terça-feira, 27 de março de 2012

O teatro e sua oficina diária


O Dia Mundial do Teatro resume uma longa caminhada que distribuiu ao mundo uma das mais belas artes já criadas para os olhos, os ouvidos, o tato e a mente. Nascido na Grécia Antiga, o teatro tinha suas apresentações discorridas em grandes arenas, em que atores utilizavam máscaras de fortes expressões para melhor visualização do público, além de domarem-se de uma identidade paralela, atividade até hoje descrita como: ator. Atualmente o teatro é uma fábula e um ato de realidade, são textos sobre textos disputando pautas caras e até as populares, o teatro ganhou e perdeu. Mas sempre irá permitir-se comemorar sua idoneidade e daqueles que o fazem, produzem, encenam, dirigem, iluminam, arquitetam, vestem, coreografam e fomentam.

No mesmo dia em que o teatro é exaltado, o Circo também comemora sua arte que se faz cênica e musical debaixo de uma lona. Desde seu nascimento, o que não há um registro preciso, já que esta é uma manifestação nômade, o circo tornou-se uma arte tão envolvente, quanto o teatro, pois veste um homem de palhaço e uma trupe de malabaristas, contorcionistas, ilusionistas e domadores para replicar sorrisos, surpresas e imaginação num público. Essa brilhante arte é uma criação alimentada junto ao teatro, que durante anos faz o público viver histórias diferentes, tornarem-se cúmplices e atos da história.

O teatro é um espaço físico que ganha vida em textos lúdicos, verossímeis, dramáticos e cômicos. Na Grécia, essa arte foi transcrita por gênios poéticos como Aristóteles, Sófocles, Eurípedes, Aristófanes, Menandro, e outros. Em Roma, Plauto e Terêncio se destacaram. Passeando pela história, chegamos a Portugal com os textos de Gil Vicente e Almeida Garrett. Na França, Molière. O inglês Shakespeare, e no Brasil, Padre José de Anchieta, João Caetano, Martins Pena, Gonçalves Dias, Oswald Andrade, Nélson Rodrigues, Machado de Assis, José de Alencar, Álvares de Azevedo, Castro Alves, José Celso Martinez Corrêa e então nasce o Teatro Brasileiro de Comédia, sediado no Bexiga, em São Paulo. Ainda surgiram Os Comediantes, o Teatro Oficina, Teatro de Arena, o Teatro dos Sete e a Companhia Celia-Autran-Carrero.

Nossa estrela maior do teatro completa 80 anos de ofício, filha de Procópio Ferreira, Bibi ainda é um dos maiores ícones vivos da arte de encenar e cantar. Estreou no teatro com apenas três semanas de nascida, substituindo uma boneca. Seu ápice, sem dúvidas, foi sua atuação em “Gota d’àgua”, de Chico Buarque de Hollanda e Paulo Pontes, quando a atriz mostrou a mulher mais imponente dos palcos. Além deste, Bibi estrelou o espetáculo “My Fair Lady”, ao lado de Paulo Autran, que também a acompanhou em “O Homem de La Mancha”. Bibi também marcou os palcos interpretando Piaf, que lhe rendeu os prêmios Mambembe e Molière, além de outros importantes títulos. Recentemente compôs o elenco do espetáculo “Às Favas com os Escrúpulos”, de Juca de Oliveira, e direção do amigo Jô Soares. A filha de um dos homens mais ilustres do teatro, também dirigiu Clara Nunes, e Maria Bethânia, que também revelou-se no teatro, antes mesmo de ganhar fama na música popular. Bethânia deixou a pequena Santo Amaro da Purificação, com seu irmão Caetano, e estrelou o espetáculo “Opinião”, substituindo Nara Leão. Ao chegar no Rio de Janeiro, a baiana roubou a cena e eternizou a canção Carcará, do musical de Zé Keti e João do Vale.

O teatro foi colecionando nomes em sua história, e reuniu eternos padrinhos dessa arte. Tônia Carreiro, Sérgio Cardoso, Lílian Lemmertz, Fernanda Montenegro, Cleyde Yáconis, Ítalo Rossi, Marco Nanini, Cassiano Gabus Mendes, Marília Pêra, Gianfrancesco Guarnieri, Juca de Oliveira, Sérgio Britto, José Pécora, Cacilda Becker, Beatriz Segall, Jackson Antunes, Max Nunes, Regina Duarte, Gloria Menezes, Dercy Gonçalves, Raul Cortez, Ruth Escobar, Jô Soares, Nicette Bruno, Paulo Goulart, e tantos outros astros que tornaram-se mestres na nova geração teatral.

O teatro celebra elementos de extrema importância, iluminadores, figurinistas, musicistas, produtores, diretores, camareiras, coreógrafos e cenógrafos fazem o espetáculo acontecer, entregam aos bilheteiros a responsabilidade de permitir a entrada dos maiores astros do teatro: o público. Este é que faz o teatro valer a pena, a plateia completa um espetáculo com seu caloroso e sincero aplauso e entrega à crítica a responsabilidade da verdade. Por que nós, críticos, também não podemos fazer parte disso? Parabéns a quem escreve a história do teatro, e aos apoiadores, patrocinadores e fomentos, que dão a oportunidade do teatro ser um ofício, uma profissão. Aos pipoqueiros que dão ao público o sabor da peça, e a Broadway que confiou aos brasileiros grandes sucessos que parecem serem nossos.

O teatro venceu a Ditadura Militar, que não foi capaz de calar os palcos. O teatro vence diariamente a guerra da captação de recursos, espalha-se com as trupes regionais, com os espetáculos de rua, o humor escrachado, o drama sentimental, as tragédias e comédias clássicas. O teatro de revista e as vedetes de Manga e Walter Pinto. O teatro é a maior relação de amor entre a arte e o homem. O teatro também é ainda um Alcorão, tão mal interpretado que faz do palco um campo de ataque ao que deveria ser uma exposição espontânea de cultura, ao invés de atores moralmente trajados de homens bombas, que autoflagelam-se e respingam nessa arte de encenar. Porém, a vela do teatro jamais se apagará, as luzes da ribalta se acenderão sempre que uma cortina abrir para mais uma estreia. E assim o teatro se faz a pele da humanidade e o coração de um texto. Não se faça de ator apenas por uma escola de teatro, faça-se um gigante no palco, como os imensos atores que nunca precisaram dela.

Fotos: Bibi Ferreira e Paulo Autran, em My Fair Lady / Sérgio Britto, Tônia Carreiro, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Jacqueline Laurence / Tônia Carreiro, Eva Vilma, Odete Lara, Norma Bengell and Ruth Escobar, em 1968 / Reinando Gianecchini, reestreia o espetáculo Cruel.

domingo, 25 de março de 2012

Chico Anysio, o plural do heterônimo e o pleonasmo do humor


Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, o cômico Chico Anysio nos deixou sem seus vários pedaços. Chico era o Fernando Pessoa do humor, o poeta das críticas, o solista do riso. Com seus 209 personagens, cada um em sua pitoresca particularidade, com trejeitos e jeitos, caquéticos e corruptos, tronchos e ligeiros. Sem dúvidas, o maior humorista de todos os tempos, que partiu para o mesmo palco onde estrela Dercy e seus companheiros da Escolinha, que vão nos deixando órfãos da boa comédia, da sabedoria humorística, das colunas televisivas de boa arte e inteligência cênica. Chico se foi pra história, deixa-nos como herdeiros filhos com seu talento, imagens e gargalhadas na lembrança.

Assim que o plantão da emissora que o acolheu durante mais de 40 anos, e nestes o deixou calado por algum tempo, anunciou o falecimento de Chico Anysio tive a mesma impressão de um programa seu interrompido por uma queda de sinal, de um espetáculo parado por falta de energia elétrica, ou mesmo da realidade que mostrava seu quadro clínico piorar e o debilitar. Enquanto gladiava com a vida, para persistir naquela pena de ter que morrer, como ele mesmo dizia, íamos sendo pregados com imagens suas em especiais na TV Globo, em reprises e tentativas de o retornar para o ar. Chico tentava viver, enquanto seu novo palco era preparado em outro plano. Salomé já não era mais a mesma, falava pouco e espezinhava menos. O professor Raimundo já não indagava tanto, Alberto Roberto perdia sua robustez. O chapéu de Tavares já não lhe caía certo na cabeça, Justo Veríssimo perdia o bigode e Haroldo a pinta. Painho ia deixando de lado o sotaque e Bento Carneiro deixava o sangue esfriar. Pantaleão e Popó perdiam o texto.

O humor tornou-se patrimônio brasileiro na voz de Chico Anysio, a comédia que era feita no teatro espalhou-se para o mundo quando a televisão o descobriu. O homem que saiu da pequena Maranguape e partiu para o Rio de Janeiro com a família, chegou ao segundo lugar num teste para locutor de rádio, ficando atrás de Silvio Santos. Já na Rádio Guanabara fez um pouco de tudo, nas chanchadas ele escreveu diálogos e atuou na Atlântida Cinematográfica. Na telinha, Chico estreou na extinta TV Rio o programa Noite de Gala, posteriormente foi lançado por Joaquim Silvério no programa Só Tem Tantã. Ainda no canal 13, deu vida ao programa Chico Total. O humorista aventurou-se no esporte, na literatura, na música cantou ao lado de Elis Regina e ilustres nomes, foi pintor e atuou ao lado de Dercy Gonçalves no teatro, além de dominar os palcos, no que hoje chamamos de stand up comedy.

Em 1968 Chico passou a engrandecer a TV Globo com seus hilários quadros ao lado da nata global. Com a saída de Boni do canal 5, o humorista foi perdendo pauta na emissora e ainda mais enquanto o avanço da idade lhe trazia problemas de saúde. Chico Anysio foi o maior criador de bordões, que ainda são falados por todas as gerações, foi e será eternamente o gigante da comédia. Foram novelas, filmes, espetáculos, participações especiais e uma vida inteira dedicada à arte. Nunca ouvi, ou li algo que criticasse Anysio, nenhuma linha seria capaz de se turvar por qualquer erro estúpido que este homem nunca cometeu. Sua cena era com perfeição, eram aulas. Chico Anysio era um compêndio de personagens, de gargalhadas e do certo. Homenagear Chico no filme “Bravo! A Arte do Humor”, que dirigi no ano passado, foi o limite da minha paixão pela arte, da minha admiração pelo tripé das artes cênicas, composto por ele, Dercy e Paulo Autran. Hoje, não sei mais como ficará nosso humor sem eles.

Como pode “falência múltipla de órgãos” levar 209 Chicos de uma vez só e a vida nos deixar sem o pai de todo esse humor? Mas como em toda boa história, o mestre se vai para que os que ficam voltem em seus passos, e de alguma forma tentem a releitura de seu sucesso. Chico é pai de uma trupe, é a Ursa Maior de uma galáxia. Sua assinatura mais bem rabiscada foi o riso. É realmente uma pena sua ida, forçadamente tivemos que deixar em cinzas o corpo de um homem guerreiro, que será deitado aos braços de sua cidade e no colo de sua arte. Ficam as lágrimas caindo sobre o sorriso, as manobras intelectuais do velho Chico, as lembranças mais cômicas, e a aula de 80 anos de como se faz humor. Humor não se faz como hoje, humor se faz como Chico Anysio.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A Família Addams, o musical cômico e sombrio


A cada musical que assisto no Brasil surpreendo-me um pouco mais. A Família Addams, livreto americano que herda o nome de Charles Addams, criador da família mais cômica e simultaneamente macabra de todos os tempos, ganha superprodução brasileira, uma exata fotografia do espetáculo em cartaz na Broadway, estrelando Marisa Orth ao lado de Daniel Boaventura. Uma das overtures mais conhecidas dentre os arranjos musicais, anuncia aos estalos de dedos, toques no piano, as rígidas cordas do violoncelo e dos violinos, e abre-se a flamejante cortina para o riquíssimo espetáculo que atravessou o oceano.

O musical chega ao Brasil, e estreia em São Paulo, no Teatro Abril, apresentado pela Times For Fun, após produção realizada na Broadway. A Família Addams ganhou fama quando virou tirinhas na revista The New Yorker, em 1933, depois disso ganhou versão na televisão e no cinema. Claudio Botelho, um dos mestres das grandes produções musicais no Brasil, trouxe o vigor de um espetáculo rico em detalhes e expressões, assinando a versão brasileira do livreto, Botelho trouxe um dos maiores presentes ao palco paulista, pois, quem nunca quis estar pertinho dos Addams? A equipe de criação, totalmente estrangeira, tirou das malas uma mescla ao gingado cultural brasileiro, junto à maestria musical norte-americana. Marshall Brickman e Rick Elice criaram o texto para o palco, cômico, com suspense e penumbra. Andrew Lippa assina as músicas e letras muito bem encontradas ao roteiro, dirigido por Jerry Zaks.

O dançante e envolvente roteiro gira em torno da paixão despertada em Wandinha (Laura Lobo), pelo jovem e “normal”, para os padrões Addams, Lucas Beineke (Beto Sargentelli), a jovem confidencia o romance ao pai Gomez Addams (Daniel Boaventura), que vê-se obrigado a esconder essa história de sua esposa, a mórbida Morticia Addams (Marisa Orth). Um jantar oferecido a família do jovem Beineke tumultua àquela noite, quando a comédia ganha expressão no roteiro.

Marisa Orth dá voz e o olhar frígido, típico de Morticia, à personagem de vestido longo e cabelos escorridos. Em seu primeiro grande musical, a atriz arrebata aplausos e atenta-se ao mínimos detalhes registrados nos quadrinhos de Addams, também evoluídos nos filmes e seriados. A Morticia vestida em Marisa não escorrega ao exibir um espetacular compasso lírico e impecável balé. Daniel Boaventura cobre de elegância, charme e robustez, sem abandonar a característica cômica e abobalhada de Gomez Addams, enriquecendo o espetáculo com sua voz aveludada, bem climatizada ao timbre grave e de um raro tenor. Daniel já é um dos maiores cúmplices do teatro musical, e sempre que aparece ao palco dá um aspecto diferente ao espetáculo, inibindo àqueles elencos batidos de sempre.

Toda família Addams parece que foi desenhada como dos quadrinhos, porém com um aspecto pitoresco brasileiro dirigido com perfeição. Tio Fester, ou popularmente conhecido como Tio Chico, tem as expressões e a insanidade fielmente retratadas pelo ator Claudio Galvan, que assina o lado lúdico do texto. A atriz Iná de Carvalho da vida à Vovó, que com seus hábitos bizarros e macabros, leva a grande fatia humorística do texto, e interpreta seu script como uma valiosa atriz deve cumprir. Laura Lobo é Wandinha Addams, e empresta sua voz estridente a sombria menina que vive a torturar o irmão. Laura dá um baile em muitos atores repetidamente pautados em musicais e crava sua altivez ao lado da grande produção de Botelho, com ótimo coro e dança, além de ótima desenvoltura cênica. Feioso é interpretado por Nicholas Torres (em determinadas apresentações, quando alterna com Gustavo Daneluz), o caçula da família é o mais traquina e sombrio, escapando de convenções e mimos, normalmente feitos por pais “comuns”. Nicholas é grande em seu texto, revela-se gradualmente no palco e enobrece o timbre pueril do espetáculo. O mordomo monossilábico Tropeço mantém sua feição dura e fria, interpretado por Rogério Guedes, o mais famoso empregado da história tem uma contínua perfeição de expressão e movimentos, além dos hilários grunhidos emitidos pelo personagem. A Mãozinha e o Primo Coisa são surpreendentemente inseridos ao roteiro.

A família Beineke, criada no texto para desviar a morbidez dos Addams e causar a grande confusão cômica daquele macabro encontro entre os apaixonados Lucas e Wandinha, leva ao palco Paula Capovilla, que já é alvo de aplausos em musicais desde sua estreia. Ela interpreta Alice Beineke, emprestando a personagem bom humor e a terceira mais aplaudida voz do espetáculo. Wellington Nogueira vive Mal Beineke, o metódico e tradicional pai de família, contrariado pelo filho, o personagem tem sua importância ampliada por detrás da rica atuação que lhe é empregada por Wellington, que em uma das canções deixa vazar seu ótimo timbre. Beto Sargentelli é o jovem Lucas, muito bem posicionado no roteiro e com pontuais entradas ao texto, sua atuação é um jogo cênico com grande parte dos personagens e tem impecável direção musical, coreografada e cênica encontradas num só ator, em sua jovialidade técnica, como um toque de um velho experiente artista.

O corpo de ensembles foi rapidamente posicionado em cada ponto do palco, casando cena com cenografia evitando que tons claros retirem a penumbra carimbada ao livreto. Os efeitos especiais de Gregory Meeh dão ao musical uma incrível característica cinematográfica. O balé, com os rígidos e belos movimentos de jazz, fazem parte da coreografia da diretora residente Fernanda Chamma, espelhada à originalidade de Sérgio Trujillo. A musicalidade, com o nobre toque americano e os arranjos calçados à brasilidade instrumental, é brilhante arte da regente Vânia Pajares e dos assistentes Daniela Calicchio e Thiago Rodrigues. O designer de luz é um dos elementos mais importantes que compõe a galeria teatral deste espetáculo, sob a direção de Natasha Katz. O cenário é um dos mais grandiosos já construídos no Brasil, dinâmico e real, rico e criativo, Phelim Mcdermott leva ao palco, além do que se pode fielmente chamar de cenografia, também figurinos de alta costura e compatíveis aos movimentos e cores sobrepostas à luz e cenário. Outro importante elemento deste espetáculo são as maquiagens que criam expressões caricatas nos personagens, obra de Angelina Avallone, com as perucas de Tom Watson.

A Família Addams é a mais completa inversão de valores já escrita para uma direção, eles são o contrapeso da sociedade e o lado mais incompreensivo psicológico de um humano, pois fogem da superficialidade e do comum. Ser um Addams é ser espontaneamente sombrio, enquanto se faz humor. Mesmo com tudo invertido, há a bela essência que deve constituir uma família, pois eles são verdadeiros, únicos, e se adoram, mesmo com toda a insanidade suportam um ao outro. Talvez fosse difícil identificar a verdadeira característica da Família Addams, se não fosse encenada por quem é, e produzida por quem trouxe ao Brasil.

O espetáculo está em cartaz no Teatro Abril, em São Paulo e é realizado pela Times For Fun, apresentado pelo Ministério da Cultura e Bradesco Seguros, com o copatrocínio da Vivo, Renault e Cielo. Há ingressos de variados preços comercializados na bilheteria do teatro, em postos de vendas autorizados, ou no site Tickets for Fun, e possuí classificação livre, sendo que menores de doze anos devem estar acompanhados de responsáveis. Fotos: Divulgação, Felipe Visante, e divulgação, respectivamente.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Hoje eu comemoro 20 mil leitores em dois anos


Pode parecer um pouco de achismo meu comemorar a marca de 20 mil leitores, mas na verdade, é uma retribuição, daquelas que só um escritor e colunista pode fazer ao seu público. Escrever, escrever e escrever! Desde então foi isso que me moveu à cultura, foi este o ofício que escolhi após subir ao palco de um teatro, após ser um espectador numa plateia, após chorar com um drama e sorrir com uma comédia. Estar ao lado de inúmeros e atenciosos leitores, que me retribuem e-mails e apertos de mãos, é olhar a cultura com os olhos que estavam cegos, calejados por um país que ainda rasteja fraco no campo das artes. Hoje posso enxergar, por meio dos meus leitores, uma cultura mais assistida, mais querida, mas que ainda pede melhores incentivos.

Enquanto maquinava o que caminhar na vida, já escrevia em papéis largados pela casa, que fazia de escritório, aqueles destinos, que pra mim seriam incertos. Médico, arquiteto, designer, piloto, dentista, era tudo que me encantava para instrumentar minha profissão. Mas, grandes nomes ampliavam as saídas para meios comunicativos no Brasil e criavam importantes veículos guiados por talentos intitulados de Roberto Marinho, Silvio Santos, Boni, Walter Clark, Octavio Frias de Oliveira e Júlio de Mesquita, fazendo então meus olhos atentos para o curso das palavras, da notícia, da voz e da comunicação social. Ainda era pouco sonhar em escrever para milhares de pessoas, eu queria aparecer pra elas, eu sentia falta de cores, de movimento e de som. Foi no teatro que eu encontrei esse outro tom, o tom de Fernanda Montenegro e Paulo Autran, Dercy e Fauzi Arap, que também encontrei na música, e subi ao palco pela primeira vez. Cantei ao lado de Cauby Peixoto, abracei a voz mais linda (na minha opinião) da feminilidade musical, Maria Bethânia, registrei meu primeiro encontro com a dama do rock’n roll brasileiro, Rita Lee, e apaixonei-me pelo som que fazia sabores nas ruas de Salvador, enquanto por lá deparei-me com os sons de Gal, Caetano, Gil e toda baianidade da música. No Rio, a bossa e o Jobim. Em Sampa, o samba e Adoniram.

O teatro e a música invadiram por definitivo meu jeito de fazer jornalismo, me fizeram liderar tudo que eu podia na universidade, desde jornais do curso, às vídeos-reportagens. Dirigi meu primeiro curta-metragem, que nada falava de cultura artística, mas dava um tapa numa sociedade preconceituosa, ao falar de adoção. O segundo filme veio pelo encantamento que sempre tive pelo humor, e ao lado de grandes nomes da televisão e do teatro firmei um dos meus maiores trunfos cinematográficos. O teatro e o jornalismo, e a música, todos juntos, ainda por me fisgarem, rabiscaram a giz de cera o meu cérebro e não permitiram-me fazer mais nada, a não ser escrever para quase 20 mil leitores.

Desde o ano de 2010, quando estreei com um texto sobre Cauby Peixoto, impulsionado e instigado a escrever este texto, pelo companheiro de ofício, Luiz Felipe Carneiro, estive em mais de cento e vinte eventos, que enobreceram um blog que parecia singelo demais, sem sal, sem doce, com um nome estranho, que não parecia nada comercial, e que ainda não é. Mas o tango e o bolero são movimentos minuciosos, estudados enquanto olhos se encaram, e passos entrelaçam sentidos. Assim é a arte da cena, do jornalismo e da música. Eu tinha os três unidos! Faltava o público, os leitores, os convites para as peças de teatro e os shows, faltava mais tesão para escrever.

Eu nunca parei de me especializar, pois criticar é o ato respeitoso de analisar e expor, feito por poucos, mas exaltado por muitos, que, me desculpem, nem sabem o que fazem. Enquanto eu cursava a vida do teatro e da música, esbarrei-me a nomes gloriosos, que em tempos perdi o contato por furtuitas ondas da vida, e estes uniram-se as minhas palavras de honra. Eu não posso escrever este texto sem agradecer ao Eduardo Martini, pelas primeiras palavras de incentivo, pelo primeiro e-mail que recebi de um artista aplaudindo o meu trabalho. Foi então que eu notei que não era só o ator que podia ser aplaudido. Cá, na plateia, alguém também era alcance de aplausos, um crítico deve treinar sua educação, escrevendo o que de fato o espetáculo retrata, sem culpá-lo com dureza por erros, nem o melar com acertos. Neste tempo recebi convites, dos que não tive mais contato, dos que causamos intrigas, afinal, sou um crítico, e recebo palavras não tão educadas em meu e-mail, mas também continuo a receber aplausos. Estive num outro site, de oportunidade de Deborah Ventura, do qual respeitosamente agradeço a oportunidade. Voltei ao blog, e nele consagrai-me como comunicador, de grande alcance, de uma arte que só esmaecia, ao meu ver, no mundo literário do jornalismo: a crítica de teatro.

Obrigado aos diretores, aos atores, aos produtores, às equipes e famílias teatrais, musicais e em seu conteúdo cênico, de uma seriedade profissional indiscutível, alcançada com mérito neste País. Faço um apelo de que o Governo olhe melhor para tudo isso, e o público que ainda não é público de arte, faça valer sua existência, pois, só existiu de verdade quem já amou a arte. Eu gostaria de nomear a todos que caminharam comigo, inclusive aos que me recusaram e ainda recusam-se a me deixarem ocupar a poltrona de seus espetáculos, estes um dia entenderão, o quanto a arte precisa da crítica de respeito, que constrói, e não que faz publicidade tacanha em textos de grandes veículos que deixam vazar para o nicho estapafúrdio da comunicação barata e sem relevância intelectual e abrangente ao público num todo. O texto deve atingir ao máximo, e não só a quem entender. Isso é papo de anedota.

Sou grato ao público, aos leitores que carinhosamente ocupam-se de arte, e de ler sobre a arte. Eu aprendi a encenar melhor e a cantar melhor, depois de ser um espectador de mais de 120 espetáculos, no período de dois anos. Destes dois, faço ponto de partida, pois eu estou só começando. Nunca recebi pelo que faço, mas o dinheiro sempre esteve abaixo da palavra, da cena e do som. É assim que a iniciativa privada olha pra arte, e assim que a iniciativa pública burla aquilo que deveria atender.

Num país onde, em muitas vezes, a cultura se faz com olhos vendados, ou debochadamente como um sexo tântrico entre público e o movimento artístico, sob a leitura de 20 mil pessoas, eu permito-me publicar esta minha vida. Logo nos vemos, quem sabe no palco, eu na cena, e vocês na crítica. Mas, estarei ainda aqui.

Fotos: Sabrina Maekawa e Semana Ticket de Cultura, respectivamente.

domingo, 4 de março de 2012

Cabaret, o musical de todos os tempos


Na última apresentação de Cabaret, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello explodem talento no palco e embarcam para o Rio de Janeiro levando para os cariocas um dos livretos mais incríveis da história. Com uma direção despojada e atenta a todo o conteúdo técnico, José Possi Neto imprime sua fantástica digital ao musical, ao lado de Marconi Araújo e a cinematográfica produção de Sandro Chaim.

A história é ambientada na cidade de Berlim, em 1931, e imprimi um romance entre a cantora do Kit Kat Club, Sally Bowles, interpretada por Claudia Raia, e o escritor americano, Cliff Bradshaw, vivido por Guilherme Magon. O romancista procura a Alemanha para ser cenário de seu novo livro, e hospeda-se na pensão de Fräulein Schneider, interpretada por Liane Maya, que também incluí seu romance no espetáculo, ao tentar casar-se, em plena ascenção do Nazismo, com o judeu Herr Schultz, vivido por Marcos Tamura. Cliff não consegue fugir da raia, e apaixona-se por Sally, que carrega a decisão de ir embora com o americano, ou continuar a dividir o palco do cabaret com MC, interpretado por Jarbas Homem de Mello.

O musical foi abrasileirado por Miguel Falabella, que dá ao roteiro um tom seriamente irreverente, se é que é possível usar a expressão. Mas, o texto de Joe Masteroff é movimentado no palco com maestria, pintando e bordando uma bela composição irreverente e dramática, expondo importantes temas históricos e culturais. José Possi Neto dá voz ao Cabaret distribuindo talentos sobre o palco uniformizando o espetáculo, onde forma-se um belo elenco, muito bem coreografado por Alonso Barros, que explora sensualmente o corpo dos atores, permitindo que os timbres cantem muito bem afinados ao compasso da direção musical e vocal de Marconi Araújo. O figurino é assinado por Fábio Namatame, que trabalha com tons esfuziantes, missangas, tecidos luxuosos, e veste a sensualidade dos personagens, além de fazer moda no palco e contrastar com a impecável iluminação de Paulo César Medeiros, rabiscando as dançantes e vívidas cores das luzes. O cenário é um lindo desenho de Chris Aizner e Nilton Aizner, ambientando o texto com elegância e dinamismo, ao lado da perfeita montagem dos cenógrafos Renato Theobaldo e Roberto Rolnik.

O elenco é um grande baile que explora sabiamente a beleza e a sensualidade de cada ator, jogando em cena a mescla sexual revestida por expressões e movimentos burlescos e irreverentes. Claudia Raia arrebata aplausos a cada canção executada por seu timbre marcante e que não intimida-se ao ter que encarar graves e agudos, e acerta no volume de voz e na flexibilidade de sua dança. Jarbas Homem de Mello, que interpreta o Mestre de Cerimônias, é o suspiro e o riso da plateia, enquanto exibe o corpo decotado pelo vislubrante figurino de Namatame, sua veia cômica pulsa o ritmo do espetáculo e destaca uma atuação impecável, com inteira entrega ao personagem e ótimo casamento cênico com Claudia e os demais. Guilherme Magon, enobrece o equilibrio dramático e cômico do espetáculo, ao lado dos talentosos Julio Mancini, Katia Barros, Marcos Tumura e Liane Maya, Alberto Goya, Alessandra Dimitriou, Carol Costa, Daniel Monteiro, Fabiane Bang, Hellen de Castro, Keka Santos, Leo Wagner, Luana Zenun, Luciana Milano, Marcelo Vasquez, Mateus Ribeiro, Rodrigo Negrini, Renato Belini, Rodrigo Vicente e Tomas Quaresma. Este é um dos poucos musicais, onde a importância de todos os personagens é evidenciada a plateia, que é invadida por estes que aproximam seus papéis ao público, quebrando tabus e o preconceito ao burlesco.

Se “Cabaret” fosse um musical permanente, como os da Broadway, seria recomendável sempre ao público, como uma reclicagem artística e uma didática de como se faz cenário, luz, maquiagem, perucas e cabelos, figurino, som e cena. Entre atores, a orquestra, a maestrina Beatriz de Luca, Miguel Falabella, Sandro Chaim, José Possi Neto, Marconi Araújo e Alonso Barros, junto as músicas de John Kander e letras de Fred Ebb, o musical resume-se no brilhante trabalho de uma vibrante equipe que nunca escondeu nenhuma carta na manga, mas a cada produção uma nova e certeira cartada é lançada para ser histórica. Eu simplificaria o deslumbre deste espetáculo em uma significante saudação: Bravo!

O espetáculo segue para o Rio de Janeiro e ficará em cartaz no Oi Casa Grande. Cabaret é um musical realizado pela COART, Chaim Produções e Raia Produções, com patrocínio máster do Banco BVA, e copatrocinio da Sul América Seguros e Previdência. Fotos: Divulgação e Ag News, respectivamente.