As aulas do professor Nestor Oliveira, no colégio público de Santo Amaro da Purificação (BA), arrastam-se nos palcos brasileiros e até na Casa do Poeta Fernando Pessoa, em Portugal. Maria Bethânia espanta as traças das arenas ávidas de poesia derramando palavras cheirando a alfazema. "Bethânia e as Palavras", que aconteceu ontem (21), no Theatro NET São Paulo, é mais uma oportunidade de conhecer o sexo entre a voz e a letra.
Quando estourava o AI-5, nos alpes de 1968, os livros de Reynaldo Jardim, queimaram no fogo da censura. "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha" é a voz de Reynaldo nas cadeiras do "Opinião", quando o Carcará da baiana gemia no Rio de Janeiro, ao substituir Nara Leão no espetáculo. Reynaldo, inquieto, argumentou em poemas todo o seu deleite à Bethânia. Poemas parafraseando um diversificado trabalho tipográfico, desobedecendo a ordem das tipografias e deixando atenta a censura, que de tão burra empastelou a poesia do velho. "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha" ganhou a nova oportunidade de lançamento, anos depois, no foyer do NET São Paulo.
Estapeando o couro do tambor, Carlos Cesar recebeu Bethânia soando para Iansã, quando os rabiscos do violão de Paulinho Dáfilin perfuravam o som. Naquele momento em diante nascia uma fera do som, igualando a música à poesia! Bethânia começou a derramar um agrupamento intelectual tão simples de chegar ao povo, e ainda tão banal por trás dos muros dos colégios. Trouxe como a voz de uma professora tudo aquilo que deveria estar numa sala de aula. Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e sua turma de heterônimos, Manuel Bandeira e Cecília Meireles estavam entre os mestres dessa classe entoados à virilidade da santamarense. "Ler poesia é como ofender o mundo", esfaqueou à voz os ouvidos que tapam-se para o poeta.
Maria Bethânia derramava poesias como se estarrecesse o chão de alfazema! Destilou o cheiro de âmbar em cada canção que arranjava espaço entre a palavra dos poetas sem melodia... encarnou a poesia cantada de Caetano, Paulinho da Viola... e deixou cegar nossos olhos com a "Romaria" de Renato Teixeira. Igualou-se a uma entidade ao sambar os pés num templo de cultura cênica!
Colheu aplausos de dondocas dos narizes empinados, que foram apenas pelo convite patrocinado e deixou na íris de todos nós um saco de lágrimas rechaçado pela poesia. Homens grandes e pequenos, com fome e empanturrados, bem vestidos e maltrapilhos... todos, sorriram e choraram como se adentrassem às palavras dos poetas. A poesia é para todos e todos quase não sabem dela! Bethânia está aí, ainda pequena para o trabalho gigante que os professores exercem em sala de aula. Bethânia está aí, enorme para a arte!
Parafraseando o poeta, "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende", sorriu em seu retiro, Guimarães Rosa. Estiveram essas e outras poesias, como gritos, como impávidos do som e da letra! Tornando, por exemplo, belo, complexo e triste a realidade da descrição em poesia do recôncavo baiano.
"Bethânia e as Palavras" é um conjunto, regido por cantora, intérprete, poeta, músicos e a macumbaria da língua portuguesa. O espetáculo é um pretexto que voltou para lançar o livro "Maria Bethânia Guerreira Guerrilha".
O espetáculo ainda será apresentado hoje (22), no Theatro NET São Paulo, mas os ingressos estão esgotados.
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