Exatamente como cores no escuro, como canções que encurralam-se em becos e estouram as paredes criando rotas de fugas. Músicas que detonam o espaço e encruam partículas de ar. Somem com o oxigênio e respiramos subitamente a voz de Tarja Turunen, a soprano das guitarras... da sinfonia metálica. Tarja quebra ressaca de três anos e lança o "Colours In The Dark".
Tarja é a voz do alto. A que encobre as outras, sobrepõe o que instrumentos levam tempo pra desmanchar notas. É uma extensão maior do que os próprios ossos do corpo possuem. É a voz clássica encaçapada no rock, num rock de letras, de melodia, de encantamento.
A finlandesa é um intenso espasmo que dilata-se entre a orquestra de cordas de aço. Não cabendo em preto, sopra cores e sons. Tarja não cabe no seu já tão vasto gênero e discorre por outros, como o pó de cores que tecem seu novo álbum.
Tarja não é uma cantora lírica, é o lírico que hesita entre o rock e o clássico.
"Colours In The Dark" cria-se ao tocar, distribui-se em dez faixas arrancando pássaros negros da estrutura de Tarja. Dá-lhe cores, das brancas ao vermelho. "Victim of Ritual" é uma peça, uma ária tocada em aço e o refinamento de uma voz em ouro. É a trilha que dilacera um ouvido transformando-o em calabouço.
A pequena Turunen, filha de Tarja, ganha espaço no álbum e chora ao colo da soprano. Vai ao vento e as cores vão espalhando-se de música à música, como se o álbum fosse inacabado, ele termina feito uma peça, que não deveria terminar. Tarja segura faixas longas, duradouras, reservando-lhes instrumentos vorazes. Os instrumentos alçam ao lado da voz e retocam todo o tempo a extensão mais preciosa do rock. É um concerto de violência e calmaria. É uma ária só quebrada em atos. É um personagem vestido de som.
Outras músicas que merecem destaque são "Darkness", cover de Peter Gabriel, que mostra claramente a liberdade conquistada pela cantora ao longo desses anos de carreira solo; "Never Enough", com riffs de guitarra bem marcados; e "Medusa", que encerra o disco com força, potência e delicadeza, além de contar com a participação de Justin Furstenfeld, cantor, escritor e vocalista da banda "Blue October".
Apesar do pouco caso da Hellion, gravadora que distribuí o álbum de Tarja no Brasil, desbravei o CD em meus ouvidos. Gravadoras são pedaços singelos da grandiosidade dos artistas. Um mal necessário.
Não há como descrever faixa por faixa, assim como não há como destrinchar uma peça. Há como dizer que a sensação é quase que indescritível. A delicadeza robusta de Tarja é o que transcende. Ouvi-la é como casar-se com um sabiá histericamente afinado.
*O texto foi escrito com a colaboração de Alexandre Nicotelli.
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