domingo, 25 de março de 2012
Chico Anysio, o plural do heterônimo e o pleonasmo do humor
Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, o cômico Chico Anysio nos deixou sem seus vários pedaços. Chico era o Fernando Pessoa do humor, o poeta das críticas, o solista do riso. Com seus 209 personagens, cada um em sua pitoresca particularidade, com trejeitos e jeitos, caquéticos e corruptos, tronchos e ligeiros. Sem dúvidas, o maior humorista de todos os tempos, que partiu para o mesmo palco onde estrela Dercy e seus companheiros da Escolinha, que vão nos deixando órfãos da boa comédia, da sabedoria humorística, das colunas televisivas de boa arte e inteligência cênica. Chico se foi pra história, deixa-nos como herdeiros filhos com seu talento, imagens e gargalhadas na lembrança.
Assim que o plantão da emissora que o acolheu durante mais de 40 anos, e nestes o deixou calado por algum tempo, anunciou o falecimento de Chico Anysio tive a mesma impressão de um programa seu interrompido por uma queda de sinal, de um espetáculo parado por falta de energia elétrica, ou mesmo da realidade que mostrava seu quadro clínico piorar e o debilitar. Enquanto gladiava com a vida, para persistir naquela pena de ter que morrer, como ele mesmo dizia, íamos sendo pregados com imagens suas em especiais na TV Globo, em reprises e tentativas de o retornar para o ar. Chico tentava viver, enquanto seu novo palco era preparado em outro plano. Salomé já não era mais a mesma, falava pouco e espezinhava menos. O professor Raimundo já não indagava tanto, Alberto Roberto perdia sua robustez. O chapéu de Tavares já não lhe caía certo na cabeça, Justo Veríssimo perdia o bigode e Haroldo a pinta. Painho ia deixando de lado o sotaque e Bento Carneiro deixava o sangue esfriar. Pantaleão e Popó perdiam o texto.
O humor tornou-se patrimônio brasileiro na voz de Chico Anysio, a comédia que era feita no teatro espalhou-se para o mundo quando a televisão o descobriu. O homem que saiu da pequena Maranguape e partiu para o Rio de Janeiro com a família, chegou ao segundo lugar num teste para locutor de rádio, ficando atrás de Silvio Santos. Já na Rádio Guanabara fez um pouco de tudo, nas chanchadas ele escreveu diálogos e atuou na Atlântida Cinematográfica. Na telinha, Chico estreou na extinta TV Rio o programa Noite de Gala, posteriormente foi lançado por Joaquim Silvério no programa Só Tem Tantã. Ainda no canal 13, deu vida ao programa Chico Total. O humorista aventurou-se no esporte, na literatura, na música cantou ao lado de Elis Regina e ilustres nomes, foi pintor e atuou ao lado de Dercy Gonçalves no teatro, além de dominar os palcos, no que hoje chamamos de stand up comedy.
Em 1968 Chico passou a engrandecer a TV Globo com seus hilários quadros ao lado da nata global. Com a saída de Boni do canal 5, o humorista foi perdendo pauta na emissora e ainda mais enquanto o avanço da idade lhe trazia problemas de saúde. Chico Anysio foi o maior criador de bordões, que ainda são falados por todas as gerações, foi e será eternamente o gigante da comédia. Foram novelas, filmes, espetáculos, participações especiais e uma vida inteira dedicada à arte. Nunca ouvi, ou li algo que criticasse Anysio, nenhuma linha seria capaz de se turvar por qualquer erro estúpido que este homem nunca cometeu. Sua cena era com perfeição, eram aulas. Chico Anysio era um compêndio de personagens, de gargalhadas e do certo. Homenagear Chico no filme “Bravo! A Arte do Humor”, que dirigi no ano passado, foi o limite da minha paixão pela arte, da minha admiração pelo tripé das artes cênicas, composto por ele, Dercy e Paulo Autran. Hoje, não sei mais como ficará nosso humor sem eles.
Como pode “falência múltipla de órgãos” levar 209 Chicos de uma vez só e a vida nos deixar sem o pai de todo esse humor? Mas como em toda boa história, o mestre se vai para que os que ficam voltem em seus passos, e de alguma forma tentem a releitura de seu sucesso. Chico é pai de uma trupe, é a Ursa Maior de uma galáxia. Sua assinatura mais bem rabiscada foi o riso. É realmente uma pena sua ida, forçadamente tivemos que deixar em cinzas o corpo de um homem guerreiro, que será deitado aos braços de sua cidade e no colo de sua arte. Ficam as lágrimas caindo sobre o sorriso, as manobras intelectuais do velho Chico, as lembranças mais cômicas, e a aula de 80 anos de como se faz humor. Humor não se faz como hoje, humor se faz como Chico Anysio.
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