sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Chiquinha Gonzaga renasce nos dedos de jovens pianistas


Não teria sido possível realizar um encontro entre Chiquinha Gonzaga e os jovens pianistas Alexandre Dias e Wandrei Braga, pois antes mesmo que os dois poetas das teclas tivessem vindo ao mundo, a primeira mulher a compor uma canção no Brasil deixara os saraus da vida, para os do céu. Foi aos onze anos de idade, que Chiquinha começou a compor, e agora, em 2011, os pianistas Alexandre e Wandrei reuniram, junto ao Instituto Moreira Salles, um acervo digital da compositora, e o lançaram nas cidades do Rio de Janeiro, Brasília e encerraram em São Paulo.

Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha Gonzaga, nasceu no ano de 1847, filha do general do Exército Imperial Brasileiro com uma humilde negra, que passou-lhe nos genes o gosto pelos ritmos populares, entoados em rodas pelos escravos. Chiquinha frequentava os encontros destes povos e buscava inspirações para suas futuras obras. A primeira mulher a se expor tocando um instrumento e compondo canções separou-se do primeiro marido e foi impedida de criar os filhos menores, ela passou a tocar em troca do sustento do filho mais velho, o que pôde criar.

Chiquinha introduziu as mais influentes partituras no teatro brasileiro e fundou a Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais, ao todo ela compôs 77 músicas para peças. O pianista Alexandre Dias, em sua apresentação em São Paulo deixou a força de Chiquinha Gonzaga tomar-lhe no palco e interpretou uma dessas peças, tocando a introdução do primeiro ato de “Fantasia”, o que lhe rendeu ovação e muitos aplausos. Aquela interpretação foi além do que se pode emocionar, o pianista compactuou com a compositora o mesmo talento em frente a um piano, e demonstrou a afinidade com as teclas e a paixão que sente por elas.

Chiquinha Gonzaga adentrou com suas composições no Palácio do Catete, sede do Governo brasileiro no Rio de Janeiro. Ela era amiga da primeira-dama Nair de Tefé, que casou-se com o presidente Hermes da Fonseca. Chiquinha foi duramente criticada por tocar um maxixe nas dependências do Palácio, e mesmo assim tornou esplêndido diversos ritmos que fizeram sucesso em seus dedos pelas teclas, as polcas, valsas, tangos, fados, lundus, quadrilhas e serenatas, além do choro, que marcou sua carreira a intitulando como primeira chorona brasileira. As canções “Linda Morena” e “Carijó” foram relembradas por Alexandre Dias, com total maestria.

O pianista Wandrei Braga calou-me de emoção e deixou meus ouvidos chegarem ao piano que posto sobre o palco vazava aquela famosa composição de Chiquinha, “Lua Branca”, também trouxe ao teatro as canções divinas “Agnus Dei”, “Ave Maria” e “Prece a Nossa Senhora das Dores” em adaptações para piano solo. Os olhos de Chiquinha Gonzaga passeavam pelo palco celebrando-se no cenário ao fundo, que mostrava-nos silhuetas de partituras, frases e fotos da compositora. A polca “Atraente”, grande sucesso, contagiava-me com a vontade de sair bailando pelo teatro. O sorriso tímido de Chiquinha era quase igual a timidez de Wandrei, que cada vez que olhava para o público buscava o fôlego vivaz para mais uma canção que beijava o lindo piano.

Ninguém jamais me fará tirar da cabeça que o piano é o mais lindo entre os instrumentos, ele é a regência de vorazes orquestras e o coração destes dois pianistas, Alexandre Dias e Wandrei Braga, que deram mais uma vez os merecidos aplausos e méritos a Chiquinha Gonzaga. Ontem (17) o suntuoso Teatro Humboldt estava vazio, mas ganhou as poltronas com cada nota que corria as fileiras. É uma pena que a cultura ainda atinja poucos, e a informação sobre estes eventos não seja valorizada. Os ingressos não custavam mais do que 10 reais, além disso um quilo de alimento substituía o valor.

O acervo digital, reunido pelos pianistas e o Instituto Moreira Salles, está livre para acesso e nele encontram-se as obras inteiras da compositora que estreou a música popular brasileira, no site www.chiquinhagonzaga.com.br. O projeto é incentivado pelo Ministério da Cultura e patrocinado pela Natura. Espero sempre os encontrar por todo canto, espelhando a musicalidade popular de Chiquinha Gonzaga e sua genial maestria de fazer música, regendo-se pelos galãs dedos de Alexandre e Wandrei. Assim como ela entrou pra história, os dois continuam tecendo-a e fazendo-a.

2 comentários:

  1. Bela crítica !!!

    Conseguiu traduzir de forma simples e profunda, detalhes sobre esse grande espetáculo de música e bom som.

    Parabéns !!!

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  2. Triste... eu não ter conseguido ir...

    Queria muito ter visto as notas correndo as fileiras...

    Parabéns pelo espetáculo!!!

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