Não... você não vai ver o Padre Marcelo erguendo as mãos no palco, tampouco as Carmelitas Descalças sentadas na plateia. Heresia? Profano? Agnóstico? O musical de Andrew Lloyd Weber e Tim Rice não tem nada disso, é apenas uma rápida releitura da Paixão de Cristo, que chegou ao Brasil encabeçado pela direção de Jorge Takla, versão brasileira de Bianca Tadini e Luciano Andreys, com Igor Rickli e Negra Li nos papeis principais. O musical tem erros grosseiros e um enredo que inova-se apenas na maneira de recontar a história, que não demonstra nenhum outro ângulo de visão. Não expressa nenhuma opinião!
Todos conhecem a católica história da Paixão de Cristo e sua vida pelo povo. O que vamos discutir aqui é como essa história é recontada.
Pensar em colocar a mais conhecida história do mundo no palco é genial, o desafio é: "como inovar recontando tudo isso"? Num arranjo em Rock and Roll, em um musical completamente cantado, Takla substitui as vestes clássicas de Jesus Cristo, interpretado por Igor Rickli, por calças jeans. Maria Madalena, vivida por Negra Li, torna-se uma figura quase hippie e evidentemente deslumbrada pelo personagem central.
Judas é vivido por Alírio Netto, o grande trunfo do espetáculo. O verdadeiro superstar! Neste conto, Judas brilha praticamente só. Peço licença às beatas e carolas, mas, Judas é o grande personagem deste musical! Alírio tem um timbre impecável para segurar os afinados berros propostos pela pegada rock da "ópera", enquanto Igor Rickli tem a voz calada pela própria técnica em que apoia. É notório que seu desenvolvimento musical é apenas técnico, numa voz mal impostada e com falhas evidentes. Negra Li tem a oportunidade de destilar a doçura de seu timbre, mas ainda fraco para um musical que poderia fazer mais sucesso por seu elenco. A comunicação entre os atores deixa a desejar pela dicção e por conta do diálogo maçante resumido apenas entre canções (letras) mal adaptadas.
A atuação dos personagens é anêmica, Alírio destaca-se com galhardia nesse time. Apesar do pouco desenvolvimento cênico de Igor, a escolha para o personagem foi bem forte, uma vez que a aparência com a figura relatada de Jesus Cristo é bem próxima e seu desdobramento físico é notável.
O título do musical, "Jesus Cristo Superstar", em si, é algo profano para as igrejas. É sensacional que as diversas expressões estejam ganhando mais espaço num país tão sufocado pelas ditas maiorias. O título leva-nos a crer num enredo com mais novidades, com uma roupagem mais crítica, que vai muito além do proposto por Takla, que fica apenas entre o figurino e os arranjos musicais. Nem ao público é possível jogar qualquer tipo de reflexão, pois o proposto no livreto já foi visto em milhares de missas e cultos dominicais. A Páscoa está ai, teremos diversas procissões amadoras, que talvez sejam muito melhores do que "Jesus Cristo Superstar".
A encenação consegue sim emocionar, fazer refletir e até possibilita risadas. Mas nada sensacional!
Em dado momento, um número de revista costura a história bíblica e diferencia-se do que já foi contado. Este é o único ponto de transformação da produção, uma discussão crítica, porém muito resumida para dar as razões ao estrelismo apontado a Jesus Cristo.
Ele foi um líder político? Um pensador religioso? Um revolucionário? Infelizmente o musical não deixa isso nem implícito, nem explícito.
Chegaram ao cenário paulistano num turbilhão de espetáculos, mas com a oportunidade do destaque, em plena quaresma, período em que qualquer contraditório poderia contestar com esplendor diversas passagens bíblicas, e tudo isso foi desperdiçado. Na hipótese de não ter sido essa a proposta, e de ser apenas o reconto, com uma abordagem contemporânea da história, os méritos ficam apenas para o cenário de Anselmo Zolla, os figurinos de Mira Haar e a luz de Ney Bonfante. Ah... Wellington Nogueira, que interpreta Herodes, consegue deixar o bíblico ainda mais irreverente. E Gustavo Muller, que vive Caifás, impressiona pelo grave e impecável timbre.
Vânia Pajares, responsável pela direção musical do espetáculo, distribui à orquestra um perfeito arranjo, com entradas assertivas da guitarra, que perfura com beleza o piano e todos os instrumentos muito bem usados pelos músicos. Ponto alto, isolado, do musical.
"Jesus Cristo Superstar" é uma realização da Time For Fun e Takla Produções, em cartaz no Teatro do Complexo Ohtake Cultural. Quintas e sextas, às 21h; sábados, às 17h e 21h; domingos, às 18h. O preço dos ingressos vai de R$ 25,00 à R$ 230,00.
Apesar da inconsistência do musical, ele abre mais uma via para a questão da diversidade na cultura e nas religiões. É preciso aceitar toda forma de manifesto e toda mensagem desarmada. Aos religiosos deve caber o respeito aos não religiosos. Aos não religiosos, deve caber o respeito aos religiosos!
Cada um comemora como quiser a sua Páscoa! Renascimento, antes de tudo, deve caber ao interior de cada um de nós...
Feliz Páscoa!!!