sábado, 26 de junho de 2010

“O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, no Teatro Escola Macunaíma


Foram apenas três dias de apresentação, até ontem “O Santo Inquérito” do memorável dramaturgo Dias Gomes foi encenado como poucas vezes. O Teatro Escola Macunaíma, na Barra Funda, em São Paulo, organizou um festival, onde inúmeras peças se apresentarão até o final de julho, relembrando nobres textos , e neste meio foi que o intenso roteiro de Dias Gomes ganhou emoção e cena no corpo e na voz dos novos atores.

A peça retrata a inquisição na época de 1750, tendo como cenário épico o estado da Paraíba, onde vivia a lendária Branca Dias, que até hoje não sabe-se ao certo de sua existência, portanto falemos como lenda. A jovem é daquelas que sonham em casar, e o namorado, Augusto Coutinho, já tem pra isso, a permissão de seu pai. Ela era acostumada ao contato com a natureza, vestia-se com leveza e banhava-se sempre no rio. Numa de suas perambulações pelo rio, encontra Padre Bernardo afogando-se, após virar seu barco, onde levava as esmolas da igreja num cofre, ajuda-o e o salva – com respiração boca a boca e ainda oferece sua casa pra descansar e trocar as roupas – Padre Bernardo rejeita e agradece muito pelo gesto, a toma de perguntas sobre sua fé, seus costumes e sua vida. Seu avô era Novo Cristão - Judeu convertido à força, por falta de opção, ou se convertia ou morreria. Branca era incessantemente deturpada pela Igreja, quando passa a ser perseguida pela inquisição. O visitador, que vai à cidade julgar os casos de heresia, mostra sua rigidez e mata o noivo de Branca, o pai dela permite que isso aconteça sem nenhum protesto, enquanto sua filha permanece em sua verdade, com seus costumes, não se abdicando da fé, de sua casta e de Deus, porém a inquisição era severa e cega, parecia preferir a injúria por uma fé completamente desviada do que diz a bíblia, mas era de pessoas leigas que a igreja gostava, isso fica bem claro na peça, pois Branca lia livros de poesia e lia a bíblia em português, quando o latim era o idioma oficial da igreja para manter a ignorância de seus fiéis. Padre Bernardo vê-se envolto pela sedução, imagina-se nas circunstâncias mais íntimas com a moça e a culpa deste estímulo que o circulava afastando-a da forma que a igreja oferecia, ele a denúncia para a igreja que a julga, persistindo na presença do demônio em seu corpo, na sedução em seus atos, Branca Dias é queimada na fogueira.

A direção é de Márcia Azevedo e assistência de Márcio Rocha, o elenco de 17 atores se reveza até que todos participem dos mesmos personagens, por vezes há dois atores contracenando o mesmo personagem. As trocas de roupa são feitas no próprio palco, Branca de vestido, os guardas oficiais e toda entidade religiosa com suas batinas, tudo feito em frente ao público, divido em cadeiras na esquerda e na direita, tendo ao centro o palco, como uma arena. A iluminação ficou a desejar, faltou sensibilidade técnica e artística, quando não há cenografia, precisa-se manter um bom equipamento de luz e ensaios para passagens de iluminação, as entradas dos feixes eram muito secas, logo a luz explodia ao palco, quando deveria vir com leveza. O tom quente da luz dava o clímax à peça, mas esse foi o único acerto técnico do espetáculo.

Falar de humanismo numa peça requer inúmeros cuidados, mesmo tratando-se de atores de oficina, bem como entonação vocal, o que ainda precisa ser mais cobrado destes, na época, em que a história é passada, os corredores frios e as salas de julgamentos ecoavam a voz divina e ríspida dos guardas, os bispos tinham a face sisuda, os ombros recolhidos e as mãos meticulosas. Alguns gestos foram fielmente definidos por alguns atores que encenaram o visitador, porém outros não tiveram a mínima sensibilidade de rebuscar a história e levá-la para seu personagem, está aí também a importância de tomar o personagem a partir da hora que o veste no camarim, o ator precisa ter seu espírito disposto a dar espaço ao personagem. A respiração de alguns estava desarmônica, quando falava-se mais alto, quando alguma fala chamava um tom mais rude, havia dificuldade de se articular frases formais, atropelavam-se palavras e sopros de ar. Neste assunto é que aplaudo o ator Vitor Brunoro, que soube impressionar, e climatizar o ambiente com seu tom de voz, onde neste instante, certamente, o público sentia-se parte desta inquisição, quando assistiam aos berros de um julgamento.

Notava-se que alguns atores prendiam-se até as vírgulas do texto, o que atrapalhava a passagem de uma fala para a outra, um personagem é um homem natural, não é um pergaminho que fala, portanto na arena do espetáculo tem-se que preservar o texto sim, mas não com tanto nervosismo, tampouco com singularidade, é necessário manter a história nas falas, porém recriá-las também. Bom desenvolvimento corporal, feição, os rostos reproduziam os traços da época. A peça impressiona o público, cria a sensação de tristeza e indignação no público, o roteiro é ótimo e bem distribuído. Concentração bem trabalhada, dedicação também tinha, mas faltou um pouco para que as falas, a respiração, o significado que a peça traz, fosse melhor incorporado ao profissionalismo de um ator. Há um grave erro, o de atrasar o espetáculo, com meia hora, cansa o público e exausta o próprio ator. Além do ator Vitor, outros também merecem os aplausos, e certamente se destacarão bem mais cedo, desde o início as atrizes Stella Maris e Bruna Mariani mantiveram a sensibilidade da personagem Branca, tomadas pela emoção souberam colocar aos olhos do público essa emoção, e ao nosso corpo todo o arrepio e dor da personagem.

Não há como citar todo o desenvolvimento de cada ator, até por desconhecer alguns nomes, porém os aplaudo, assim como fiz na apresentação, fica somente o desejo de uma equipe técnica que os leve com mais sensibilidade aos palcos e ensaios mais rígidos para a perfeita encenação com outros personagens.

A peça não está mais em cartaz, porém vale a pena conhecê-la através de textos e quem sabe uma futura nova temporada, basta que o público cobre do elenco e o mesmo queira levar a diante este roteiro.

3 comentários:

  1. Concordo plenamente com os comentários de Nyldo Moreyra e, como assisti a peça duas vezes, percebi melhoras dos atores de uma encenação para outra, confirmando que aprendizado e qualidade se beneficiam de repetição e auto-crítica. Parabéns por esta primeira tentativa! Assim começa o caminho.
    Carlos Alberto Menz - RS

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  2. Sr. Nildo, bom dia.
    Antes de tudo quero agradecer sua disponibilidade de ter assistido a peça.
    Sou o Márcio Rocha, foi eu quem fez a iluminação da peça, concordo com seu ponto de vista e assumo o defeito da mesma, pois não tenho experiência alguma neste assunto.
    O bom do Macunaíma é que a escola nos dá a oportunidade de aprender na prática. Espero que se a turma resolver reapresentar o espetáculo eu consiga tratar este assunto, e se não o fizer, conto com sua crítica sincera e seu ponto de vista.
    Abraços

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  3. Assisti a peça, que me emocionou. Concordo com o comentário de Nyldo, no que se refere a fala e respiração. A escola, atores e direção estão de parabéns pelo bom desempenho, que tende com certeza a melhorar através da dedicação de cada integrante. Um abraço.

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