sexta-feira, 20 de abril de 2012

Gal Costa, a voz do Brasil se renova nos palcos


Em casa mesmo, ouvindo um cd cheio de variações eletrônicas e algumas entradas acústicas, pensei com quais adjetivos iniciar um papo para falar de Gal Costa. Seu novo álbum, dirigido pelo parceiro de tantas bossas, Caetano Veloso, é um “Recanto” de sua mansidão musical, e é este mesmo o nome do álbum, “Recanto”. Caetano traz versos rabiscados alternativamente por batidas e ruídos eletrônicos, batucadas santamarenses, e dedilhados bossanovenses. Caetano também traz palavras de sua amizade com Gal, relembra a vida baiana, contorna com vibratilidade o olhar da artista e salta sua veia musical para um grito de novidade, reencontro e preservação da música popular brasileira, e da artista mais comentada e exaltada pelos colegas músicos.

O álbum “Recanto” já não é mais novidade para os que apreciam a boa música, lançado no ano passado já tem subido ao palco na voz de Gal para colocar em nossos ouvidos aquela menina de Salvador que empunhava um violão no braço e deixava saltar suas lindas pernas em festivais brasileiros. Maria da Graça, chamada pelas colegas de classe, e hoje pelo mundo, de Gal Costa, assinou os melhores álbuns da MPB. Ela já veio ao mundo predestinada aos palcos, a ter nas mãos a bela responsabilidade de cantar e encantar. Ainda no ventre de sua mãe, Mariah Costa Pena, foi acostumada a ouvir música clássica. Dona Mariah sentava ao lado do rádio para que a filha, num mundo que ainda não conhecia com o olhar, já pudesse chegar para amar a música. Ainda pequena, acompanhava a mãe em concertos que aconteciam na cidade, foi uma menina de olhar direto, não era travessa, mas já era a grande Gal mesmo trabalhando numa loja de discos, em Salvador. Naquela época qualquer ouvido já era possível identificar a beleza e unanimidade de sua inigualável voz.

Gal ainda era jovem quando conheceu Caetano, na mesma Salvador que nos trouxe Bethânia e Gil. Quando chegou em São Paulo gravou seu primeiro compacto simples, de um lado “Sim, Foi Você”, de Caetano Veloso, e do outro “Eu Vim da Bahia”, de Gilberto Gil. Ao sair da gravadora, na época a RCA, Gal tomou um táxi de onde gritava janela afora a felicidade de ter nas mãos o primeiro disco. Foram vendidos apenas oitenta compactos, e todos comprados pelo dono da loja que ela trabalhou em Salvador. O Brasil ainda não sabia quem era Gal Costa, até então poucos parariam para sentir, além de ouvir, a soprano da música popular brasileira. Na década de 60 ela já era um sucesso e participava dos grandes e saudosos festivais da televisão, gravou eternas composições de Caetano e deu voz a versos da tropicália, inclusive ao lado de Tom Zé, grande parceiro musical, e sua amiga Rita Lee. Foi a mulher que melhor expressou “Baby”, também de Caetano, e exaltou sua marca registrada, “Meu nome é Gal”, presente de Erasmo e Roberto Carlos.

Gal chegou ao Rio de Janeiro para o mundo todo. Enquanto Bethânia carimbava seu esplendor teatral e o marcante registro do timbre, Gal apaixonava-se cada vez mais pela Bossa e espelhava-se na voz adocicada de João Gilberto, sua maior expressão. Gal é a mulher de todas as bossas, dos olhos de Jobim, da admiração de Danuza Leão, o timbre cintilante dos então “Doces Bárbaros”, sob a regência do infinito quarteto Gal, Bethânia, Gil e Caetano. Os cabelos sempre foram encaracolados para o vento, a exceção de sua juventude, que eram curtinhos e mais lisos. Roupas de cores e exuberância, barriga e pernas de fora, e um olhar cálido e frenético. Gal foi chamada de suja e piolhenta. Gal foi condecorada à uma das mais lindas vozes do mundo e um dos mais incríveis estilos.

Na década de 70 foi destaque em todos os cantos com o álbum “Fa-Tal / Gal a Todo Vapor”, dirigido por Waly Salomão, que lhe entregava uma parceria com Jards Macalé, o fruto musical chamado “Vapor Barato”, e Caetano “Como 2 e 2”, e Luiz Melodia, “Pérola Negra”. O sucesso deste álbum sucedeu muitos outros, quando ela cantava Caymmi, Jobim, Buarque, Ary Barroso, Djavan, e qualquer coisa que registra a volúpia de sua voz. Gal fez um tremendo sucesso enquanto Caetano e Gil estavam exilados em Londres, e retratou os amigos na caricatura de seu disco. Gal ainda é um sucesso no hemisfério norte, sua recente ida aos Estados Unidos deixou saudades aqui no Brasil, e para matá-la Gal voltou com voz e violão relembrando sucessos, até que saísse da inquietude de Caetano a parceria com seus filhos para “Recanto”, gritando ao Brasil, aquela mesma Gal que gritava do táxi, na década de 60. Aquela Gal que cantava sem medo um difícil concerto de “Vaca Profana”. Caetano nos trouxe a jovialidade de uma das mulheres mais importantes da música numa batida eletrônica, dando-nos a oportunidade de reconhecer Maria da Graça, em Gal Costa.

Gal e Caetano estiveram juntos em programas de TV para falarem do novo CD. Na semana passada, após estrear sua turnê no Rio de Janeiro, Gal cantou o álbum “Recanto”, em São Paulo, produzido por Caetano e seu filho Moreno, também afilhado de Gal, que já ouviu “Baby”, escrita ainda quando estava na barriga de sua mãe Dedé. Em São Paulo, o show aconteceu ao ar livre, no Parque da Juventude e arrebatou uma multidão de aplausos e inúmeros adjetivos, dos quais é impossível lembrar, mas é descritível à carreira e ao vislumbre de Gal. Para alguns ainda causa estranhamento ouvir as batidas eletrônicas de Kassin e seus sintetizadores, mas a modernidade trouxe uma nova e eterna Gal. “Recanto”, reúne, além da canção que intitula o CD, letras daquela Salvador vivida entre os amigos, da visita a Gil e Caetano em Londres, da tropicália e da bossa, da menina tímida e da composição sombria, que ao invés de assustar, envaidece qualquer ouvinte. “Recanto” é uma obra contemporânea de arte, é a novidade dos morros em “Miami Maculelê”, com a bateria eletrônica de um funk, é a recordação do recôncavo dos Veloso, em “Segunda”, com os pratos de dona Edith, o violão e o cello de Moreno. É também a crítica ao consumismo moderno em “Neguinho” e sua levada dançante, é a cara mãe de Gal e seu filho Gabriel, em “Menino”, é a lembrança de João Gilberto em “Tudo Dói”. Gal é uma poesia viva, um ato de espasmo, é uma incessante novidade da cabeça de Caetano, é sua autenticidade que saí dos olhos enfáticos e da voz mais doce de um rock, de uma bossa, de uma letra qualquer que lhe entregam ao sucesso. Gal me faz chorar, me faz rir, recordar e pensar, e agora também nos faz dançar.

Um comentário: