segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Gal Costa faz show em SP e mostra porque é a maior cantora do Brasil


Mais uma das brilhantes cantoras brasileiras apresentou-se no projeto Mulheres do Brasil, do Via Funchal. Gal Costa, subiu ao palco paulistano no último sábado (22) e inaugurou a primavera numa noite gelada, com uma voz batizada por sua gloriosa carreira e os mais novos sucessos escritos e dirigidos por Caetano Veloso. O show “Recanto” é um dos pontos mais surpreendentes da trajetória da Gal na música, ela fica à vontade, muito próxima ao público e rejuvenesce em cada acorde e nas sintetizadas eletrônicas que colocam o público de pé e sem economizar palmas.

Estreei na RedeTV com uma crítica à estreia de “Recanto”, em São Paulo. Foi meu primeiro texto sobre Gal Costa. Estreei na crítica com um texto sobre Maria Bethânia, há alguns anos. Isso mostra que estou entre figuras valentes da música e que estreei, em ambas, com o pé direito. Ver Gal, desta vez foi mais do que especial, ela estava deslumbrante, cantando e sorrindo, cantando e interpretando, desta vez sem os olhos agudos de Caetano na plateia, que vão fitando com carinho as passadas de Gal nas extremidades do palco.

Gal não precisa de cenário para enfeitar de lacinhos o seu espetáculo, basta sua força natural de levar a musica ao palco e vesti-lo por um swing que encontra-se entre corpo e voz com uma notoriedade e beleza impecáveis. Num fundo preto, pouca iluminação começa a desvelar o “Recanto Escuro” de Gal, apenas seu rosto impera à frente da banda e o olhar acompanha o sucesso dos lábios que deixam escapar a melhor voz de todos os tempos. Gal tem uma coisa, não perde nem os agudos, nem os graves, enquanto todos os outros perdem.
As canções de “Recanto” são todas de Caetano Veloso, assim como a direção do show, feita para encantar os ouvidos, os olhos e qualquer sentido do público. Feita para a exuberância e ao mérito de Gal. Feita para matar qualquer fotógrafo que empina suas lentes à busca de sugar qualquer luz que surja num repente da escuridão do palco. O clima é proposital e válido para deixar despindo a imagem de Gal, aos poucos, enquanto as canções ganham embalo. Ao final, “Modinha para Gabriela”, de Caymmi, quebra o protocolo, por conta da minissérie exibida pela TV Globo, com o toque baiano que a cantora ganhou de berço.

As letras do álbum “Recanto”, que recaem ao show como uma luva branca nas mãos de uma baronesa, são o retrato de épocas vividas por Caetano e que recostam sobre a vida de Gal Costa. São canções que só servem para serem cantadas por Gal, pois requerem sua jovialidade e ao mesmo tempo seu robusto trajeto artístico que ultrapassa quarenta anos. Caetano tem a força na direção, enquanto Gal tem a brutal força em peitar um novo tempo, em que qualquer música de pouca letra emplaca na voz de jovens “cantores”. Lançar um álbum como “Recanto” e colocar isso tudo no palco é peitar um tempo que está deixando sua história de lado, só Gal mesmo pra fazer isso. Como diz o próprio Caetano, inclusive na voz de Gal, em “Força Estranha”: “o tempo não para e no entanto ele nunca envelhece”. Essa é a frase que calça a vivacidade de Gal numa era que a destaca.

Voltei do show com algumas canções em mente, cravadas pela expressividade de suas combinações e letras e por trazerem para o atual a labuta gloriosa que Caetano e Gal passaram para ampliar a música brasileira. Notáveis sucessos como “Baby” e  “Meu Bem, Meu Mal” rebatem ao tom do público que canta junto à Gal. “Um dia de Domingo” tem, na segunda estrofe, uma lembrança ao dueto com Tim Maia, e o passeio indescritível e típico de Gal, entre o agudo e o grave tomam conta de grande fatia do espetáculo. “Vapor Barato”, de Jards Macalé e Wally Salomão, recebem do perolado timbre de Gal uma versão quase que indescritível. Eu gostaria de transmitir meu arrepio, meu espasmo ao ouvir essa canção no show, talvez fosse mais fácil transpassar a química emitida pela interpretação dela naquele momento. É como ouvir a melhor música na voz da melhor cantora. A interpretação e o arranjo trouxeram isso.
As canções de “Recanto” dedilham por “Tudo Dói”, que embala ruídos eletrônicos operados pela lembrança bossanovense, enquanto “Mansidão” tem um tira gosto em samba canção com uma seda desfiando em lindo som, assim também aparece “Segunda”, que arrasta os pés num bom chiado pé de serra. Dos morros desce “Miami Maculelê” num estampido cancioneiro da mais forte atualidade, é o ápice da novidade entre Caetano e Gal, exuberando na canção um funk cheio de histórias rimadas em prol do ritmo. “Neguinho” é a crítica lambuzada de irreverência e ritmo, escrevendo em áudio o avanço da história humana e sua crise de classes.

Quem não assistiu ao show não sabe o que é o melhor show do ano e a surpreendente chegada de Gal Costa no emaranhado de álbuns produzidos em série pela turma que tenta embarcar numa carreira de longevidade.

Gal estava solta, ilesa, sorridente, sensível, amava o show como uma primeira noite de amor. “Recanto” é um show de árias populares! Isso é bárbaro.

Gal é eterna desde sua entrada para a música. O que João Gilberto disse não foi nenhuma premonição, foi uma constatação do que sempre foi. Ele confirmou antes do Brasil e do mundo, que Gal era a melhor cantora do Brasil.
O Via Funchal levou para o palco a representante da voz e com o brilho natural fez a continuidade de “Mulheres do Brasil”, o projeto que realiza uma agenda nobre destacando belos nomes da música. Eu não poderia deixar de ressaltar a dedicada equipe da casa, que abre suas portas com alegria e logo na entrada lustra o carpete com o sorriso convidativo de Miriam Martinez, nossa nobre assessora. Ousadamente, patenteei-a como nossa!

O Via Funchal, em “Mulheres do Brasil”, trará também Ana Cañas e Céu, em seguida Maria Rita, cantando Elis. Vanessa da Mata está na agenda de outubro.

Gal Costa, a Rainha de Copas da MPB, gravará o show “Recanto” para DVD, no Teatro Net Rio, o antigo Thereza Rachel, nos dias 8 e 9 de outubro. Escreverei de lá para o deleite do público, não irei perder. Em seguida, Gal apresenta-se no Salvador Barra Hall, na capital Baiana.

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