quarta-feira, 31 de agosto de 2011

“Hedwig e o centímetro enfurecido”: rock, amor e traição


Eu sou suspeito para falar sobre o roteiro de Hedwig, mesmo sendo um defensor das produções nacionais, tenho que dobrar-me a este belo e seguro texto. O musical desembarcou no último final de semana em São Paulo, após temporada no Rio de Janeiro, sob a ótima e notável direção de Evandro Mesquita, que distribuí sua experiência musical aos acordes do espetáculo.

Hansel era um alemão apaixonado pelo rádio e as músicas, foi criado pela mãe na Alemanha Ocidental e acompanhou a queda do muro de Berlin com certo desconforto. Ainda na juventude, Hansel conhece o militar Luther, interpretado pela multi Eline Porto, que reveza-se em papéis masculinos. O recruta promete ao jovem casá-lo e viverem nos EUA, para isso Hansel submete-se a uma cirurgia de mudança de sexo. O resultado foi o pior possível, o novo sexo lhe trouxe perturbações estéticas, quanto ao centímetro que lhe restou entre as pernas. Sua nova identidade passa a ser Hedwig, a traída e fascinada por rock.

O texto de John Cameron Mitchell é saboroso, quente, irreverente e bem costurado. Em algumas cenas provoca confusão, mas ao decorrer do espetáculo a história volta ao eixo. Stephen Trask é o pai das letras e músicas em versão norte-americana, traduzidas por Jonas Calmon Klabin. A musicalidade estronda o teatro com um rock pesado e ao mesmo tempo sensível, há um balanço dos acordes, que em algumas vezes repetem-se dando a impressão de estarmos ouvindo o mesmo som. É tudo muito bom, mas seria ótimo se as notas não ficassem, em algumas músicas, tão similares. É inegável o talento musical de Evandro Mesquita, e surpreendente na direção do espetacular “Hedwig e o centímetro enfurecido”, que sutilmemente movimenta com versatilidade os atores no palco, que ora também comovem a sensualidade de seus corpos envaidecendo a personagem.

Hedwig é vivida em duplicidade artística, perfeita direção de cena e identidade que cada ator deposita ao personagem. Pierre Baitelli não deixa nenhuma nota fora da pauta, cada verso passa por sua afinada voz que não deixa de lado a rigidez do compasso musical. Os movimentos em cena, as expressões muito bem desenhadas, os gestos e as passagens entre as personagens elevam a qualidade do espetáculo. Assim exerce o ofício árduo de cenas irreverentes, agitadas e emocionates, o ator Felipe Carvalhido, que vive Hedwig junto ao Pierre. Carvalhido enriquece as cenas com seu olhar cálido, que a roqueira exige ao personagem. Cada passo no palco arranca-lhe qualquer timidez e ensurdesse os olhos de qualquer um, cegando nossa audição. Os sentidos invertem-se e revertem-se, enquanto tudo no espetáculo nos chama a atenção. E ali é possível rir e concentrar-se na emoção que o humor promove. São os olhos do público que dizem isso, enquanto guardam emoções e soltam os risos. A dupla tem a alta sensibilidade de fazer o público assistir objetos que não estão em cena.

O cenário é impagável, adequado e de muito bom gosto. A arte medieval e metálica do palco é assinada por Suzane Queiroz, enquanto a iluminação de Luiz Paulo Nenen é pontual e pincela a cena como numa impecável produção de rock.O figurino de Marta Reis exibe um desfile em tons exuberantes e cortes “punks”, como assim surgiam os estilos exóticos da época. Daniel Reggio é responsável pelas perucas e maquiagem - adereços que participam com destaque no espetáculo.

Hedwig tem total “força na peruca”, capaz de sofrer de amor, mesmo que com a mesma resistencia de Simone de Beavouir, sua dureza em cena é articulada com a peculiaridade de cada ator, distribuindo a irreverente personalidade da roqueira. Danilo Timm, ao lado de Evandro Mesquita, dirige a musicalidade vívida que reveza entre as consistentes vozes de Felipe Carvalhido e Pierre Baitelli. Flávio Senna Neto é o produtor musical. No palco estão os talentosos artistas da música, que ao vivo soam um contagiante som de seus instrumentos: Diego Andrade, na bateria, Fabrizio Iorio, no teclado, Melvin Ribeiro, no baixo e Pedro Nogueira, na guitarra. Eline Porto divide seu talento contando a história de personagens que passaram pela vida de Hedwig, encanta enquanto canta e interpreta Yitzhak.

É um dos poucos espetáculos que ouso recomendar, a produção de Dan Klabin e Jonas Calmon Klabin é digna dos sinceros aplausos que saudam o show. “Hedwig e o centímetro enfurecido” está em cartaz no Teatro Nair Bello, no Shopping Frei Caneca, em São Paulo, até o dia 16 de setembro. Os ingressos podem ser comprados na bilheteria do teatro ou no Ingresso.com, ao valor de R$ 60,0. Horário: Sexta, às 21h30. Sábado, às 21h e domingo, às 18h. O projeto é realizado pela Oz., e registrado no Ministério da Cultura, com o patrocínio da Riachuelo e da Oi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário