segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

“Hécuba”, em cartaz no Teatro Vivo


Mais um espetáculo de Gabriel Villela está em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo. Sem perder sua digital sensível ao visual cenográfico do espetáculo, o diretor parece copiar seus próprios aspectos em tudo que monta. Seus guarda-chuvas continuam a compor as cenas, mesmo que desnecessários. Walderez de Barros é a Hécuba, de Eurípides, num texto firme, triste, sóbrio e apreensivo.

Mesmo com tantas cores no palco, o texto de Eurípides desabrocha uma tragédia grega, um confronto troiano. Hécuba, a rainha de Troia, alimenta-se do rancor pela morte de seus dois filhos, Polixena e Polidoro. Com a ajuda das troianas, Hécuba vinga-se do Quersoneso Trácio, que encomendou o corpo de suas proles. O texto tenta passar alguma mensagem, mas sua adaptação torna isso quase que insuficiente, o confronto liderado pelas histórias dos reinos, contadas no roteiro, recobrem qualquer mensagem, que não seja a da vingança. Com o texto que lhe foi entregue, Walderez interpreta como um furacão a rainha Hécuba, ela desenha uma cena intensa, um olhar voraz e surpreende com um timbre incrível. No elenco também estão Fernando Neves, Flávio Tolezani, Nábia Vilela, Luiz Araújo, Luisa Renaux, Leonardo Diniz, Marcelo Boffat e Rogério Romera, escondidos por detrás de máscaras e da atuação de Walderez.

A iluminação de Miló Martins é um traço forte que compõe o espetáculo, estando muito bem desenhada. O figurino é um grande baile de cores, de tecidos bem cortados, mas perde-se do contexto do texto e de uma atração para a nacionalidade brasileira. Um rainha, sem traços de rainha, com a dureza selvagem, mas que é característica do texto, porém um cajado cravado de pequenos búzios, em plena Troia? A dor da rainha troiana é um reflexo muito similar aos fatos atuais, mas o espetáculo tem um corte muito brusco para ser realizado em sessenta minutos. Ou o espetáculo é sóbrio, ou ele é colorido, transitar pelos dois numa tragédia é como pintar de roxo o cavalo de Napoleão. No texto de Eurípides, Hécuba é uma mulher sã e rica, na adaptação de Vilela, não há essa passagem. Ela já assume o palco com a face entristecida. O texto teatral tem que resumir-se e contar sua história, e não fazer o público buscá-la em complementos após sair do espetáculo, isso é lição de casa.

O cenário assinado por Márcio Vinícius é um belo acerto, ele consegue valorizar a cena e acompanhar o brilho da luz. Os adereços revivem bem as arenas dionisíacas, quando falamos de máscaras, mas o closet de Villela cai novamente sobre outro espetáculo seu, e coloca nas mãos de atores guarda-chuvas que não se encaixam em nenhum sentido, nem mesmo cênico. Ainda não consegui entender o porquê de tantos guarda-chuvas em seus espetáculos. As músicas entoadas pelos atores são um retrato épico, mas caem novamente em sua mesma característica de carimbar sempre a mesma digital em diversos espetáculos. Uma direção precisa ser mutável, na medida em que o espetáculo muda de roteiro, ou então, é melhor manter o mesmo texto por anos em cartaz.

O Teatro Vivo, mais uma vez, recebe uma encenação clássica, e desta forma segue sua linha curatorial, descartando qualquer forma mais burlesca e alternativa de roteiro e mantém-se num cordel contínuo de espetáculos, evidenciando um elitismo cultural, mesmo com oportunidades apresentadas pelo programa de cultura da empresa de telefonia móvel, o Vivo Encena, é preciso abrir os camarins para uma transformação daquele palco. O teatro precisa ser mutável, mantendo-se em sua essência de transmitir cultura, humor e entretenimento. Essa não é uma característica exclusiva do Teatro Vivo, este é um conceito que tomou conta das curadorias teatrais. Os palcos são entradas para toda a manifestação cultural, desejável a grande parte da sociedade, não apenas as seletivas clássicas, ou ao humor que se faz na televisão e transfigura-se em stand up nos palcos, como tem feito o Teatro Frei Caneca. O Vivo é o teatro mais bem preparado do Brasil, com o devido acesso para deficientes auditivos, visuais e motores. Colaboradores voluntários da Vivo dão aos espectadores com deficiência visual informações referentes a todo o meio cênico do espetáculo, assim como interpretações em libras e legendas, para deficientes auditivos.

“Hécuba” estará em cartaz durante todo o mês de janeiro do próximo ano no Teatro Vivo, em São Paulo. Os ingressos podem ser comprados na bilheteria do teatro, ou pelo Ingresso Rápido, na internet. Sextas às 21h30 e domingo às 20h, ao valor de R$ 40,0, e aos sábados às 21h, sob o valor de R$ 60,0.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Fernanda Montenegro vive cartas de Simone de Beauvoir em “Viver Sem Tempos Mortos”


Um doce, ácido, cálido e voraz encontro com Simone de Beauvoir está na voz e no olhar de Fernanda Montenegro, em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. Dirigida pelo ímpar Felipe Hirsch, Fernanda volta aos palcos interpretando uma gama muito bem selecionada de cartas de Simone para Jean-Paul Sartre.

O texto é sustentado por cartas e a autobiografia de Simone de Beauvoir, pesquisa e compilação realizada por Newton Goldman, que leva ao palco uma tradução resumida de uma das pensadoras mais influentes do século XX. Juntar grande parte da obra de Simone já é algo muito complexo, por exemplo, a escritora compôs seis volumes de autobiografias, além de infinitas cartas, algumas destas remontam a intensa vida dela, desta vez vivida pela dama do teatro, Fernanda Montenegro.

Fernanda faz teatro com um brilho especial nos olhos, é possível visualizar a personagem através de seu olhar, que penetra a cada um na plateia e remonta o roteiro com sua marcante voz. Eu só compararia a voz de Fernanda com um daqueles bons perfumes franceses, que marcam o cheiro por vários dias em um tecido. Ela doma um dos mais belos timbres que refinam um texto e que toma vorazmente conta do teatro para explanar cartas que falam de amor, de sexo, que revelam a audácia de Simone e a energia que a caracterizava um trator do pensamento.

As correspondências trocadas entre Simone e Sartre, seu grande amor, era o maior treinamento de sentimentos e ideais que a pensadora praticava. A direção de Felipe Hirsch é um pergaminho que vai se desenrolando com cautela no palco, e fazendo de uma arena sóbria o calor de cada carta interpretada pela atriz. Sua interpretação é uma memória póstuma, uma pitada brutal de concentração, um saboroso roteiro gozado por palavras lindas e parafraseadas pelo comportamento de Fernanda, que permanece o espetáculo inteiro sobre uma cadeira ao centro do palco, enquanto é banhada por um feixe de luz, desenhado por Beto Bruel, enquanto a impecável produção fica por conta de Carmem Mello e realização da Trigonos Produções Culturais.

A voz aveludada de Fernanda Montenegro vai interrompendo o silêncio à medida que casa-se com ele, e assim a história de Simone torna-se teatral. Ainda assim, senti falta de algumas das frases de Simone feitas no Brasil, enquanto a pensadora hospedava-se no Recife, sofrendo com o calor, e amando Nelson Algren, um escritor norte-americano pelo qual apaixonou-se após romper com Sartre. Aqui no Brasil, Simone e Sartre vieram para participar de um Congresso de Crítica e Literatura, o grupo, que ainda contava com Camus, era chamado de existencialista, pela maneira particular e contraditória a muitos costumes da época. Alberto Ribeiro e João de Barro retrataram este estilo de vida e reflexo ao que vemos de fora com a marchinha “Chiquita Bacana”, que foi um sucesso, menos aos ouvidos de Simone. Enquanto o Congresso acontecia, o Brasil suava com a derrota do Santos, de Pelé, para o Ferroviário, de 4x0.

Daniela Thomas é responsável pela direção de arte do espetáculo “Viver Sem Tempos Mortos”, que volta com mais valorização da atriz sobre o palco, com uma interpretação típica de sua experiência teatral. Fernanda veste-se sóbria, mantém o público voltado a cada palavra bem contada do texto, e reconta essa impecável história deixando exposto o eterno amor de Simone para Sartre e sua aventura em vida. O mais espetacular é que Fernanda não se descreve Simone de Beauvoir, ela é a atriz que interpreta a intensidade.

O espetáculo esta em curta temporada no Teatro Raul Cortez, na Fecomércio, em São Paulo, até o dia 11 de dezembro, com apresentações extras nos dias 1 e 8/12, 21h30, ao valor de R$ 80,0. Sextas às 21h30, domingo 18h, com os ingressos por R$ 80,0. E aos sábados às 21h00, e os ingressos por R$ 100,0.