segunda-feira, 1 de abril de 2013

Maria Bethânia traz “Carta de Amor” para São Paulo


Não era só Bethânia que entrava ao palco naquele show, era ela e uma entidade muito íntima de sua inteligência musical. A introdução do espetáculo já antecipava-nos a grandiosidade daquilo tudo, enquanto deitava uma poeira alaranjada causada pela luz e pela fumaça, esvoaçava um dourado de Oxum vestindo uma voz inconfundível. Ia ecoando... ecoando... ecoando, até a imagem cobrir o palco. Uma das maiores cantoras do Brasil batia os pés descalços no palco do HSBC Brasil, em São Paulo.

Pude ver inúmeras Bethânias ao longo do tempo, algumas mais tímidas, principalmente na intimidade, e algumas explosivas, num entusiasmo expelido pelas canções de seus espetáculos e o norte sereno da calmaria de suas poesias. Bethânia vai do efusivo ao plano... Nesta noite, eram mulheres de todos os sentidos rasgando a pele da santamarense.

Ainda não havia visto aquela mulher dançar o tempo todo, sambar com os pés desinibidos e corpo sem limites. Ainda não tinha visto Bethânia extravasar os auges de sua carreira tão lindamente em ritmos batucados. Mas, quando ouvi “Lua Branca” corria-me um arrepio calado, que sussurrou em todos uma tranquilidade quase que impossível de recontar. Mas daí vinham os batuques e a poeira subia feito uma roda de samba na terra... feito um terreiro de portas abertas.

Maria Bethânia, tão impossível de dissociá-la de mãe Canô levantou-nos em aplausos quando deu-nos o “Reconvexo”. Ao cantar a canção escrita por seu irmão, Caetano Veloso, em lembrança, todo o público levantou para aplaudir enquanto soava “quem não rezou a novena de dona Canô...”

Com o poeta sentado a sua frente, ela cantou “A Casa é Sua”, e sem dúvidas laçou o brilho dos olhos de Arnaldo Antunes para suas notas.

É tão automático aguardar as toadas sem pressa de Jaime Alem, a viola caipira e o fitar aos passos de Bethânia... que ainda causa-me espanto ver Wagner Tiso em seu palco, comandando o piano. São duas imensas entidades musicais fundindo suas notas. Às vezes, Bethânia parece correr, além de sua naturalidade, junto a partitura do maestro. Mas, esse é o novo cenário da baiana. Aliás, a Bahia vem em peso no ritmo de “Carta de Amor”.
Quando chega a canção que dá nome ao show, é Bethânia poeta. Que permitiu-se não queimar uma composição sua pra mostrar-nos o monumento que a rege por dentro. Bethânia recebe algo muito grandioso para tornar o show tão monumental... ou é algo do tipo Iansã, ou é algo do tipo Fernando Pessoa. Sei que é ela com um gigantismo impressionante!

Nesta terça-feira Maria Bethânia ainda apresenta-se no HSBC Brasil, em São Paulo. Os ingressos estão esgotados. Depois, a cantora segue para o Rio de Janeiro, Pernambuco e Sergipe.

Fotos: Riziane Otoni


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Gal Costa faz show histórico no Circo Voador



O céu parecia querer lavar as ruas cariocas horas antes do show que levaria ao espaço o Circo Voador. Como não resistiu, a chuva ensaboou os ladrilhos no quase início de madrugada do Rio de Janeiro. Como em antigos festivais, o público chegava cantando, apoiava-se à beira do palco quem podia, no mezanino algumas pernas balançavam com a ansiedade de quem nunca ouvira Gal. O típico atraso gelava as barrigas, enquanto o calor insistia em tornar o ambiente caseiro. Gal espiava o público que a ovacionou no primeiro passo de volta ao Circo. Na direção de Caetano Veloso, aconchegado à voz de Gal atrás do palco, o show “Recanto” dava início para uma inclusão histórica. Sem saber mais como agradecer, Gal resolveu dar-nos a primeira canção, ao barulho do público que foi calando-se com “Da Maior Importância”. A partir daí todo mundo cantava junto com todo mundo, como um coral, elevado pelas cordas de Bruno di Lullo e Pedro Baby, além da bateria acústica e mpc mil de Domenico Lancellotti.

Estou colecionando shows de Gal Costa, cada vez há um rebolado diferente, um sorriso mais largado e um carinho com as notas ainda mais íntimo. Ela canta sorrindo e isso é sublime!
Gal é desenhada pela luz e calça suas curvas em cada lance de notas que o trio exalta à sua magnífica voz. A maior cantora do Brasil reuniu um público jovem invejável pra qualquer espetáculo do auge de sua carreira. Pra quem diz que Gal já teve seu auge não sabe o que é “Recanto”. Na verdade ela nos faz confundir auges e passo a descartar essa de auge com ela. Ela é o grande trunfo da música brasileira. Monumental!

As salpicadas eletrônicas rejuvenescem Gal e a embelezam num ritmo delicioso. Estávamos em pé, restou-nos dançar. A beleza de “Tudo Dói”, com a marola bossanovense, o sorriso com lágrimas nos olhos de “Tudo Dói” e toda a dramaticidade que a canção contracena com Gal, os pulos e dedilhadas de “Divino Maravilhoso”, que faz jus ao contexto do espetáculo. Tudo é divino maravilhoso.
A evidência de que Gal não tem medo de enfrentar o tempo foi engajar “Recanto” no Circo Voador e mais ainda, intitular o espaço de “Disco Voador”, de fato ela levou pro espaço, no melhor dos sentidos, fomos ao delírio.

O tempo pra ela é o menor dos desafios, o maior deles é a música e ela tira de letra. É notável um dos mais lindos romances que conheço, entre Gal e a musicalidade. Ela é nova, traz um show cheio de reformas, de tons escuros que deixam brilhar sua história passeada nas letras. Gal faz-se um sopro no asfalto quente quando “Folhetim” nos cai para relembrar aqueles acetatos que exibiam seus carnudos e vermelhos lábios.
O público fervoroso às vezes era inconveniente e atravessava as canções com os berros, com os elogios. Mas, as mãos de Gal acenavam para o controle e sua voz emudecia uns e causava furor em outros.
O suor escorrendo pelo rosto e dobrando-se ao colo transpirava a grande Gal que renasce suas canções, que vive Caetano, Jorge Ben, Waly Salomão, Jards Macalé e Caymmi.

Gal é símbolo de voz e de vida, tem a expressão da raça musical brasileira e os traços mais belos marcando suas cordas vocais. Gal desfila um show ecumênico, distribuído para o sábio público e mostra que funk é um som bonito em “Miami Maculelê”, e que a música eletrônica é de seu pleno domínio quando “Neguinho” passa na malandragem em letra pelo público. 
Quando “Baby” traz de volta o tropicalismo, “Vapor Barato” inserta a deslumbrante “guitarrada” de Pedro Baby em solo na canção. São os aplausos mais quentes do show. “Meu bem, Meu Mal”, “Força Estranha” e “Modinha para Gabriela” tornam o show saudoso na despedida e Gal bate o fio do microfone no palco com a força de sua preciosa carreira.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Andrea Bocelli faz único show debaixo de chuva em São Paulo


A Osesp, Orquestra Sinfônica de São Paulo, afinava seus instrumentos e riscava as cerdas dos violinos, regidos ao primeiro-violino de Anca Gravis, enquanto sopros e rufos ungiam à voz de um jovem tenor que levantava o público que via ir longe, no Jockey Club de São Paulo, cantando o Hino Nacional do Brasil, de forma a arrepiar aos toques das gotas que o céu derrubava na plateia. O show, que aconteceu ontem (13) parecia seguir impecável, quando a cantora brasileira Sandy embalou três canções ao lado do tenor mais famoso do mundo, Andrea Bocelli, elevando o show a um tom irretocável.

Os grandes sucessos da música clássica passaram pelo palco com Bocelli e aquela abastada orquestra, junto a um coral afinadíssimo, levitaram a voz do tenor por onde cavalos e batem suas patas. O cenário paulistano acendia suas luzes à volta do espetáculo, nas margens do Pinheiros e reluzia o brilho da flauta transversal de Andrea Bocelli que solfejava “Ave Maria”, num arranjo emocionante, que confundia gotas de chuva às lágrimas.

“A Traviata” anunciava-se pela finessi das sopranos e equalizava o som que escapava do tom do público. Andrea Bocelli consegue levar a música clássica ao mundo como se fosse a coisa mais natural e rotineira que ouvimos.

Andrea Bocelli nasceu em Lajatico, na Itália, e de berço foi premiado com o gogó cristalizado dos italianos. Os evidentes problemas de visão o perseguiram por toda a infância, e Bocelli recebeu o diagnóstico do glaucoma. Aos doze anos, enquanto jogava futebol, levou uma pancada na cabeça e perdeu completamente a visão. A única coisa que o consolava era a música.

Com seis anos começou a aprender a tocar piano, flauta, saxofone, trompete, harpa, violão e bateria, e tudo isso o levaria para o auge em alguns anos. Na igreja ele tocava órgão, aos doze anos, quando perdeu a visão, ganhou o primeiro prêmio musical. Na Universidade de Pisa formou-se em Direito, mas o canto o seduziu com ternura. Bocelli arriscou as óperas, passeou por renomados compositores, cantou ao Papa João Paulo II e foi recebido com honra pelo mundo inteiro, cadenciando a música clássica ao gosto de diversos públicos.
No ano passado Bocelli lançou o DVD do show que realizou no Central Park, em Nova Iorque, na ocasião a chuva também deu as caras. Acho, inclusive, que o tenor é “cabeça de chuva”, a chuva grossa começou a penetrar o show e a voz de Andrea Bocelli parecia aquecer ainda mais ao vento que soprava pelos campos do Jockey. O Brasil o ama e acho que ele ainda nos deve a gravação de um DVD por aqui.

É interessante como a perda da visão não tira-lhe o equilíbrio no palco, Andrea tem a direção total do show, quando sentimos sua percepção ao público e ao som que o rodeia. A canção, de fato, o envolve com um cuidado maternal e seus olhos passam a enxergar pelos ouvidos e nós pela nobreza de sua voz.

“Sole Mio” e a “Tarantella” brindavam sua italianidade, assim como “Tristeza”, o sambinha brasileiro, carimbava sua cidadania tropical. Ao lado de Sandy reafirmou sua brasilidade entoando “Garota de Ipanema”, como se fosse um tenor bossanovense. Sandy afinava a voz com uma doçura e combinava sua delicadeza ao timbre liso que dava graça feminina ao espetáculo. Andrea a carregou no colo, como se carregasse o público nas mãos.

Uma ária do “Turandot”, de Puccini exalava das batutas do maestro Solielson Goethe, findando o show, que passava o ar espetacular da harmonia dos violinos à elegante spalla Ana Gravis.

É preciso despertar ao público que frequenta shows que respeito faz-se, além da audição, à pontualidade do espetáculo. O público parecia chegar na hora que bem quisesse e perambulava pelas fileiras procurando lugares marcados enquanto o espetáculo já registrava um avanço distante do início. Comprar um ingresso no valor de 2 mil reais para assentar à área Premium do espetáculo não é o mesmo que dar-lhes a liberdade de faltar com respeito ao artista e ao público que já está acomodado, chegando com atrasos abusivos. O desrespeito acentuava-se quando os staffs insistiam em procurar estes lugares para acomodar aos retardatários. É preciso criar um modelo de respeito para que o público que não conhece uma das mais antigas invenções do mundo, o relógio, aprenda a aferir o tempo com mais sabedoria. Ir a um show não deve ser uma questão de status e liberdade de movimentação. Ir a um show deve representar respeito a música.
Chegar no horário do show não é ultrapassar o intenso trânsito de São Paulo. Chegar no horário é uma obrigação e uma questão ética. Não é preciso ser britânico, basta mostrar que o brasileiro é muito mais do que a irreverência de comprar ingressos caros, é fazê-lo ser elegante, independente de qualquer coisa.

A saída foi conturbada demais, a organização foi um tanto falha e a alimentação sem capricho, como sempre nestes shows, com preços absurdamente abusivos. Tentem respeitar mais o espaço onde a música habita? É possível, será?

O show foi uma produção da Dançar Marketing e reuniu um público numeroso em torno de um dos mais importantes artistas do mundo. A história de vida e o empenho musical de Bocelli confundem-se lindamente com o seu sucesso.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Milton Nascimento volta a SP com os grandes sucessos que o emocionaram no palco


Nestes dois dias, 12 e 13 , o Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, recebe Milton Nascimento. Ontem (11), Bituca estreou em grande estilo sua passagem pela capital, relembrando sucessos e permitindo-se emocionar ao ouvir o próprio público cantar. O meio século de carreira parece ser muito, mas a grande fatia deste tempo foram as consagradas composições que o tornaram um dos maiores poetas da música brasileira.

A voz de Milton rasga o silêncio com uma beleza emocionante, ele sabe encontrar as palavras à melodia de uma forma excepcional e abusa do português com um trabalho poético impecável.

Milton Nascimento é carioca, nascido no início da década de quarenta ganhou projeção nacional após gravar “Travessia”, de Fernando Brant, em 1967. Quando criança, filho de uma empregada doméstica muito humilde e que não teve condições de criá-lo, entregou-o a um casal, que o adotou. A mãe adotiva, que o apelidou de Bituca, devido ao beiço que Milton fazia quando era contrariado, era professora de música, e o pai dono de uma estação de rádio. Morando em Minas Gerais, pra onde mudou-se, passou a tocar em bailes e boates, inclusive ao lado de Wagner Tiso. Foi para Belo Horizonte cursar Economia e por lá passou a compor com mais frequência.
Bituca marcou a vida de muita gente e adentrou com suas composições aos diversos capítulos de nossas vidas, participando efetivamente dos cotidianos descrevendo-o com sua beleza autoral inigualável e o carimbo marcante de uma das vozes mais consagradas de todos os tempos. Milton integrou o Clube da Esquina, que é um dos capítulos mais relevantes da MPB. Na capital mineira, morando em uma pensão, conheceu os irmãos Borges, Marilton, Lô e Márcio, e dos encontros na esquina das Ruas Divinópolis com Paraisópolis nasceram memoráveis canções que ultrapassaram fronteiras e caíram nas vozes de cantores que o Brasil elegeria como os maiores, a exemplo de Elis Regina e Gal Costa. “Maria, Maria”, que está neste espetáculo apresentado em São Paulo, veio desta época, trazendo astral pra uma letra engajada na história de muitas mulheres brasileiras. “Coração de Estudante”, que foi hino das Diretas Já surgiu dos encontros, e na época ganhou destaque como “Canção da América”, tema de diversas ocasiões.

No show, Milton entrega o microfone ao público e sentado ouve esboçando emoção. A plateia canta a “Canção da América” inteira e ele finaliza participando com aplausos. Ele tem o domínio total do palco, a voz joga a luz pra frente e desembrulha instrumento por instrumento, aproveitando cada solo para galantear as cordas, os sopros, as batidas e as teclas. Nota atrás de nota unem-se em acordes e voz numa harmonia fantástica.
Milton tem uma expressão jazzística que deita sobre a bossa e o estilo popular da música com uma digital expressiva causada por sua voz. Ele não perde sequer um grau da lisura de sua voz e caminha, pula e dança no palco como se ainda fosse um menino com 50 anos de carreira.

Ele passa os dedos no violão e dissolve a genialidade de suas canções nos olhos e no coração do público. Porque Milton ouve-se atentamente com o coração, pois é a forma mais generosa de agradecer a um dos maiores ícones da nossa música.

Milton sempre foi uma inspiração e seria impossível poupar adjetivos ao falar dele!

Os ingressos para os próximos shows no Sesc Pinheiros, em São Paulo estão esgotados, porém no próximo dia 16 ele apresenta-se no Sesc Itaquera, também na capital.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Laboratório Sexual sobe ao palco do recém reaberto Teatro Paiol em SP


O teatro, que foi inaugurado em 1969, palco dos impecáveis Paulo Goulart e Nicete Bruno, onde, inclusive, criaram culturalmente seus três filhos, que não podiam seguir outro caminho a não ser o das cenas, reabriu em setembro com uma proposta ecológica, a de plantar na Vila Buarque, em São Paulo, um teatro ecologicamente correto. Neste final de semana, sexta (7) e sábado (8) o espetáculo “Laboratório Sexual” apresenta-se em horário alternativo.

Seis atores dividem a cena, nessa comédia irreverente e inteligente de Jean Dandrah. Que tem como pano de fundo a sexualidade humana e suas múltiplas questões. Um confronto de ideias, um choque de gerações e opiniões ressaltam a ação do espetaculo durante 70 minutos. Homens e mulheres se deparam com suas dores, crises, desatinos e experiências dentro dessa esfera tão pasteurizada chamada SEXO, convidando a plateia a uma verdadeira terapia assistida! Ímperdivel!
As apresentações acontecerão nos dias 7 e 8 de Dezembro, às 23h. Ingressos R$40,00 (inteira). O Teatro Paiol Cultural fica na Rua Amaral Gurgel, 164 – Vila Buarque