sexta-feira, 23 de março de 2012

A Família Addams, o musical cômico e sombrio


A cada musical que assisto no Brasil surpreendo-me um pouco mais. A Família Addams, livreto americano que herda o nome de Charles Addams, criador da família mais cômica e simultaneamente macabra de todos os tempos, ganha superprodução brasileira, uma exata fotografia do espetáculo em cartaz na Broadway, estrelando Marisa Orth ao lado de Daniel Boaventura. Uma das overtures mais conhecidas dentre os arranjos musicais, anuncia aos estalos de dedos, toques no piano, as rígidas cordas do violoncelo e dos violinos, e abre-se a flamejante cortina para o riquíssimo espetáculo que atravessou o oceano.

O musical chega ao Brasil, e estreia em São Paulo, no Teatro Abril, apresentado pela Times For Fun, após produção realizada na Broadway. A Família Addams ganhou fama quando virou tirinhas na revista The New Yorker, em 1933, depois disso ganhou versão na televisão e no cinema. Claudio Botelho, um dos mestres das grandes produções musicais no Brasil, trouxe o vigor de um espetáculo rico em detalhes e expressões, assinando a versão brasileira do livreto, Botelho trouxe um dos maiores presentes ao palco paulista, pois, quem nunca quis estar pertinho dos Addams? A equipe de criação, totalmente estrangeira, tirou das malas uma mescla ao gingado cultural brasileiro, junto à maestria musical norte-americana. Marshall Brickman e Rick Elice criaram o texto para o palco, cômico, com suspense e penumbra. Andrew Lippa assina as músicas e letras muito bem encontradas ao roteiro, dirigido por Jerry Zaks.

O dançante e envolvente roteiro gira em torno da paixão despertada em Wandinha (Laura Lobo), pelo jovem e “normal”, para os padrões Addams, Lucas Beineke (Beto Sargentelli), a jovem confidencia o romance ao pai Gomez Addams (Daniel Boaventura), que vê-se obrigado a esconder essa história de sua esposa, a mórbida Morticia Addams (Marisa Orth). Um jantar oferecido a família do jovem Beineke tumultua àquela noite, quando a comédia ganha expressão no roteiro.

Marisa Orth dá voz e o olhar frígido, típico de Morticia, à personagem de vestido longo e cabelos escorridos. Em seu primeiro grande musical, a atriz arrebata aplausos e atenta-se ao mínimos detalhes registrados nos quadrinhos de Addams, também evoluídos nos filmes e seriados. A Morticia vestida em Marisa não escorrega ao exibir um espetacular compasso lírico e impecável balé. Daniel Boaventura cobre de elegância, charme e robustez, sem abandonar a característica cômica e abobalhada de Gomez Addams, enriquecendo o espetáculo com sua voz aveludada, bem climatizada ao timbre grave e de um raro tenor. Daniel já é um dos maiores cúmplices do teatro musical, e sempre que aparece ao palco dá um aspecto diferente ao espetáculo, inibindo àqueles elencos batidos de sempre.

Toda família Addams parece que foi desenhada como dos quadrinhos, porém com um aspecto pitoresco brasileiro dirigido com perfeição. Tio Fester, ou popularmente conhecido como Tio Chico, tem as expressões e a insanidade fielmente retratadas pelo ator Claudio Galvan, que assina o lado lúdico do texto. A atriz Iná de Carvalho da vida à Vovó, que com seus hábitos bizarros e macabros, leva a grande fatia humorística do texto, e interpreta seu script como uma valiosa atriz deve cumprir. Laura Lobo é Wandinha Addams, e empresta sua voz estridente a sombria menina que vive a torturar o irmão. Laura dá um baile em muitos atores repetidamente pautados em musicais e crava sua altivez ao lado da grande produção de Botelho, com ótimo coro e dança, além de ótima desenvoltura cênica. Feioso é interpretado por Nicholas Torres (em determinadas apresentações, quando alterna com Gustavo Daneluz), o caçula da família é o mais traquina e sombrio, escapando de convenções e mimos, normalmente feitos por pais “comuns”. Nicholas é grande em seu texto, revela-se gradualmente no palco e enobrece o timbre pueril do espetáculo. O mordomo monossilábico Tropeço mantém sua feição dura e fria, interpretado por Rogério Guedes, o mais famoso empregado da história tem uma contínua perfeição de expressão e movimentos, além dos hilários grunhidos emitidos pelo personagem. A Mãozinha e o Primo Coisa são surpreendentemente inseridos ao roteiro.

A família Beineke, criada no texto para desviar a morbidez dos Addams e causar a grande confusão cômica daquele macabro encontro entre os apaixonados Lucas e Wandinha, leva ao palco Paula Capovilla, que já é alvo de aplausos em musicais desde sua estreia. Ela interpreta Alice Beineke, emprestando a personagem bom humor e a terceira mais aplaudida voz do espetáculo. Wellington Nogueira vive Mal Beineke, o metódico e tradicional pai de família, contrariado pelo filho, o personagem tem sua importância ampliada por detrás da rica atuação que lhe é empregada por Wellington, que em uma das canções deixa vazar seu ótimo timbre. Beto Sargentelli é o jovem Lucas, muito bem posicionado no roteiro e com pontuais entradas ao texto, sua atuação é um jogo cênico com grande parte dos personagens e tem impecável direção musical, coreografada e cênica encontradas num só ator, em sua jovialidade técnica, como um toque de um velho experiente artista.

O corpo de ensembles foi rapidamente posicionado em cada ponto do palco, casando cena com cenografia evitando que tons claros retirem a penumbra carimbada ao livreto. Os efeitos especiais de Gregory Meeh dão ao musical uma incrível característica cinematográfica. O balé, com os rígidos e belos movimentos de jazz, fazem parte da coreografia da diretora residente Fernanda Chamma, espelhada à originalidade de Sérgio Trujillo. A musicalidade, com o nobre toque americano e os arranjos calçados à brasilidade instrumental, é brilhante arte da regente Vânia Pajares e dos assistentes Daniela Calicchio e Thiago Rodrigues. O designer de luz é um dos elementos mais importantes que compõe a galeria teatral deste espetáculo, sob a direção de Natasha Katz. O cenário é um dos mais grandiosos já construídos no Brasil, dinâmico e real, rico e criativo, Phelim Mcdermott leva ao palco, além do que se pode fielmente chamar de cenografia, também figurinos de alta costura e compatíveis aos movimentos e cores sobrepostas à luz e cenário. Outro importante elemento deste espetáculo são as maquiagens que criam expressões caricatas nos personagens, obra de Angelina Avallone, com as perucas de Tom Watson.

A Família Addams é a mais completa inversão de valores já escrita para uma direção, eles são o contrapeso da sociedade e o lado mais incompreensivo psicológico de um humano, pois fogem da superficialidade e do comum. Ser um Addams é ser espontaneamente sombrio, enquanto se faz humor. Mesmo com tudo invertido, há a bela essência que deve constituir uma família, pois eles são verdadeiros, únicos, e se adoram, mesmo com toda a insanidade suportam um ao outro. Talvez fosse difícil identificar a verdadeira característica da Família Addams, se não fosse encenada por quem é, e produzida por quem trouxe ao Brasil.

O espetáculo está em cartaz no Teatro Abril, em São Paulo e é realizado pela Times For Fun, apresentado pelo Ministério da Cultura e Bradesco Seguros, com o copatrocínio da Vivo, Renault e Cielo. Há ingressos de variados preços comercializados na bilheteria do teatro, em postos de vendas autorizados, ou no site Tickets for Fun, e possuí classificação livre, sendo que menores de doze anos devem estar acompanhados de responsáveis. Fotos: Divulgação, Felipe Visante, e divulgação, respectivamente.

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