segunda-feira, 20 de maio de 2013

O fino e o frouxo da Virada Cultural de São Paulo


São Paulo parecia ter apagado as luzes de casa e saído às ruas. No palco da Estação da Luz um mar de crianças tomavam a frente do grupo Palavra Cantada e erguiam suas mãozinhas em aplausos. Mais adiante, Daniela Mercury cortava a fita de mais uma edição do evento mais cultural da capital paulista, e também um dos mais violentos. O que é uma pena, pois nem todos usufruem de seus próprios investimentos de maneira política.

Daniela desfilou o mais fino da bossa nova no palco em frente a monumental Sala São Paulo. Com o imenso relógio anunciando o tempo lá no alto da torre, Daniela pairava o silêncio com “Ave Maria” pelas barulhentas ruas da cidade. Terra que acolheu seu timbre debaixo do vão do MASP há tempos, quando sua carreira já apontava o notável sucesso. “O Canto da Cidade” apagaria as luzes do palco para Gal Costa tomar o posto. Mas... ops! O Senador foi roubado!

Eduardo Suplicy, atual senador de São Paulo, pelo PT, enquanto assistia ao show da baiana, teve sua carteira e celular roubados. A cantora levou-o ao palco e fez um apelo: “por favor, devolvam pelo menos os documentos do senador”. Apenas os documentos foram recuperados. Ele continuou ali, pois a maior voz do Brasil estava por subir ao palco.
Gal Costa passou uma navalha no tempo e colocou aquele mar de gente pra cantar a uma só voz. Quase o show “Recanto” inteiro foi apresentado, e a guitarra de Pedro Baby foi longe rua afora. Gal conversou com o público, deu esporro na imprensa que entrevistava convidados em frente ao palco, e entregou o microfone ao público para cantar “Força Estranha”. Caetano Veloso estava na voz de Gal, estava na boca do povo em “Baby”. Era como se voltássemos no tempo, e em torno daqueles festivais, tudo estivesse de volta. Gal incendiou a praça das músicas clássicas, com as sarjetas e as eletrônicas de Caetano.

A marola das maconhas, dos cigarrinhos e o cheiro do álcool químico baforava por jovens e trilhava todo o centro histórico. A repetição de todas as outras edições do evento. Brigas pelo caminho, arrastões com uma leva gigantesca de pivetes. Meninas mostrando tudo que poderia estar coberto, rapazes quase sem idade e quase sem vida. Mortos no bolso da cultura. São as pedras que qualquer rio tem que desviar. Faltou policiamento em diversos pontos, luz e olhos atentos. Faltou sensatez da mãe que deixa sua cria cuspida sair de casa, de quem não sabe o que é diversão, dinheiro público e o limite do outro.
Sidney Magal incendiou o palco no tradicional Largo do Arouche, onde outras atrações do brega arrastaram os pés da multidão. Fafá de Belém, no domingo, enxugou o último chão da Virada, com notas saborosas que deixavam seu poderoso timbre. Teve stand up comedy na Sé... mas achei melhor nem ir, foi uma decepção tamanha no ano anterior. Teve de tudo. Ângela Ro Ro e Wanderléa no Teatro Municipal e Jorge Aragão na Praça da República. Os redutos foram desmontados para darem lugar à música, ao teatro e às mais diversas intervenções artísticas. Nesses dois dias, os mendigos perderam suas marquises e os narcóticos desceram a ladeira. Espalharam-se entre nós.

Preferi o sossego. A tranquilidade pra deixar de lado a tensão dos arrastões e comas alcóolicos. Não foi no Piano da Praça Dom José Gaspar... fui ao Mercado Municipal, em plena madrugada, ao deleite do chopp ouvir chorinho. Ouvir a poeira sair dos bandolins. O pandeiro chorar e Bruna Rodrigues exalar o perfume de sua voz. No mesmo palco nascia a nostalgia daquela manhã ainda acesa pela lua... Roberto Seresteiro e o grupo Regional Imperial rasgaram as partituras de Noel, Orlando Silva e Vanzolini tirando do papel o som de suas serestas e choros. Uma voz de tornar qualquer sereno, e um baile de estrelas no céu ainda mais bonito. O rapaz que canta com as mãos e o sorriso no rosto, com os olhos calçados por debaixo do chapéu e a soberana lembrança das vitrolas e gramofones renascidos em seu gogó.
O dia estava por raiar e tudo continuaria. Os maus elementos teriam suas faces reveladas. As crianças despertariam os coretos. Os transportes carregariam mais ouvidos atônitos e olhares aguçados.

O dia nascia com Elza Soares e Gaby Amarantos amarrando a manhã com esplendor. A noite, mais uma vez cairia, desta vez com o Fundo de Quintal na República e uma fila extensa de bandidinhos na porta da delegacia.

Fotos: Bárbara Almeida / Riziane Otoni

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