Na verdade Ana nunca saiu dos palcos, desde que nele subiu. Ainda em Juiz de Fora, cidade Mineira, onde a artista nasceu já apresentava-se em bares com repertórios que chegavam a trezentas músicas memorizadas, dentre elas composições de Tom Jobim, Chico Buarque, Ary Barroso e Caetano Veloso. Ana Carolina desembarcava na porta dos bares, em que se apresentava, com microfones, caixas de som e instrumentos para montar o início de sua gloriosa carreira. Atualmente a cantora interpreta o álbum “Ensaio de Cores”, arranjado no palco por três lindas mulheres e dedilhado por ela e solfejado por sua grave e marcante voz.
Ana Carolina esteve em São Paulo desde a última sexta-feira, e apresentou-se até o domingo no HSBC Brasil, casa de amplo conforto e muito bem quista dentre os artistas. No foyer da casa já é possível entrar no clima do espetáculo, que vai além de um show. A cantora revela-se uma sensível artista plástica e expõe quadros assinados por ela e que exibem o interior poético de uma mulher que parece ter um mundo de mulheres dentro de si. As telas são vendidas e parte da verba é revertida para a Associação de Diabetes Juvenil, Ana é diabética e chegou a sofrer preconceito com isso. O show foi ovacionado a cada intervalo de uma música para outra, seu fã clube é um dos mais fervorosos dentre todos os artistas.
Em “Ensaio de Cores” a iluminação é um espetáculo a parte, fazendo jus ao título do show. O tom azul rabisca o palco e reluz sua guitarra azul à entrada do saboroso som de “Rai das Cores”, de Caetano Veloso. A canção é um jogral entre cores e elementos, objetos e sentidos, enquanto Ana bate os dedos na guitarra, como se tocasse um violão na calmaria de sua casa. Ana está para o baixo e a guitarra, assim como João Gilberto está para o violão. Alguns de seus sucessos, que estão, ou não no álbum são divididos entre a contralto e o público, e um belo acústico, tirado no baixo, de “Azul”, letra de Djavan, é regravado e interpretado por Ana Carolina. Dois potpourri estendem o timbre da cantora, um deles incluí “Feriado”, de Chico César, “O amor é um rock”, de Tom Zé, e o sucesso sertanejo “Entre Tapas e Beijos”, de Nilton Lamas e Antônio Bueno, que sobrepõe novos e promissores sucessos, já cantados pelo público presente, além de “Claridade”, letra de Ana Carolina e Ale Ferreira, “Só fala em mim”, também dela, do amigo Totonho Villeroy e Celso Fonseca, e “Pra Rua me Levar”, de Ana e Villeroy, são arranjados e cantados no mesmo tom.
O som acústico de “Ensaio de Cores” pincela as teclas do piano de Délia Fischer, e seus louros encaracolados que acompanham a leitura de uma envolvente partitura. Gretel Paganini rege lindamente um violoncello, que empunha em seus braços como um artista ama o quadro preso ao cavalete. Na percussão, bateria e tirando sons de garrafas e latas, Lan Lan, uma personagem em êxtase, com performances e a força alternada em bruta e sensível. Os cabelos curtos lhe dão a leveza feminina no palco, e a maquiagem que lhe rabisca os olhos ameaça um olhar efusivo. Como dizem os baianos, e eu farei uso da frase, Lan Lan é virada na por...(melhor não completar a palavra). As três também soltam a voz, completando um encontro com Ana, além de juntarem-se, cada uma com um violão para despejar espetacularmente as notas de “O Violão”. O que mais me vem a mente quando falo de “Ensaio de Cores” é a música de Lenine e Carlos Rennó, “Todas Elas Juntas Num Só Ser”, que relembra os nomes de todas as mulheres inspiradas em músicas de memoráveis compositores, e também da frase de Tom Zé em sua música, dizendo que “o amor é um rock e a personalidade dele é um pagode”.
Ana Carolina é uma explosão de cores, contornada por um repertório capaz lhe encabeçar mais um álbum de sucesso. “Força Estranha”, de Caetano Veloso, “Simplesmente Aconteceu”, de Chiara Civello, “Problemas”, também de Chiara, Ana e Dudu Falcão compõe a playlist do show e do álbum, lançado no ano passado, junto a uma luxuosa versão em vinil. No palco há uma bela projeção de imagens, de seus próprios quadros, Grima Grimaldi foi quem produziu os vídeos, enquanto Hélio Eichbauer desenhou as esculturas que molduram o cenário.
A carreira de Ana Carolina estourou de uma maneira rápida, pela evidência de seu talento que caiu nas graças do público. A cantora surpreendeu-se com a vendagem de seu primeiro álbum, de início foram 125 mil. Deste, Ana foi parar nas primeiras posições de vendagem na produção de outros álbuns, e recebeu prêmios de platina e diamante. Quando ia ao Rio de Janeiro hospedava-se na casa de sua amiga Cássia Eller, e foi por lá que sua carreira decolou. Em Juiz de Fora ela tentou estudar Letras, mas não concluiu o curso. A mãe era cantora de rádio e este era o objeto mais valioso que elas tinham em casa. Ana não conheceu o pai, que mantinha um relacionamento paralelo com sua mãe, e foi assim que ela nasceu. A irmã, por parte de pai, a reconheceu pelas aparências, quando tomou em mãos um CD de Ana que encontrou numa loja de discos, e foi assim que estreitaram um relacionamento entre a família do pai, que já é falecido.
A cantora desde jovem declarou-se bissexual, e arrasta para seus shows um mundo de meninas assumidas, ou não, que por horas sentem a liberdade de expressar seus direitos e manterem um elo visível entre público e artista. O carinho de Ana está para a música e para o público. Quando estava prestes a assinar um contrato para cantar em Roma, o italiano Máximo Pratesi desistiu da contratação, quando soube que Ana era diabética. Sua desistência só serviu de impulso para patentearmos o sucesso de uma das mais importantes revelações da música popular brasileira, que hoje é uma das vozes mais ouvidas em todos os cantos. Em Belo Horizonte, em uma de suas apresentações, ela conheceu Antônio Villeroy, de quem tornou-se amiga e recebeu o sucesso “Garganta”, também presente no show “Ensaio de Cores”. Ao lado de Seu Jorge, também estreou um de seus mais bem dirigidos shows e ainda é a voz de novas composições que emplacam-se em seu intenso timbre, que passeia pelo samba, pelo tango, pelo romântico e as baladas.
Ana é uma das mais versáteis artistas e incansáveis da música, ela não para de produzir, faz-se grande ao lado de nobres duetos, como já esteve ao lado de Maria Bethânia, Chico Buarque e Roberto Carlos. Sua influência musical vai desde a estes aos internacionais Björk, Nina Simone e Alanis Morissette. Ana Carolina é quase uma maestrina, onde os instrumentos que domina parecem namorar as mãos da cantora, como o pandeiro, feito com couro de cabrito e casado com sua batida exibem um som impecável e dançante. Compositora, cantora e produtora ainda é conversa fiada, no sentido de serem apenas palavras rasas, pois Ana Carolina é a música viva, em tom, sentido e irreverência.
Sua agenda incluí Belo Horizonte como próxima parada. No HSBC Brasil as próximas atrações abrem cortinas para Roberta Sá, Nana Caymmi, Dinho Ouro Preto e Zélia Duncan, Lulu Santos, Mart’nália, Gal Costa e Diogo Nogueira.
Os fãs de Ana não descobriram o post.
ResponderExcluir