Mais uma vez uma família sobe aos palcos para fazer o público se identificar, mas essa é bem diferente em alguns pontos: só tem mulher, e só tem homem vestido de mulher! O espetáculo "Chá das 5", de Regiana Antonini, está em cartaz no Teatro Augusta, em São Paulo. Eduardo Martini dirige essa turma toda e ainda destaca-se no papel da matriarca. Blota Filho brilha numa participação especial. A dupla acaba concentrando o melhor da peça nessa saborosa dobradinha.
O elenco é grande, obviamente um tanto difícil de trabalhar, equilibrar todos sobre a corda bamba da arena é uma tarefa circense. Eduardo tira isso de letra, o que ainda esbarra em sua direção não é a técnica, nem a sensibilidade, mas a imaturidade de alguns atores. Falta um pouco mais de visão geral do espetáculo para alguns deles, o texto ainda parece muito cheio na boca e os movimentos acabam um pouco engessados. Todos parecem muito mulheres, e deixam escapar a saliência masculina de cada um, isso é genial! Mas, ainda falta que alguns atores acreditem mais nessa personificação feminina e de texto em seus personagens. O conjunto da obra perde ponto apenas por isso.
Eduardo Martini dirige a comédia timbrando a longa experiência em papéis femininos, mas deixou de lado qualquer tipo de caricatura e encarnou o papel de Dona Campainha de maneira autoral. Essa personagem é envolta de várias características e uma unanime, a ranzinzice de uma senhora sem ocupação - sua vida resume-se em esperar a visita da filha predileta, espezinhar a filha que ainda mora com ela e comentar as notícias da TV - Campainha evolui no palco sobre uma cadeira de rodas e passeia pelo corpo do ator com total intimidade. Eduardo faz o drama e a comédia como se fossem o mesmo gênero.
O texto passa por momentos complicados, críticos. Regiana acerta a mão na comédia leve, na trama familiar. Pesa, quando entra num campo criminoso, quando cria os atritos entre as filhas de Campainha... neste momento o texto sai do campo humorístico e entra num drama que pode realmente emocionar. Tudo volta ao normal, o humor e a tragédia encaixam-se juntos no final.
O palco ficou fácil de trabalhar e visualmente envolvente. A iluminação fica por conta do aconchego de um lar e os recursos de projeção, que trazem um feedback caracteriza um dramalhão mexicano completamente cabível e interessante. O figurino... ah o figurino é espetacular! Blota Filho, bom, vou falar dele no próximo parágrafo!
Logo que comecei a escrever sobre o figurino lembrei do Blota, é ele quem interpreta Clematite Soares, a única que não é da família, mas é ela que causa todo alvoroço e desavença entre as irmãs e mãe. Clematite, a vizinha e falida! Blota Filho veste-se inteiramente como mulher, inclusive em seus movimentos, cabelos, flertes e entonação. É simplesmente um semen artístico que transita entre Hebe Camargo e Nair Belo, a mistura perfeita! Eu pude ver a Hebe quando o ator pisou no palco. Ele é sensacional, entrega-se à personagem desvinculando-se totalmente de sua personalidade. Certamente um processo de imersão pessoal e pra alguém que é muito bom!
As filhas de Dona Campainha enchem qualquer buquê ou jardim: Margarida, Miosótis, Malva Rosa, Madressilva e Magnólia. A neta, Jasmim. E a fiel escudeira, a empregada Açucena. Todas prontas para colocar espinhos que não existem em talos que deveriam ser delicados. Os atores, Tiago Pessoa, André di Paulo, Ailton Guedes, Darwin Demarch, Félix Graça, Alessandro Ramos e Paulo Tardivo interpretam essa flora. Malva Rosa tem a expressão, junto ao ator, que ninguém quer ver, azeda como um limoeiro novo. Nessa leva o destaque é inevitável entre Darwin Demarch, que interpreta a filha acima do peso e prejudicada pela distância, fiel moradora de Itanhaém, e Paulo Tardivo, que interpreta a filha adotada, a mais nova, usuária de entorpecentes e completamente livre de convenções. Os dois atores domam muito bem suas personagens, expõem pontualmente suas características e doam-se para um humor exato, na medida!
"O Chá das 5" esfria e esquenta, deixa o público morrendo de vontade dos brigadeirinhos e Açucena, a empregada, interpretada por Tiago Pessoa, tem o trunfo pra te fazer sorrir de boca cheia. Uma mãe é capaz de tudo pelo amor entre os filhos, pela união da família, não é? De alguma forma você vai se identificar. Em dado momento você vai achar aquilo muito distante da sua realidade, mas depois verá o quão próxima essa família encontra-se da nossa porta. São vizinhos nossos! O Chá está servido em apresentações no Teatro Augusta até o dia 21/02, sextas-feiras às 21h30. Corra antes que esfrie!
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