quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Entre festa e baixaria, o carnaval se consagra nos quatro cantos do Brasil


O carnaval no Brasil manteve seus constantes e brilhantes personagens, apresentou a imponência das escolas de samba, no Rio e em São Paulo, arrastou milhares de pessoas atrás dos trios elétricos em Salvador, fez brincadeira com os bonecos de Olinda e agitou a Praça do Marco Zero no Recife. Mas, foi em São Paulo que o carnaval teve seu desfeche trágico e em busca do que é justo, como os finais de contos shakespearianos.

Apesar de não termos mais os vibrantes bailinhos de carnaval, os blocos cariocas ainda persistem e carregam inúmeros foliões pela Avenida Rio Branco, inclusive, um deles, o Cacique de Ramos, foi homenageado com esplendor pela Mangueira, com a histórica parada de três minutos da bateria, com um dos mais exuberantes enredos deste ano, puxado por Alcione. A Portela também estendeu novamente seu tradicional azul e branco pela Sapucaí, e entregou a Unidos da Tijuca a responsabilidade de, no dia seguinte, fazer um carnaval impecável, e o fez.

O Recife não deixou por menos, e lotou a Praça do Marco Zero, ao som de Beth Carvalho, Lenine, Lulu Santos, Elba Ramalho, e tantos outros, em homenagem ao histórico Alceu Valença. Elevou-se a temperatura e cravou na história mais um brilhante carnaval. Enquanto Salvador coroava novamente a eterna rainha do carnaval baiano, Daniela Mercury, que esbanjou voz pelos circuitos e reverenciou Jorge Amado e Luiz Gonzaga, com uma homenagem primorosa. Ivete Sangalo, detonou, evidentemente no bom sentido, entre a Barra, Ondina, e Campo Grande. A cantora mais popular do Brasil mais uma vez emplacou seus sucessos e levantou Salvador. Entre atabaques e o maior coral, com, ou sem abadá, o carnaval mais agitado do mundo coloriu a beira mar de todas as culturas.

As ladeiras de Olinda receberam as cores dos bonecos gigantes e impecavelmente esculpidos. O Galo da Madrugada no Recife, e o Homem da Meia-Noite em Olinda traduzem com força a cultura brasileira. Em Manaus, a festa do boi garantiu a noitada carnavalesca dos amazonenses, e colocou na avenida o batuque do boi-bumbá, além das escolas de samba locais.

Em São Paulo a passarela do samba, no Anhembi, deu um show de desfile, com destaque as tradicionais escolas de samba da cidade, que envaideceram a pauliceia, com as mulheres da Vai-Vai, a baianidade de Jorge Amado, na Mocidade, além da Mancha Verde, a Gaviões da Fiel e o tropicalismo homenageado pela Águia de Ouro. A comparação entre os carnavais paulista e carioca é estupidamente insistida por muitos que se arriscam a dar ignorantes pitacos, é preciso compreender que cada cidade tem sua identidade, seus registros históricos e a criatividade que lhes é permitida colocar na avenida. Enquanto o povo não for carnavalesco, não compreenderei essa insistente comparação. Mas caio na voz do povo, quando ouço coisas que tenho que concordar, ao ver “estrelas” arrastando os pés, ao invés de sambar, enfeitando o lugar de madrinhas e rainhas de bateria. Ana Furtado à frente da bateria da Grande Rio, é como ver um escandaloso quadro falso de Tarsila do Amaral.

Durante a apuração de notas do desfile do grupo especial de São Paulo os ânimos se exaltaram e o mais temido aconteceu, a revolta entre os dirigentes das escolas, a torcida e a liga de escolas. Há anos é possível notar a inexperiência dos jurados, que entre o Rio e São Paulo julgam os desfiles das escolas, e distribuem notas irreais, sabe-se lá pela ignorância, ou mesmo uma “além crítica”. No julgamento dos desfiles das duas capitais é possível distribuir notas contando por décimos, porém, eu gostaria muito de entender como é possível a nota 9.9 em uma alegoria, ou fantasia, ou qualquer outro quesito, principalmente bateria. O que significa este um décimo que não pôde ser dado? Será algum botão que caiu de alguma fantasia e um dos “olhos biônicos” dos jurados conseguiu enxergar?

No último quesito, que julgaria Comissão de Frente, Tiago Faria, um dos diretores da Império de Casa Verde, avançou sobre a mesa onde eram cantadas as notas e rasgou os envelopes que estavam sendo lidos, além disso, outros integrantes de outras escolas jogou para o alto outros envelopes e clamaram por justiça na apuração. Sou completamente contra qualquer espécie de violência, como a queima de carros alegóricos, pela torcida organizada da Gaviões da Fiel, e depredações, porém há tempos que a Liga das Escolas de Samba de São Paulo mostra sua ineficácia na seleção de seus jurados, que ainda não aprenderam a serem justos julgadores. Volto a dizer, sou contra o vandalismo e a violência, mas imagino quantas pessoas sentiram vontade de fazer o que Tiago fez. Não dá para entender a diferença entre notas de diferentes jurados, não dá para entender que tanta beleza posta na avenida seja depredada pelos próprios julgadores em notas tão surreais e avacalhadas.

A Mocidade Alegre, de São Paulo, terminou a confusão como campeã do carnaval, após uma longa reunião entre os presidentes das escolas de samba. A Rosas de Ouro levou o segundo lugar, com uma homenagem a Roberto Justos, que sinceramente, não entendi, acho desnecessária uma homenagem a alguém que apesar de representar com elegância a publicidade do Brasil, mas que ainda não entra como justificativa a um enredo de escola de samba. É neste instante que o Rio de Janeiro saí a frente, com sua tradição em sambas-enredo. O desfile foi impecável, mas o tema inexplicável, mesmo que tentem me explicar, nego-me a aceitar uma homenagem ao Justos (nada contra ele).

Salvador, que enfrentou uma greve de policiais militares, resultada pelo réles governo do estado, abençoou os circuitos com o afoxé do Ilê Ayê e os Filhos de Gandhi, para trazerem as estrelas baianas que banham a cultura do País. Parabéns a Olinda e ao Recife, que emplacam anualmente sua tradição mais linda. O Rio de Janeiro, que escolherá nesta quarta (22) a campeã, ainda traz o melhor do samba na avenida e rebuscou a Mangueira e a Portela de todos os tempos. São Paulo, o samba, sem dúvidas, está no coração desta cidade, é uma pena que ainda falta chegar à inteligência de uma Liga que elege uma mesma presidência de escolas, para presidir sua comitiva, e que ainda não aprenderam a organizar um carnaval à altura do trabalho das comunidades que derramam lágrimas e samba no pé na avenida. Não acho que as escolas de samba “não sabem perder”, como disse o presidente da Liga, Paulo Sérgio Ferreira, que também preside a escola Unidos de Vila Maria. Eu tenho certeza que as escolas sabem ganhar, pois diariamente vencem em seus barracões apertados, sob o risco de perderem suas alegorias em incêndios e enchentes, onde não há a mínima preocupação da fanha prefeitura do município. O maior teatro do mundo chama-se carnaval, e o governo ainda não quis enxergar isso, nem quem o “organiza”, pois as preocupações andam girando em torno de outros lucros.

Créditos das fotos: TV Globo (Tiago Faria) / Vanderlei Almeida-G1 (Carro Cacique de Ramos da Mangueira / João Carlos Mazella-Agência Estado (Galo da Madrugada) / Flavio Morais-G1 (Mestre-Sala e Porta-Bandeira da Vai-Vai) / Fábio Cerati (Trio elétrico de Daniela Mercury)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Paulinho da Viola recorda seus sambas no Sesc Pinheiros, em SP


O instrumentista e compositor, Paulinho da Viola, apresentou-se na semana passada no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, e recordou com maestria seus primorosos sucessos. Não ficaram de fora canções como “Dança da Solidão”, “Timoneiro” e “Brancas e Pretas”, que tomaram logo conta da lembrança de todos.

Com a casa cheia e arranjos contagiantes e emocionantes, Paulinho abriu os trabalhos ao lado dos músicos Cristóvão Bastos (piano), Dininho Silva (baixo), Celsinho Silva (pandeiro), Mário Sève (sopros), Hércules (bateria) e João Rabello (violão). O cantor embala o ritmo do samba em todas as épocas de sua vasta carreira e mantém-se um mensurável contador de histórias.

Há um bom tempo eu não assistia Paulinho da Viola em seu habitat mais confortável, que é o palco da música. Desde o festival Heineken Concerts eu não ouvia tanto samba sabiamente compostos por ele e amigos e delicadamente concertados por uma esfuziante orquestra do samba. O show varia entre chorinhos, sambas de roda e os embalos de sua famosa viola, elegantemente empunhada em seus braços que a tocam em todo o espetáculo.

O Sesc sempre apresenta valiosos espetáculos em seus palcos, e desta vez permitiu-nos anotar aos ouvidos um samba de um elegante vascaíno, que faz música aos prantos do samba triste à alegria das batucadas. Devido à grande procura por ingressos, o Sesc Pinheiros abriu sessões extras, com apresentações de Paulinho entre os dias 17 à 19 de fevereiro, com um valor super acessível, mais ainda para credenciados na rede do Sesc. Foto: Divulgação

Cauby Peixoto, personagem da famosa Ipiranga com São João


O eterno professor está de volta ao intimista e boêmio palco do Bar Brahma, que encontra as mais famosas avenidas de São Paulo, reverenciadas por Caetano Veloso, em Sampa. O casamento de Cauby Peixoto com o Bar Brahma já vem de longas datas, o intérprete da voz mais aveludada da música brasileira passeia por sucessos eternizados em seu timbre marcante e toca com nostalgia o seu público.

Em meio a “Conceição”, “New York, New York” e “Hey Jude”, Cauby recorre aos escritos em sua frente para não errar nenhuma palavra de canções, em que ousa remontar sob sua voz, e ele sabe como fazer isso. A idade já não lhe permite prolongar tanto as músicas, nem explorar demais as partituras, porém lhe faz retratar o sentimento mais belo, símbolo da história da música brasileira, o amor que Cauby Peixoto tem pelo que faz.

Cauby é o ícone máximo de musicalidade, ele era chamado de Elvis Presley brasileiro, ele foi um dos ídolos de Roberto Carlos, antes de ser o grande sucesso que é, ele foi e ainda é o galã de suas fãs, que ainda o ovacionam e emitem palavras de carinho e saudades daquela juventude, onde fazer rock era uma arte. Nesta última segunda-feira, a atriz Marlene Silva abrilhantou o Salão Nobre do Bar Brahma com sua presença, e foi galanteada por Cauby com a composição de Tom e Vinícius, “Se Todos Fossem Iguais a Você”.

A banda acompanha o Professor com um compasso dirigido por sua intensa voz, Cauby brinca no show, permite ao maestro cantar “Madalena”, de Ivan Lins, e do mesmo compositor marca seu timbre em “Lembra de Mim”. Cauby causa-me emoção sempre que o ouço, seu olhar é um caso de amor com a interpretação das canções, eu calo-me e deixo de lado qualquer coisa para notar sua técnica vocal, seu perspicaz acompanhamento com as notas e seus suntuosos cortes de paletós.

É uma pena ter que deixar brevemente de lado meus sinceros elogios à Cauby, para dialogar sobre a péssima postura que parte do público tem em diversos shows. Eu não entendo porque as pessoas pagam para assistir uma mostra musical e sentam para conversar, enquanto o cantor exerce com sensibilidade o seu ofício. Será que ainda estamos na época das boates dos centros das cidades, onde futuros grandes nomes da música cantavam para o barulho dos “espectadores”? Show é para se apreciar, para perceber a notável interpretação do artista, para ouvir num todo tudo aquilo que vem do palco. Se for para conversar é mais interessante e respeitoso nem sair de casa. Eu tive vergonha pelos falastrões que estavam presentes no espetáculo, pois é preciso ter um pouquinho só de senso capaz de fazer qualquer público calar-se diante de uma canção, delicadamente entoada por um intérprete do quilate de Cauby Peixoto. Em shows, falem bem mais baixo, não falem nada. Aplaudam, é isso que um artista merece.

O Bar Brahma possuí uma das melhores recepções de espetáculos em São Paulo, sua arquitetura preservada consolida diversos ambientes com atrações simultâneas e de perceptível qualidade. A esquina mais famosa da capital paulista recebe novamente, aos brindes de um delicioso chopp e ótimos petiscos, o homem da voz de ouro, o personagem de discos e CDs com um dos mais lindos repertórios da história, Cauby Peixoto.

Nesta segunda-feira, Cauby me fez recordar de um outro show em que cantava canções de Roberto Carlos, dias após o seu lançamento do memorável álbum “Cauby Canta Roberto”, e que recebi com a elegante assinatura do Professor estampada por seu autógrafo na capa. Nesta ocasião, assim como hoje, Cauby interpretou a canção “Desabafo”, que em sua passagem no Bar Brahma tive a oportunidade de cantar versos dessa sublime composição ao lado dele, e foi este episódio que inspirou-me a embarcar num projeto que será dedicado por mim ao Cauby, e que brevemente será divulgado. Quem vê e ouve o Professor, jamais permitirá que os ouvidos esqueçam de sua voz.

Cauby Peixoto está no Bar Brahma, em São Paulo, todas as segundas-feiras, às 22h30. O couvert artístico custa R$ 78,0 e é recomendável que seja feita a reserva. O artista Luiz Maurício fica por conta de entreter o público com seu famoso boneco e sua caracterização impecável dublando e fazendo o cover de Cauby, antes do astro subir ao palco. Fotos: Ricardo Sorrentino