai costurando as canções em diversos pot-pourri, e um poeta cruza-se ao compositor. O piano vai calando, os sopros findando, as guitarras e o baixo entram no rock’n roll de “Quando” e “É Proibido Fumar” trazem de volta as discotecas e a jovem guarda que só aquele trio ternura sabe fazer. É inevitável a lembrança de Roberto, Wanderléa e Erasmo juntos. Essas canções os traduzem.

A iluminação do show é um espetáculo que acontece por si só e vai embelezando a silhueta de Roberto e tornando próximo do público o único Rei que faz turnê. Por onde ele passa os ingressos esgotam. Acho incrível que ele ainda lote um ginásio, sua história está na expressão de cada fã.

Recentemente, a autora de novelas Glória Perez fez uma visita ao cantor e a ela, RC cantou uma música. Estava fresquinha, do solo de seu violão nascia “Esse Cara Sou Eu” e em pouquíssimo tempo tornou-se sucesso. Hoje, a música é tema do casal protagonista da novela das 9, exibida na TV Globo. Qualquer novo “cantor” que surja com um single falido de letra hoje consegue emplacar seu hit. E dizem que os cantores da geração de Roberto já tiveram seus dias de glória. É maravilhoso como RC contradiz isso com glória.
As rosas vinham pousando nas mãos da mulherada, tinha até homem querendo as pétalas beijadas pelo rei. Elas se debatem, empurram, gritam, pulam e laçam-se aos caules como nenhum atleta faria. É compreensível. Cada rosa é um beijo de Roberto, não simplesmente uma rosa. Essas não estão à venda em uma floricultura.

“Jesus Cristo” veio acompanhado de uma homenagem, o show terminou com Roberto de braços abertos, enquanto dizia: “esse é o primeiro show após a partida da minha amiga Hebe Camargo”. As lágrimas encrostadas nos olhos dele e o selinho que Hebe lhe daria colocam um ponto final neste texto e findaram o show com uma beleza e um perfume. Os aplausos, sem pausa, interromperam o tempo, ultrapassando minutos. Essa semana tem mais, o que não tem é ingresso!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Regina Duarte está em Raimunda, Raimunda completando 50 anos de carreira


A eterna namoradinha do Brasil está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, após temporada no Rio de Janeiro. Grande atriz, de uma beleza cênica incontestável e a jovialidade quase que beirando uma debutante. Admira-me que tanta experiência tenha escolhido dirigir e atuar um texto que deixa morrer sua grandiosidade artística. Não é de todo mal, tiram-se muitos risos e ótimas caricaturas do espetáculo, porém estende-se numa obra apropriada para o livro. “Raimunda, Raimunda” são dois textos que não unem-se, nem podem ser chamados de atos. O espetáculo, com o nome de duas mulheres, são textos de Francisco Pereira da Silva, que desencontram-se com a ilustre Regina Duarte.

Vamos chegando à entrada do teatro e os atores estão em frente, maquiando-se, entregando o frescor folclórico do espetáculo, instituído nos belos e delicadamente trabalhados figurinos, assinados por Regina Carvalho, Beth Filipecki e Renaldo Machado. Eu acredito que este seja o ponto alto de todo o espetáculo, o figurino, é muito belo e entrega-se a uma originalidade sensível e carinhosa a cada ator que o veste.
“Raimunda, Raimunda” faz parte das quatro mulheres com o nome Raimunda escritas na década de 70 por Francisco Pereira da Silva. O espetáculo conta a história de duas delas, com o uso do mesmo cenário apoiando projeções, ora bem colocadas, ora exploradas demais. A primeira parte da peça conta a história de Ramanda, que sobrevive numa terra sem oxigênio e inabitável. Todo o tempo busca saciar sua sede sexual e afetiva em Rudá, interpretado por Saulo Segreto, que perpetua a caminhada em busca de uma terra fantasiosa ao seu lado. É bonito todo o conjunto da cena, a projeção da luz sobre a brancura dos figurinos e a destreza artística de falar e mover-se dos dois atores. O vestido de Ramanda é algo sublime, puro e quase que tirado dos contos de fadas, ele reserva uma surpresa, pois não veste uma pureza tão inocente da personagem, apenas a reveste de uma figura hippie, mas um tanto depravada por seu pensamento liberal. A interpretação poética de Regina é um auge. Porém, o texto é inabitável numa cena que vai perdendo-se em palavras bonitas, poéticas e bem humoradas. Perde-se pela ineficácia teatral do roteiro, numa interpretação que não combina com aquele script.

A sombra da luz anuncia o segundo fascículo de Raimunda, Raimunda. Mas, quase que sem entender e posicionar o público do que acontece, mais para o meio é compreensível de que as duas partes não completam, portanto, não tem nada a ver uma coisa a outra. Isso, inclusive, pode acontecer, porém há um prolongamento das duas neste espetáculo, bem humorado, mas caberia um belo corte!

A segunda parte tem um outro banho de interpretação, de todos os atores envolvidos. Regina é a única mulher, e os homens interpretam mulheres, isso é bacana, pois remete ao teatro antigo, em que a mulher era rechaçada. Raimunda sai do Ceará, com destino ao Rio de Janeiro, onde pretende estudar enfermagem e gratuitamente eliminar o constrangimento de seus lábios leporianos. O humor é bem encaixado em dicção, movimento e expressão, e para nisso, pois é o sumo que pode-se tirar de todo o contexto. Raimunda chega ao Rio, antes passa por diversas situações que revestem seu sofrimento em saliência cômica.
As cenas são trilhadas por inúmeros cortes, até repentinos demais, recortam-se como costuras inacabadas e apressadas, porém prolongam o braço da história e não chegam as mãos, pois não agarram nenhum sustento para todo aquele texto. Eu não sei se gostei mais da Regina, ou menos do texto. Sei que sua direção é algo prematuro demais, mesmo com os brilhantes 50 anos de carreira, pelos quais aplaudo incansavelmente, porém é prematuro pelo erro do texto. Vejo Regina Duarte dirigida por José Possi Neto, por exemplo, não por ela mesma. Talvez, mas com um texto que combine com sua nobreza artística e graça poética.

Tudo é muito folclórico, mas poderia exprimir mais do vigor de Regina e aquela trupe toda que parece-me muito bacana e talentosa. Ao lado dela estão, além de Saulo Segreto, Allan Souza Lima, André Cursino, Creo Kelab, Henrique Pinho, Ricardo Soares, Rodrigo Becker e Rodrigo Candelot.

Os cortes das cenas são interrompidos por músicas que descompassam ainda mais todo aquele roteiro, neste momento texto e trilha separam-se brutalmente e acertam apenas nas batidas circenses do momento em que o circo surge na vida de Raimunda, isso é até bonito. A trilha sonora de Charles Kahn exalta a jovialidade de Regina e exibe suas perfeitas pernas, prontas para qualquer movimento, porém é um descarte, erroneamente encaixado neste baralho mal embaralhado. O cenário é um encontro do nada, assinado por José Dias. Tem um propósito, quando nu, na primeira cena, porém vai tornando-se maçante no decurso do texto. A iluminação de Djalma Amaral e Wilson Reiz rega-se do mesmo curso do cenário e não surpreende, apenas cumpre seu singelo papel.
Regina Duarte e sua trupe estão em ótimo vigor, não devem parar por aí. Eles salvam o texto por suas gloriosas interpretações. Temos, evidentemente, que colocar para todos os cantos nossos autores, mas quando literários, apenas literários, devem ficar como apenas literários, e pararem no teatro quando o matrimônio entre arte cênica e texto combinarem para todo o sempre.

“Raimunda, Raimunda” está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. O espetáculo acontece até o dia 16 de Dezembro, às 21h30 nas sextas-feiras. Sábado às 21h. Domingo às 18h. Os valores dos ingressos estão entre R$ 50,00 e R$ 60,00, à venda pelo Ingresso Rápido, na internet, ou na bilheteria do teatro.