quarta-feira, 14 de abril de 2010

Marisa Orth é Simone de Beauvoir em “O inferno sou eu”, ousada, corajosa e intensa


“Entre a fidelidade e a liberdade haverá uma conciliação possível? A que preço?"
Simone de Beauvoir em A Força da Idade


São Paulo recebe, após trinta anos de morte, a filósofa e escritora Simone de Beauvoir nos palcos, porém intensamente interpretada pela atriz Marisa Orth. O drama de Juliana Rosenthal K. é uma bela obra de ficção, mas baseada na vida de uma francesa que viveu um amor junto ao filósofo Jean-Paul Sartre, que numa viagem ao Brasil deparam-se com uma realidade totalmente diferente, de regionalismos, de comportamento e sobrevivência. Na década de 60, Simone de Beauvoir esteve com Sartre viajando pelo Brasil, no Amazonas contraíram tifo, que no Recife foram tratar hospedando-se na casa da amiga Marta, que contratou uma jovem de vinte anos para cuidar de Simone.

Na cenografia, de Isay Weinfeld, apenas um quarto, simples como eram os quartos em Recife, uma cama que sobre a cabeceira leva, presa na parede, uma cruz com Jesus Cristo, um penteadeira, uma mesinha, um guarda-roupas e um espelho, que num momento de fúria é estilhaçado quando Simone lhe atira um objeto contra, assustando a todo o público com o estardalhaço. Dorinha, que cuida de Simone, enquanto Sartre aproveita passeios e namoricos com Marta, não era bem uma empregada, pois é uma menina estudada, fala francês e estuda letras, de uma família religiosa, que repudiava filósofos como Sartre e Simone, seu sonho era conhecê-la e para isso insistiu para trabalhar na casa de Marta enquanto eles ficassem hospedados por lá. O que será que duas mulheres tão diferentes podem ter de tão comum, e no comum o que há de tão diferente entre elas? O texto explora exatamente isso, a mulher dos séculos passados, porém num texto completamente atual.

O diretor José Rubens Siqueira soube conduzir muito bem os diálogos entre as personagens das atrizes Marisa Orth e Paula Weinfeld, soube tecer frases de mulheres comuns e de uma filósofa, levou com o roteiro uma realidade falando de amor em realidades diferentes com mulheres tão diferentes. Dorinha ama um pedreiro de nome Nivaldo, e grávida diz que jamais largaria o homem para acompanhar Simone à Paris, em busca de crescimento profissional, que mesmo morando em Brasília, ainda o amava. Dorinha preserva o amor como uma moça que viveria pacatamente em seu casebre, crítica e decidida, isso sim são similaridades à personalidade de Simone. “Vocês falam muito com a cabeça, e pouco com o coração”, assim a jovem estudante de cabelo chanel e óculos redondos define os filósofos. Claro, isso antes de ler uma carta de Simone ao seu amado Nelson, um americano que vive em Chicago. A carta declama um amor por Nelson, como qualquer mulher muito apaixonada poderia dizer e debruçada num sentimento revelava numa das frases desta carta: “...eu quero ser sua mulherzinha e viver na nossa casinha...” .Ela já não sentia mais amor por Sartre, ele tampouco por ela, viviam realmente em casas separadas em Paris, Simone de Beauvoir era uma intrigante filósofa em seus livros e intensa mulher em seu romance, “não devemos amar só com o coração, mas sim com todo o corpo”, assim era Simone, de amor e de sexo.

Simone critica muito como uma menina tão inteligente como Dorinha poder parecer tão submissa ao amor, porém ela apenas disfarça sua submissão, atrás de seus pensamentos e críticas mora uma mulher frágil, que chora as saudades de um homem e o desejo de tê-lo. É este o confronto entre duas mulheres, tão iguais e tão diferentes.

Com graça e emoção, Marisa Orth abusa sensacionalmente de suas feições, de sua presença de palco, e a divide com irreverencia e veracidade os diálogos com Paula Weinfeld, selecionada num teste com outras atrizes.

Dorinha, religiosa, insiste que Deus está em todo lugar, e tentando refrescar-se em frente ao ventilador, daquele calor escaldante nordestino, Simone ironicamente extravasa: “Aqui no Recife ainda não o vi”. Enquanto no palco o calor é pernambucano, a platéia pode ocupar-se escapando do frio paulistano no Teatro Jaraguá, até o dia 16 de Maio, onde os ingressos variam entre R$ 50 e R$ 60 reais, de sexta à domingo, na Rua Martins Fontes, 71 – Bela Vista.

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