quinta-feira, 2 de agosto de 2012

“Camille e Rodin” esculpidos pelas mãos de Keppler e Andreato


A arte gira no torno do teatro e vai ganhando forma pelas mãos do amor, sai da argila para o beijo e a entrega, e talha no mármore a poesia da loucura. Num suspiro longo de realidade, a história dos artistas plásticos Camille Claudel e Auguste Rodin, num facho romântico francês, recaem no palco do Grande Auditório do MASP, em São Paulo e renascem no realismo de Leopoldo Pacheco e Melissa Vettore, com a direção genuína de Elias Andreato, ao texto de Franz Keppler.

Rodin sapecou as mãos nos dois extremos da vida e de sua própria arte, das “Mãos de Deus” à “Porta do Inferno”, importantes e famosas obras do artista, podem remeter a linha fina por onde trilhou seus últimos anos de sossego, até conhecer a jovem Camille, para quem dedicou seu aprendizado em obras primas. Keppler traz para o palco o retrato deste amor pintado à aquarela, permitindo suas manchas e sucessos, com óleo e belas pinceladas, faz brilhar um texto sem rumores, entregando às mãos de Andreato rubricas salientes, que foram lindamente lapidadas. Com amor e loucura, a obra da obra exposta no palco.

Esculturas reais, onde batem corações e o sangue corre pelas veias, ganham movimento nos corpos de Leopoldo Pacheco e Melissa Vettore, são as obras absolutas de um romance que aconteceu nos ateliês da França, nos restos do século XIX.

Pelos olhos da psicanálise, o amor entre estes dois artistas dormiria no descanso da loucura à sua morte. Pelos dedos da arte, o romance de Camille e Rodin permearia os salões do mundo e faria exumar seus corpos em nossa diligência do olhar e a sensível visualização de suas obras e histórias cruzadas por Keppler no teatro.
No empastelado tom do ateliê de Rodin, famoso pelas impressões delineadas em suas obras, numa época realista, surge a brancura da jovem Camille Claudel, incentivada pelo pai a esboçar bravamente sua arte reservada nas mangas em sua própria casa. Camille procura Rodin, por sua importância no movimento artístico europeu, e para ser ensinada por ele. Este professor, o exímio Auguste Rodin, apaixona-se por ela e a desperta um arrebatado amor.

Na obra de ambos tornam-se notáveis as aparências. Rodin em seu sucesso passa, além do amor, destrancar o ódio de Camille, que vê-se por tempos esmaecida abaixo de um mérito que poderia ser dela. Pelas obras torna-se capaz visualizar o amor destes dois, em expressão e movimento. Leopoldo Pacheco, o ator que rebusca a vida de Rodin, entrega a ele um olhar astuto e firmes pulsos que dobram as árduas, e ao mesmo tempo, imediatamente delicadas mãos de um artista. Rega o personagem de um tom bruto e bem amaciado, traçando um equilíbrio perfeito muito bem ornado a atuação de Melissa, que na pele de Camille a revive estonteante. É possível apaixonar-se e indignar-se com a artista, e encher de aplausos a atriz. Melissa Vettore veste em renda sutil o olhar cálido e esquizofrênico de Camille, e enruste em seus movimentos um carinho que grita ódio e loucura. Loucura que é posta afora com fervor e raiva. Uma atriz completa, nos sentidos exatos que a arte cênica julga necessária.
Rodin já era relacionado com Rose Beuret, e encontrava situações difíceis para dizer a Camille que não poderia romper com ela. Sentindo-se injustiçada, evolui sua fúria para a loucura. Espalha pelos cantos seus esboços no papel de seda e os rasga aos gritos. Camille caminha para o que a psicanálise de Jacques Lacan chama de “amódio”, um encontro entre o amor e o ódio. Freud diria que precisamos amar para não adoecer. E tropeça ao não dizer na mesma frase, que o excessivo traria a doença mental. Talvez seria o câncer abstrato da paixão, que produz além do que se pode ter.

Ainda por Freud, a ambivalência do amor pode trazer, principalmente a mulher, sua fraqueza, e a retalhar de fascinação ou servidão. A mulher não admite a ausência, tampouco, em seu ápice de amor, vê uma relação em seu fim, a não ser pela morte. Assim como a literatura trata suas obras, combinando o amor com a morte. Camille é o retrato disto, não poderia fugir, sendo uma história real. Seu amor era este.

O amor chega a usualidade de sofrimento, e a psicologia o encontra com facilidade em pacientes que dele sofrem. O amor quando não está ligado ao estado de sofrer, é incomum, distante da realidade. Porém, quando o sofrimento passa a remoer a loucura perde-se o sustento deste sentimento, e a morte da mente se aproxima evoluindo por demais o imaginário do apaixonado. Neste caso, o amor também é incomum, pois perde-se a medida.
Camille e Rodin separam-se pela insanidade, a esquizofrenia e as ideias de suicídio. Camille é o pivô da loucura na relação de amantes dos dois artistas. Antes disso, Rodin apresenta a ela toda sua arte, sua destreza de amar o elemento, ainda como material, antes mesmo de tornar-se uma obra, e assim fez nascer imponentes esculturas, como “A Mão de Deus”, que traz o divino para as digitais de um escultor em sua plena atividade, e  “Porta do Inferno”, que eleva no pico desta obra fundida em bronze sua mais famosa obra, “O Pensador”. A “Porta do Inferno” já existia, feita por Lorenzo Ghiberti, para o batistério de Florença, que foi para o Museu de Artes Decorativas, e era completada por obras de Rodin.

As esculturas de Rodin criam na Idade do Bronze um realismo incomparável, pois ele criava suas próprias expressões. A escultura que fez de Balzac chegou a ser recusada pela Sociedade dos Homens de Letras de Paris, pois não apresentava semelhança com o retratado.  A escultura de Rodin é impressionista, romancista e naturalista, mas jamais poderia ter sido isso tudo num só movimento, na época. Em 1917 ele faleceu, antes mesmo de Camille, que adormecia na insanidade. Hoje, o Musée Rodin expõe algumas de suas obras e mantém seu corpo sepultado, em Paris. Camille, com sua inteligência, ultrapassava o limite compreensivo da época, terminou a vida amarrada e sedada, falecendo em 1943.

Camille, quando insana, criava uma mulher esculpida em carne e osso, de cérebro sucumbido e degenerado à paixão sufocada. Era nela mesma a escultura da mulher apaixonada que esperava a própria morte. A loucura pode ser a morte da mente, mas não da criatividade.
O espetáculo que remonta a história de Camille e Rodin, pelas mãos de Franz Keppler, tem o exato clima e as expressões da realidade, com o belo conjunto da produção de Ed Júlio. Tem o tom muito bem balanceado, numa fúria pontual de Melissa em sua personagem, e nos movimentos de Leopoldo, como Rodin. O ensaio de Elias Andreato aborta erros e faz uma direção grandiosa, onde a “vida imita a arte”.

O cenário versátil e bem estudado ao espaço, permitindo a rápida e ampla visualização de cenas simultâneas, é de Marco Lima, com as cores brandas na costura bem bordada do figurino de Marichilene Artisevskis, iluminados pela íntima e ambientada iluminação à francesa de Wagner Freire. A Baobá Produções Artísticas realiza o projeto, junto com a Dramática Produções Artísticas, ao emérito patrocínio da Vivo, com o projeto Vivo Encena, que colocou no cavalete da casa das artes do MASP uma passagem real da história da arte.

O espetáculo “Camille e Rodin” ficará em cartaz até o dia 26 de agosto em São Paulo, às sextas e sábados, 21h e aos domingos, 19h30. Os ingressos custam os justos valores de R$ 20,0 a 30,0. Corra, porque a plateia está merecidamente lotada!

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