O
sotaque de um vestígio chiado retrocede à década de 60, enquanto definia-se a
suntuosidade presidencial da casa da república depondo-se da Guanabara, e
Sergio Dumont encontra-se em seu violão carioca e o timbre sussurrado, ecoando
pelos espaços entre as cordas e os acordes. Mas, voa-se imediatamente para um
sul de qualquer verde, mato, serra e água doce que corre, é um significado que
encontrei pras canções de seu álbum, que estampa seu nome e a mineira Tiradentes,
em casebres, ladeiras e a pauta das faixas musicadas.
Com
a licença de um sax soprano a “Vida”, primeira faixa, nasce nas teclas de um
piano e todo o acorde que acompanha, como se cheirando café e bolo de fubá,
esperasse a novela das seis começar só pra ouvir a canção que abre. A maioria
das faixas do álbum são composições de Dumont.
O CD
é “Sergio Dumont”, por ele próprio, com as participações diamantadas de Flavio
Venturini e a saudosa voz de Jane Duboc.
Não
é pra ouvir e decorar, nem vamos sair cantando quando alguém pedir a referência
de uma canção pra ouvir no pôr do sol. Aliás, eu nunca gostei de pôr do sol,
acho o entardecer tão triste, indefinido entre dia e noite. As canções de
Dumont são um cisco poético batidos no violão, é um instrumento de destaque,
que romantiza tudo que toca no álbum.
Às
vezes parece que vai surgir um bolerinho, mas esmaece, e o tom do arranjo vai
caindo para uma serenidade monótona, de repente, sobe outra vez. Ficaria bonito
um bolero nesse álbum, é um som que ganhou tanto espaço dentre as vozes
brasileiras, que posso imaginar Sergio Dumont cantando um com uma doçura
perfeita.
“Beija-Flor”
é um encontro com a faixa seguinte, “Vila Rica”, que entroncam uma beleza
instrumentada e a voz sorrateira e aveludada de Dumont.
Enquanto
abre-se o livreto do CD, encontram-se imagens da cidade de Tiradentes, em Minas
Gerais, absorvendo as canções para uma realidade interiorana, de céu azul e pés
na terra. Pelas janelinhas azuis salta o gingado da voz de Dumont, variado na
calmaria da canção mineira. Nem sei porque, mas é um encontro sossegado e
aconchegante.
Às
vezes sinto falta de um pouco de volúpia nas partituras, e uma letra mais
sonorizada. É bacana compor pensando na sonoridade final da letra. Porém logo
vem “La Vie En Rose”, de Edith Piaf, e envolve no veludo carioca de Dumont, um
francês cheio de sortilégios e com uma afinação venerável. Falando em francês,
as músicas de Sergio Dumont são ambientadas no famoso restaurante Maxim’s, em
Paris, de propriedade de Pierre Cardin. Por lá andava Santos Dumont, que deixou
a marca da sola de seus embicados sapatos a sorte para a entrada de Sergio e
sua brasileira canção, após anos de sua peregrinação de amor à França.
O
“Tema Número 1” encerra o álbum com um gostoso encontro de instrumentos, e
amarra o laço que antes trouxe a saudosa Jane Duboc numa explosão de timbre em
“Realeza Vulgar”, azeitando a canção com a finesse de sua voz. Antes, ainda, Flavio Venturini desmonta o Céu
de Santo Amaro, que cadencia uma de suas mais belas destiladas da voz no eixo
musical, para dividir o microfone com Dumont em “Sonhei Demais”, letra que configura
um perfeito e suave duelo entre os cantores.
Sinto
falta de mais variação no álbum, de uma quebra de ritmo, mesmo havendo uma boa
exploração dos instrumentos, mas o CD segue numa quebrada só. Acredito que isso
tenha ficado mais para uma época de Bossa Nova, onde era a cadência dessa
linearidade das canções. Sergio Dumont tem uma voz criativa, íntima e que passa
pelos lábios antes de explodir pelas partículas do ar. O grisalho da barba
cerrada e do cabelo batido impõe um respeito, e recortam uma fotografia sépia
na paisagem.
Siga
em frente, dividindo entre as cordas e a voz o cisco poético de suas canções! E
obrigado pela dedicatória na capa do CD, ele está bem acompanhado, ao lado dos
menestréis da seresta, entre a bala na agulha de Cauby, Gal, João Gilberto e
Bethânia. CDs que recebo e enfileiro para sempre escutá-los.
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