sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Fernanda Montenegro vive cartas de Simone de Beauvoir em “Viver Sem Tempos Mortos”


Um doce, ácido, cálido e voraz encontro com Simone de Beauvoir está na voz e no olhar de Fernanda Montenegro, em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. Dirigida pelo ímpar Felipe Hirsch, Fernanda volta aos palcos interpretando uma gama muito bem selecionada de cartas de Simone para Jean-Paul Sartre.

O texto é sustentado por cartas e a autobiografia de Simone de Beauvoir, pesquisa e compilação realizada por Newton Goldman, que leva ao palco uma tradução resumida de uma das pensadoras mais influentes do século XX. Juntar grande parte da obra de Simone já é algo muito complexo, por exemplo, a escritora compôs seis volumes de autobiografias, além de infinitas cartas, algumas destas remontam a intensa vida dela, desta vez vivida pela dama do teatro, Fernanda Montenegro.

Fernanda faz teatro com um brilho especial nos olhos, é possível visualizar a personagem através de seu olhar, que penetra a cada um na plateia e remonta o roteiro com sua marcante voz. Eu só compararia a voz de Fernanda com um daqueles bons perfumes franceses, que marcam o cheiro por vários dias em um tecido. Ela doma um dos mais belos timbres que refinam um texto e que toma vorazmente conta do teatro para explanar cartas que falam de amor, de sexo, que revelam a audácia de Simone e a energia que a caracterizava um trator do pensamento.

As correspondências trocadas entre Simone e Sartre, seu grande amor, era o maior treinamento de sentimentos e ideais que a pensadora praticava. A direção de Felipe Hirsch é um pergaminho que vai se desenrolando com cautela no palco, e fazendo de uma arena sóbria o calor de cada carta interpretada pela atriz. Sua interpretação é uma memória póstuma, uma pitada brutal de concentração, um saboroso roteiro gozado por palavras lindas e parafraseadas pelo comportamento de Fernanda, que permanece o espetáculo inteiro sobre uma cadeira ao centro do palco, enquanto é banhada por um feixe de luz, desenhado por Beto Bruel, enquanto a impecável produção fica por conta de Carmem Mello e realização da Trigonos Produções Culturais.

A voz aveludada de Fernanda Montenegro vai interrompendo o silêncio à medida que casa-se com ele, e assim a história de Simone torna-se teatral. Ainda assim, senti falta de algumas das frases de Simone feitas no Brasil, enquanto a pensadora hospedava-se no Recife, sofrendo com o calor, e amando Nelson Algren, um escritor norte-americano pelo qual apaixonou-se após romper com Sartre. Aqui no Brasil, Simone e Sartre vieram para participar de um Congresso de Crítica e Literatura, o grupo, que ainda contava com Camus, era chamado de existencialista, pela maneira particular e contraditória a muitos costumes da época. Alberto Ribeiro e João de Barro retrataram este estilo de vida e reflexo ao que vemos de fora com a marchinha “Chiquita Bacana”, que foi um sucesso, menos aos ouvidos de Simone. Enquanto o Congresso acontecia, o Brasil suava com a derrota do Santos, de Pelé, para o Ferroviário, de 4x0.

Daniela Thomas é responsável pela direção de arte do espetáculo “Viver Sem Tempos Mortos”, que volta com mais valorização da atriz sobre o palco, com uma interpretação típica de sua experiência teatral. Fernanda veste-se sóbria, mantém o público voltado a cada palavra bem contada do texto, e reconta essa impecável história deixando exposto o eterno amor de Simone para Sartre e sua aventura em vida. O mais espetacular é que Fernanda não se descreve Simone de Beauvoir, ela é a atriz que interpreta a intensidade.

O espetáculo esta em curta temporada no Teatro Raul Cortez, na Fecomércio, em São Paulo, até o dia 11 de dezembro, com apresentações extras nos dias 1 e 8/12, 21h30, ao valor de R$ 80,0. Sextas às 21h30, domingo 18h, com os ingressos por R$ 80,0. E aos sábados às 21h00, e os ingressos por R$ 100,0.

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