sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Andrea Bocelli faz único show debaixo de chuva em São Paulo


A Osesp, Orquestra Sinfônica de São Paulo, afinava seus instrumentos e riscava as cerdas dos violinos, regidos ao primeiro-violino de Anca Gravis, enquanto sopros e rufos ungiam à voz de um jovem tenor que levantava o público que via ir longe, no Jockey Club de São Paulo, cantando o Hino Nacional do Brasil, de forma a arrepiar aos toques das gotas que o céu derrubava na plateia. O show, que aconteceu ontem (13) parecia seguir impecável, quando a cantora brasileira Sandy embalou três canções ao lado do tenor mais famoso do mundo, Andrea Bocelli, elevando o show a um tom irretocável.

Os grandes sucessos da música clássica passaram pelo palco com Bocelli e aquela abastada orquestra, junto a um coral afinadíssimo, levitaram a voz do tenor por onde cavalos e batem suas patas. O cenário paulistano acendia suas luzes à volta do espetáculo, nas margens do Pinheiros e reluzia o brilho da flauta transversal de Andrea Bocelli que solfejava “Ave Maria”, num arranjo emocionante, que confundia gotas de chuva às lágrimas.

“A Traviata” anunciava-se pela finessi das sopranos e equalizava o som que escapava do tom do público. Andrea Bocelli consegue levar a música clássica ao mundo como se fosse a coisa mais natural e rotineira que ouvimos.

Andrea Bocelli nasceu em Lajatico, na Itália, e de berço foi premiado com o gogó cristalizado dos italianos. Os evidentes problemas de visão o perseguiram por toda a infância, e Bocelli recebeu o diagnóstico do glaucoma. Aos doze anos, enquanto jogava futebol, levou uma pancada na cabeça e perdeu completamente a visão. A única coisa que o consolava era a música.

Com seis anos começou a aprender a tocar piano, flauta, saxofone, trompete, harpa, violão e bateria, e tudo isso o levaria para o auge em alguns anos. Na igreja ele tocava órgão, aos doze anos, quando perdeu a visão, ganhou o primeiro prêmio musical. Na Universidade de Pisa formou-se em Direito, mas o canto o seduziu com ternura. Bocelli arriscou as óperas, passeou por renomados compositores, cantou ao Papa João Paulo II e foi recebido com honra pelo mundo inteiro, cadenciando a música clássica ao gosto de diversos públicos.
No ano passado Bocelli lançou o DVD do show que realizou no Central Park, em Nova Iorque, na ocasião a chuva também deu as caras. Acho, inclusive, que o tenor é “cabeça de chuva”, a chuva grossa começou a penetrar o show e a voz de Andrea Bocelli parecia aquecer ainda mais ao vento que soprava pelos campos do Jockey. O Brasil o ama e acho que ele ainda nos deve a gravação de um DVD por aqui.

É interessante como a perda da visão não tira-lhe o equilíbrio no palco, Andrea tem a direção total do show, quando sentimos sua percepção ao público e ao som que o rodeia. A canção, de fato, o envolve com um cuidado maternal e seus olhos passam a enxergar pelos ouvidos e nós pela nobreza de sua voz.

“Sole Mio” e a “Tarantella” brindavam sua italianidade, assim como “Tristeza”, o sambinha brasileiro, carimbava sua cidadania tropical. Ao lado de Sandy reafirmou sua brasilidade entoando “Garota de Ipanema”, como se fosse um tenor bossanovense. Sandy afinava a voz com uma doçura e combinava sua delicadeza ao timbre liso que dava graça feminina ao espetáculo. Andrea a carregou no colo, como se carregasse o público nas mãos.

Uma ária do “Turandot”, de Puccini exalava das batutas do maestro Solielson Goethe, findando o show, que passava o ar espetacular da harmonia dos violinos à elegante spalla Ana Gravis.

É preciso despertar ao público que frequenta shows que respeito faz-se, além da audição, à pontualidade do espetáculo. O público parecia chegar na hora que bem quisesse e perambulava pelas fileiras procurando lugares marcados enquanto o espetáculo já registrava um avanço distante do início. Comprar um ingresso no valor de 2 mil reais para assentar à área Premium do espetáculo não é o mesmo que dar-lhes a liberdade de faltar com respeito ao artista e ao público que já está acomodado, chegando com atrasos abusivos. O desrespeito acentuava-se quando os staffs insistiam em procurar estes lugares para acomodar aos retardatários. É preciso criar um modelo de respeito para que o público que não conhece uma das mais antigas invenções do mundo, o relógio, aprenda a aferir o tempo com mais sabedoria. Ir a um show não deve ser uma questão de status e liberdade de movimentação. Ir a um show deve representar respeito a música.
Chegar no horário do show não é ultrapassar o intenso trânsito de São Paulo. Chegar no horário é uma obrigação e uma questão ética. Não é preciso ser britânico, basta mostrar que o brasileiro é muito mais do que a irreverência de comprar ingressos caros, é fazê-lo ser elegante, independente de qualquer coisa.

A saída foi conturbada demais, a organização foi um tanto falha e a alimentação sem capricho, como sempre nestes shows, com preços absurdamente abusivos. Tentem respeitar mais o espaço onde a música habita? É possível, será?

O show foi uma produção da Dançar Marketing e reuniu um público numeroso em torno de um dos mais importantes artistas do mundo. A história de vida e o empenho musical de Bocelli confundem-se lindamente com o seu sucesso.

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