quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Billy Elliot traz a Broadway para São Paulo


Imaginem ver o quadro “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci em uma réplica! Imaginem ver o quadro de da Vinci no Louvre, a obra original! É quase a mesma sensação, aquela de estar dobrado ao criador. Aos fatos reais. Mas, Billy Elliot, que nada tem a ver com Mona Lisa e da Vinci, é ainda mais. Billy Elliot é o movimento do sonho, as cores e a voz. É um musical que não nos permite colocar defeitos, e faz-nos cometer a indelicadeza de deixar elementos de fora. São tantos, que fica difícil organizá-los num só texto.

Tomar um avião em direção a Broadway é como cumprir o desejo de qualquer amante da arte musical, é gozar de uma das mais belas vertentes do teatro e da música. Um musical é o casamento perfeito de duas artes, é a fusão de duas paixões mundiais. Inegáveis. Dessa vez, o avião veio pra cá trazendo o elenco original, tudo em inglês, como a gente tanto sonhou em ver aqui. Billy Elliot vem na pele inglesa, sob a direção de Stephen Daldry e músicas de Elton John.

O livro de Lee Hall é inspirado numa história... ou melhor, em inúmeras histórias. Billy Elliot descobre a vocação pela dança, e substituí as aulas de boxe pelo balé. Para desenvolver sua aptidão, precisa da aprovação do pai, um homem machista. Naquele período, a Inglaterra cravava uma onda de greve contra o governo de Margaret Thatcher. Este pai, minerador e grevista vê-se entre o sonho do filho e a honra aos operários da greve. Por esse norte, caminha o espetáculo, a descoberta de um sonho e os percalços de sua realização.

Um homem bailarino também dança em volta dos preconceitos, como se o balé fosse propriedade feminina. Billy encontra-se cercado por esse tipo de “bullying”.

O espetáculo da iluminação de Rick Fisher é um musical à parte, impressionante, como a guitarra que adentra a orquestra para fazer trilha a um número de balé. Assistir àquele rapazinho, de tão pouca idade, suportar dois atos sob as pontas dos pés é no mínimo sublime.

Movimentar uma vila, utilizar muros, portas e chão, como se fosse um corpo cheio de curvas e elástico é a proposta do cenário intrigante e habilidosamente arquitetado por lan MacNeil.
Mitchell Tobin representava Billy quando assisti. O garoto reencarnava a Broadway com todos os atributos de um gigante ator.

A sensação de entender um musical à parte das legendas é reconhecer a maestria de sua direção e a musicalidade impecável das letras, da orquestra e dos intérpretes. Nós, os brasileiros, não estamos devendo nada para a Broadway. Mas, vê-la em nosso território é mágico. É belo!

Dentro de um figurino atípico para um bailarino, o pequeno rapaz desenvolve passos envoltos em disciplina e com a rigidez exigida pela dança. O caráter pueril do jovem permanece intacto em todo o espetáculo e isso torna-o ainda mais belo. Não contentes em esbanjar jazz e balé, sapecam números de sapateado retumbando pelo nosso corpo as batidas dos pés de várias idades sobre o palco.

“Billy Elliot” é encantador. Desce por entre a plateia, junta-se a um grupo imenso de atores no palco, reúne-se ao som da exorbitante orquestra, banha-se de uma luz irreparável e torna-se um musical sem tamanho, ilimitado, magnífico.

“Billy Elliot” revira nossas estruturas, respinga no coração e sai inflando pelos olhos.

O musical fica apenas até o dia 18 em São Paulo, no Credicard Hall. Realizado pela Time For Fun.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Daniela Mercury declara seus amores “Pelada” e poeta


Ela desceu dos trios elétricos, e desceu “Pelada”, como intitula sua nova turnê. Calminha, mas com uma energia de quem ainda parece cantar no vão do MASP, Daniela faz um quase acústico e desabrocha suas composições num jeitinho romântico e entrelaçando poesias. O show “Pelada” esteve na semana passada no palco do Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, em São Paulo.

As pernas de Daniela tornearam o palco, que era cortado por uma iluminação interessante, capaz de irritar qualquer fotógrafo.

A baiana declarou mais uma vez o seu amor por Malu Verçosa e dedicou-lhe um texto capaz de tornar pó qualquer “Feliciano”. Logo engatou a canção “Meu Plano”, de Lenine, tornando o espetáculo mais sublime que seu próprio contexto.

Eu sonhava em ver Daniela numa arena mais acústica, só pra sentir saudades de todo aquele axé e reggae. E digo: já estou com saudades. Não é pra qualquer um, dançar e cantar sem esvoaçar o fôlego.

Daniela brinca com a respiração nas terminações e coloca em prática a física do trio elétrico.

Quase pelada, dentro de uma masculinidade singelamente feminina em um blazer e uma camisa. Como quem sai zanzando pela manhã com a primeira roupa que encontra arremessada ao chão. Aponta à plateia com intimidade e torna canções que ficaram lá atrás como se as estreasse em mais um auge de sua carreia. Daniela é uma mulher de mais de um auge.
Daniela acaricia os nossos ouvidos entregando-nos a doçura de sua voz e o solfejo de letras exprimidas de tantos amores. Utiliza de poesias para tornar ainda mais nobres as suas influências. Cheia de textos e de histórias para contar, como uma menina nostálgica que peita o presente.

“O Canto da Cidade” é a tradução dessa baiana, porque onde ela pisa faz-se o sentido da canção em seus movimentos. Ela é o canto de qualquer cidade. Ouvimos Daniela em qualquer canto, não apenas como alguém que agita multidões num trio, não uma ativista política, ou formadora de opinião. Daniela é ouvida como peça fundamental da música popular brasileira. Revive sambas e até o que ainda iremos reviver.

Os batuques africanos, que saem de dentro da negra cor em pele branca de Daniela, não deixam de apresentar-se na versão mais acústica de sua temporada. E ao final, ela volta ao trio, e com sua ninhada (os filhos) desce a Bahia para São Paulo. “Música de Rua” e “Canto da Cidade” vieram das ladeiras do pelourinho pra debaixo do vão do MASP, como foi no princípio.

Não vejo Daniela como marketing. Vejo-a como uma mulher corajosa e cheia de notas e referências!

sábado, 10 de agosto de 2013

“Uma Vida no Teatro” traduz Francisco Cuoco


“Uma Vida no Teatro” é o jargão mais típico e fiel a um ator. Um ator, que permeia sua carreira na arena, não poderia ter um lar mais assíduo do que a arena. É nela que o ator encontra seus leões, crava suas espadas e ajoelha-se na terra. É nessa arena que aquele que dobra-se não a abandona, só na morte. É lindo ver uma peça que fala das peças, um ator, ou melhor, dois atores, que falam um do outro. “Uma Vida no Teatro”, dirigido por Alexandre Reinecke, encharcando texto na boca de Francisco Cuoco e Ângelo Paes Leme.

Um ator tem um machado siamês na cabeça, que divide-o a todo instante, jogando, por vezes, na sarjeta a própria vida e permitindo-o viver apenas o outro. O ator é o outro! Pouco é ele mesmo. O ator é reverenciado por ser o outro. É um médium, que expulsa seu espírito e engorda-se de um outro, aquele que está escrito num papel. Num calhamaço de papéis.

Essa interpretação escorre da graça e do impecável humor de David Mamet, na tradução de Clara Carvalho, sobre o texto em questão. Cuoco e Leme são eles, e não são. Tal qual dois atores vivendo dois atores. Um ator interpreta para ser interpretado.

Eles vivem diversos espetáculos dentro de um mesmo, manipulam a luz do mago Paulo Cesar Medeiros como se comandassem as próprias línguas. Movimentam em tirar e colocar os figurinos de Fabio Namatame, o dono da alfaiataria teatral, como se permitissem que o tempo passasse ligeiramente por seus corpos. Da-se a impressão imediata de que uma vida passa por aquele palco.

O teatro é a expectativa latente de um público. É a transição do homem para a arte. É o movimento das letras presas no calhamaço de papéis, que chamamos de script. O teatro é Cuoco e a ranhura de sua fala, o resquício de sua rouquidão, prova de muitas falas na arena. Prova de muita areia hasteada por leões.

O teatro é ainda o gozo do diretor e o beijo entre Deus e o Diabo observado pelo autor. O teatro é o ator transando com ele mesmo, tocando-se pela barra da cortina e pelo linóleo preso nos tacos do palco.

“Uma Vida no Teatro” trata do movimento entre vida real e a realidade do teatro, e sua irrealidade também. A astúcia e a prepotência de um ator velho, sua solidão embriagada pelo passado e a passagem de seu ofício ao ator jovem, cheio de disposição e olhar. O Ângelo permite ao Cuoco um brilho além daqueles de novela, o Ângelo faz a corte, faz o papel do ator que sobrevive de comer letras. O ator é um engolidor de lâminas e é um sobrevivente dessas lâminas. O Ângelo Paes Leme tem brilho nos olhos, tem vida, vigor, deixa o palco sem solidão.

Francisco Cuoco dividiu a vida das telenovelas com a vida do teatro, sobe ao palco como se fosse o côncavo e o convexo do próprio ofício. Cuoco é muito maior do que o próprio ofício. É um ator que vaza pela profissão, que encolhe o palco em sua grandeza. Cuoco faz a multidão de seu calhamaço. Ele é o calhamaço de personagens. Cuoco é uma versão quase feminina de Fernanda Montenegro. É a versão masculina do teatro. É a antena sem ruído da TV.

O texto às vezes rasteja num conflito interminável e repetitivo, sem a explanação da atualidade teatral, nem goza do campo vasto dessa arte. Com isso, a direção fica num relento, no gesso do texto. Mas, Cuoco grita pra fora do texto, dá ritmo ao que de vez em quando perde o ritmo.

Os papéis são dirigidos por Reinecke com a gentileza e o rigor de quem movimenta peças de um xadrez. Sem cheque, apenas com a esperança de que o público redesenhe jogadas em suas mentes. Cuoco e Leme, e a aventura de Reinecke tornam a brincadeira séria, quando deixam ao público a cena final. O público é e sempre será a cena final de qualquer espetáculo.

O espetáculo é lindo, tem ritmo e engraçado. A produção é da Ricca Produções, junto a realização da Reinecke Produções Culturais.

“Uma Vida no Teatro” fica em cartaz até o mês de Setembro em São Paulo, no Teatro Vivo. Sextas às 21h30, sábado às 21h e domingo às 18h. Os ingressos custam R$ 50,00 para sexta e domingo e R$ 60,00 para os sábados. O teatro é adaptado para deficientes e a peça faz parte do projeto Vivo em Cena, o qual conheci e dou grande valor. 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Beth Carvalho está de volta


Não vou dizer que Beth está de volta ao samba, porque do samba ela sempre foi. Beth voltou ao nosso meio, aos nossos olhos e aos nossos ouvidos. A madrinha do samba e a atual detentora da coroa do gênero volta com o samba na rua e a estampar nos palcos as iluminadas cores da Mangueira. Beth já pensa no próximo DVD e tem mais é que pensar, a saudade estava batendo mais do que os tantãs.

Parece até ironia, duas das nossas mais gloriosas sambistas ficarem impedidas de baterem as sandálias no chão. Beth Carvalho e Elza Soares já podem cantar, ainda sentadas. O bom é que estão de volta à arena de suas vidas. Ao posto e ao congá que lhes foi batizado: o palco!

Beth com seu cavaquinho e a feminilidade arranhada nas cordas fazem renascer Nelson Cavaquinho sob a genialidade de Cartola. Como se arrastasse a barra da saia de Clara Nunes na terra de Angola e batesse as solas no chão de Clementina, Beth abre a voz com a mesma força que a Mangueira desbrava a avenida. Beth é o samba!

Como se búzios fossem chacoalhados nas mãos de uma mãe e os orixás ouvissem os urros dos filhos, num terreiro lavado por água de cheiro e manjericão, Beth da o tom aos batuques e não os batuques a ela.

Um ano internada, como se aguardasse os amigos no botequim, onde batemos com as mãos na mesa, e o dedo na caixa de fósforo. Onde apoia-se a água que sua do copo de cerveja e o camarão escorre seu óleo. Na tábua que bate a carta e arranham-se os naipes e entre as pernas agarram-se o timbau e os tantãs. Beth fez do quarto a sala do samba, a extensão de sua casa. Como é o palco!

A mesma Beth que passou o óleo do batismo e alfazema que abre os caminhos pra grandes nomes do samba. A mesma Beth que regravou os sambas na terra sagrada da Bahia e rebuscou os sambas cariocas descendo morros e deixando mais rosa a avenida verde da Sapucaí. Beth ainda é Beth. Atrás de Beth Carvalho “só não vai quem já morreu”!

Beth, você fez tanta falta! Tínhamos que repetir mil vezes os seus discos e recordar, quase que diariamente, sua imagem nos vídeos da internet.

O samba voltou ao tom correto. Temos a grande voz e a suntuosa presença outra vez. E essa saudade sua só vai nos fazer querê-la ainda mais nos palcos.

Hoje não escrevo como crítico. Apenas exprimo a importância de Beth Carvalho para a música.

O samba sem Beth Carvalho é como um rádio desligado, um violão sem cordas, um pandeiro sem o couro. Não é nada!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Quem é Anitta?


Honório Gurgel, zona norte do Rio de Janeiro. Trinta de março de mil novecentos e noventa e três. Um ano após o Impeachment de Fernando Collor, ano em que Gilberto Gil é homenageado na sétima edição do Prêmio da Música Brasileira. Tom Jobim participa do Roda Viva. Chico Buarque lança o “Paratodos”. Itamar Franco é o presidente. O cruzeiro passa para cruzeiro real. O fusca volta a ser fabricado depois de sete anos fora de produção. Despede-se, neste mesmo ano, Cassiano Gabus Mendes, e na Globo estreia Mulheres de Areia e Renascer. Vem ao mundo Larissa de Machado Macedo. Ela cantaria na igreja, escutaria musicas com o avô, Mariah Carey... e em dois mil e dez seria MC Anitta. Quem é Anitta?

Não vamos discutir o “Fora Collor”, nem vamos falar de Tom Jobim, nem de Cassiano Gabus Mendes, nem das novelas da Globo, nem do cruzeiro, nem do Chico Buarque, nem de Gilberto Gil. Mas, enquanto o Brasil vivia em fervores culturais e políticos, algo iria contra isso tudo... Larissa. Hoje, Anitta!

Por que, contra isso tudo?

Diz ela, que ouvia as músicas do avô, que gostava de todo tipo de música e que cantava todo tipo de música. E mesmo assim tornou-se a Anitta de hoje. Nem ruim, nem boa!

Penso até que na década de 90 foi o período em que a música começou a sofrer, as gravadoras inexistirem e as rádios ganharam ainda mais um estilo publicitário. Foi o momento em que qualquer coisa poderia ganhar o nome de música, mas no século XXI isso foi confirmado definitivamente. Hoje, quase todo o novo, é ruim demais! É época de remasterizar, de relançar. Estamos vivendo do ontem, pra suprir o hoje!

Anitta veio nessa leva do século XXI... como se James Brown tivesse criado “vertentes” do funk. E não criou.

O funk entrou como um estilo, feito aqueles que embalavam a ingenuidade dos jovens. Entrou como se fosse a Xuxa fazendo sucesso. Era rápido o caminho da produção para crianças, na música. Como é rápido o sucesso pelo caminho do funk. Anitta era do funk, diz ela. Depois do sucesso, diz que é do pop. Ou, do “popular”. É sim, popular, como a feira é popular. Como a 25 de Março é popular. O barato será sempre popular.

É uma batida sedutora, mas é uma voz sem novidade. Talvez fosse mais bela num outro estilo, fosse mais bonita no coral da igreja. Gosto da voz dela, da rouquidão que fica no finalzinho do canto. Mas, o estilo é extremamente chato. Acho o funk interessantíssimo. Porém, como porta de entrada pra música, é um abuso de paciência! Quer cantar funk, assuma! Não use-o como porta de acesso ao meio. Fazer sucesso com a turma jovem é fácil, quero ver levá-los para a vida toda, como fazem àqueles nomes que citei lá no início deste texto.

Não sinto-me atraído pela inspiração que ela teve em Beyoncé, Mariah Carey e incomodo-me muito com o jeitinho de quem está mascando chiclete enquanto canta, feito Kelly Key. Não chame isso de “vertente” do que James Brown criou, Anitta!

Fazer sucesso com uma música nas novelas da Globo é uma escadinha rápida ao paraíso. Dê graças também ao Youtube, uma ferramenta genial, mas que nenhum grande músico ou nome da música precisou usar até a década de 90!

O Collor, um ano antes dela nascer, não saiu pelo povo. Entrou e saiu pela mídia. Calado! Esquartejado! Teve tudo tirado de seu controle.

A Anitta, entrou pela escadinha do funk. Pisou no degrau da mídia. Segure-se pra não sumir no degrau seguinte! Pois, a porta que há no final dessa escada pode ser a de um abismo, ou de um novo disco, que também pode significar um abismo. A música anda meio descaracterizada, com tanta “vertente”.

Não desgosto da Anitta! Mas, quase não me agrada.