segunda-feira, 11 de junho de 2012

Adriana Calcanhotto homenageia o samba composto por ela mesma



Os shows, que lançaram o DVD “Micróbio Vivo”, aconteceram no último final de semana, em São Paulo, no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros. Adriana Calcanhotto tira sambas e revela seu traço atípico de gaúcha, mas não o deixa de lado. Encena, ginga e desta vez deixa o violão em outras mãos. A cantora embala canções de sua própria autoria e relembra Lupicínio Rodrigues.

O Sesc Pinheiros já tornou-se minha segunda casa, sempre com uma programação de tirar o chapéu, desta vez trouxe a sutileza e encanto de Adriana Calcanhotto, a gaúcha que veio cantar seus sambas.

Quando as cortinas se abriram o músico Domenico Lancelotti estava arranhando a película de um surdo deitado no chão, o tocando como um homem apaixonado encontrando à esposa com as mãos. Em sua bateria não há pratos, e ele ainda dispara uns sons de um mpc que fica no chão. Mpc (Media Player Classic) é um equipamento de onde se tiram sons eletrônicos, de botões. Pedro Sá fazia uma base em seu violão, com um tom fechado, seguindo o baixo acústico de Alberto Continentino. Fiquei emocionado e embalado pelo samba-canção que chegava na voz e nos pés deslizantes de Adriana Calcanhotto. “Eu vivo a sorrir” foi o som que levou-me a construir o roteiro do documentário “Bravo! A Arte do Humor”, que dirigi no ano passado. Essa música é um mantra!

Calcanhotto parece uma moça tímida, mas o palco é seu picadeiro. Ela fica solta, dançante, encantadora. Preto é a cor do figurino de todos os músicos, mas tudo parece ter uma cor, um tom diferenciado e que brilha debaixo de seus cabelos, desta vez mais compridos, porém lisos e contidos sob desenho de sua bela face. Eu a vejo num ápice de beleza e também de sentimentalismo musical.

As canções foram nascendo em diversos lugares, sendo compostas, mas ela não podia tocar violão devido a um cisto em seu braço. Pela primeira vez sob ao palco sem o instrumento em punho. Em 2011 o CD “O Micróbio do Samba”, foi lançado, e agora canções deste álbum estão sendo distribuídas pelo mundo, numa turnê que começou bela, na Europa, sob o toque luso de Lisboa e a lisura da Itália.

Adriana Calcanhotto cantava na noite de Porto Alegre, cidade que lhe estreou como vida. Filha de mãe bailarina e pai baterista, desde a infância teve a arte como seu estímulo mais próximo. Em casa tinha garagem para dois carros, que ficavam do lado de fora, pois o espaço dividia as duas baterias, das duas bandas em que o pai tocava. Aos 6 anos de idade ganhou o primeiro violão, e jamais o abandonou. A não ser agora, que não é um abandono, mas uma licença.

Em sua voz começaram a passar composições famosas, mas com um arranjo pitoresco. Ela nunca seguiu à risca uma partitura, pois cria a sua própria. Em 1990 lançou o primeiro disco, “Enguiço”, com uma canção de Caetano Veloso, e o sucesso na voz de Carmem Miranda, “Disseram que voltei americanizada”, além de “Nunca”, de Lupicínio Rodrigues, e outras, como também de Roberto e Erasmo. Com o prêmio Sharp nas mãos, em 91, como revelação feminina, deu voz às próprias canções, e encontrou nas rádios seu sucesso “Mentiras”. Calcanhotto nunca fez questão de lançar álbuns em série, ela vai com calma, e leva ao mundo seu romantismo ao cristal vocal que a abençoa, como o que também afina belamente os timbres de Gal e Marisa Monte. Calcanhotto é companheira da cineasta Suzana de Moraes, filha de Vinícius de Moraes, e assumiu o relacionamento com coragem e carinho.
Com a canção de Péricles Cavalcanti, “Dos Prazeres, das canções”, Adriana Calcanhotto deita sobre o rosto um chapéu, e nos remete imediatamente aos nobres sambistas que assim velavam-se. Sambista que era sambista, tinha um similar ao “Panamá” na cabeça.

“Esses Moços”, do conterrâneo Lupicínio Rodrigues também caiu ao palco. Inclusive, ele dizia que trazia no sangue o “micróbio do samba”, e deste depoimento Calcanhotto fez a origem do nome de seu álbum. Paulinho da Viola foi lembrado com “Argumento”, e suas próprias composições rasgaram um delicioso samba com “Tão chic” e “Mais perfumado”, este que lhe rendeu indicação ao Grammy. Aliás, estes prêmios estrangeiros apenas indicam os brasileiros, mas negam-se a reverenciar a genialidade e maestria de nossos músicos.

Adriana também tocou uma caixinha de fósforo, chacoalhou os palitos lá dentro e fez um solo lindo, como fazia Élton Medeiros, e Adoniran Barbosa. Ela também tocou um prato, como fazia Dona Edith do Prato. Com um microfone multidirecional, como aqueles das antigas rádios, ela deu voz a todo o teatro e sem dúvidas tocou individualmente o público. Cheia de instrumentos em uma mesa, ela violou o estatuto do samba com beleza. Saiu dos apenas batuques e pandeiros, e colocou ruídos e até mesmo com um secador de cabelos levou para os ares as partituras do violonista. Com xícaras ela fez o som de uma senhora lavando louças, na canção “Deixa Gueixa”.

Tudo milimetricamente ensaiado, de uma beleza estonteante. Eu não vou dizer música por música que foi cantada no show, porque isso fica a encargo do álbum em contar cantando, é belo, cada samba é uma poesia.

Adriana Calcanhotto é uma artista completa, pois ela encena suas canções, como faz uma grande intérprete, e deixa doce suas composições com uma das mais lindas vozes da música brasileira. O show é uma grande criação, um bálsamo para o samba, em acordes e ruídos, bons ruídos. Nada foge do compasso, nem de um tom que vai oscilando em ritmos, mas tudo dentro do samba, repicando num toque de marchinha, algo também um pouco jazzista, trovador, bossanovense e até guitarradas de rock, nada muito absurdo. Uma chuva de papéis brilhantes anunciava o fim do show, ela diverte-se no palco, é incrível.

O público cantou junto quando ela despediu-se ao som do sucesso “Vambora”, isso foi lindo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário