Mais
uma das brilhantes cantoras brasileiras apresentou-se no projeto Mulheres do
Brasil, do Via Funchal. Gal Costa, subiu ao palco paulistano no último sábado
(22) e inaugurou a primavera numa noite gelada, com uma voz batizada por sua
gloriosa carreira e os mais novos sucessos escritos e dirigidos por Caetano
Veloso. O show “Recanto” é um dos pontos mais surpreendentes da trajetória da
Gal na música, ela fica à vontade, muito próxima ao público e rejuvenesce em
cada acorde e nas sintetizadas eletrônicas que colocam o público de pé e sem
economizar palmas.
Estreei
na RedeTV com uma crítica à estreia de “Recanto”, em São Paulo. Foi meu
primeiro texto sobre Gal Costa. Estreei na crítica com um texto sobre Maria
Bethânia, há alguns anos. Isso mostra que estou entre figuras valentes da
música e que estreei, em ambas, com o pé direito. Ver Gal, desta vez foi mais
do que especial, ela estava deslumbrante, cantando e sorrindo, cantando e
interpretando, desta vez sem os olhos agudos de Caetano na plateia, que vão
fitando com carinho as passadas de Gal nas extremidades do palco.
Gal
não precisa de cenário para enfeitar de lacinhos o seu espetáculo, basta sua
força natural de levar a musica ao palco e vesti-lo por um swing que
encontra-se entre corpo e voz com uma notoriedade e beleza impecáveis. Num
fundo preto, pouca iluminação começa a desvelar o “Recanto Escuro” de Gal,
apenas seu rosto impera à frente da banda e o olhar acompanha o sucesso dos lábios
que deixam escapar a melhor voz de todos os tempos. Gal tem uma coisa, não
perde nem os agudos, nem os graves, enquanto todos os outros perdem.
As
canções de “Recanto” são todas de Caetano Veloso, assim como a direção do show,
feita para encantar os ouvidos, os olhos e qualquer sentido do público. Feita
para a exuberância e ao mérito de Gal. Feita para matar qualquer fotógrafo que
empina suas lentes à busca de sugar qualquer luz que surja num repente da
escuridão do palco. O clima é proposital e válido para deixar despindo a imagem
de Gal, aos poucos, enquanto as canções ganham embalo. Ao final, “Modinha para
Gabriela”, de Caymmi, quebra o protocolo, por conta da minissérie exibida pela
TV Globo, com o toque baiano que a cantora ganhou de berço.
As letras
do álbum “Recanto”, que recaem ao show como uma luva branca nas mãos de uma
baronesa, são o retrato de épocas vividas por Caetano e que recostam sobre a
vida de Gal Costa. São canções que só servem para serem cantadas por Gal, pois
requerem sua jovialidade e ao mesmo tempo seu robusto trajeto artístico que
ultrapassa quarenta anos. Caetano tem a força na direção, enquanto Gal tem a
brutal força em peitar um novo tempo, em que qualquer música de pouca letra
emplaca na voz de jovens “cantores”. Lançar um álbum como “Recanto” e colocar
isso tudo no palco é peitar um tempo que está deixando sua história de lado, só
Gal mesmo pra fazer isso. Como diz o próprio Caetano, inclusive na voz de Gal,
em “Força Estranha”: “o tempo não para e no entanto ele nunca envelhece”. Essa
é a frase que calça a vivacidade de Gal numa era que a destaca.
Voltei
do show com algumas canções em mente, cravadas pela expressividade de suas
combinações e letras e por trazerem para o atual a labuta gloriosa que Caetano
e Gal passaram para ampliar a música brasileira. Notáveis sucessos como “Baby”
e “Meu Bem, Meu Mal” rebatem ao tom do
público que canta junto à Gal. “Um dia de Domingo” tem, na segunda estrofe, uma
lembrança ao dueto com Tim Maia, e o passeio indescritível e típico de Gal,
entre o agudo e o grave tomam conta de grande fatia do espetáculo. “Vapor
Barato”, de Jards Macalé e Wally Salomão, recebem do perolado timbre de Gal uma
versão quase que indescritível. Eu gostaria de transmitir meu arrepio, meu
espasmo ao ouvir essa canção no show, talvez fosse mais fácil transpassar a
química emitida pela interpretação dela naquele momento. É como ouvir a melhor
música na voz da melhor cantora. A interpretação e o arranjo trouxeram isso.
As
canções de “Recanto” dedilham por “Tudo Dói”, que embala ruídos eletrônicos
operados pela lembrança bossanovense, enquanto “Mansidão” tem um tira gosto em
samba canção com uma seda desfiando em lindo som, assim também aparece
“Segunda”, que arrasta os pés num bom chiado pé de serra. Dos morros desce
“Miami Maculelê” num estampido cancioneiro da mais forte atualidade, é o ápice
da novidade entre Caetano e Gal, exuberando na canção um funk cheio de
histórias rimadas em prol do ritmo. “Neguinho” é a crítica lambuzada de
irreverência e ritmo, escrevendo em áudio o avanço da história humana e sua
crise de classes.
Quem
não assistiu ao show não sabe o que é o melhor show do ano e a surpreendente
chegada de Gal Costa no emaranhado de álbuns produzidos em série pela turma que
tenta embarcar numa carreira de longevidade.
Gal
estava solta, ilesa, sorridente, sensível, amava o show como uma primeira noite
de amor. “Recanto” é um show de árias populares! Isso é bárbaro.
Gal
é eterna desde sua entrada para a música. O que João Gilberto disse não foi
nenhuma premonição, foi uma constatação do que sempre foi. Ele confirmou antes
do Brasil e do mundo, que Gal era a melhor cantora do Brasil.
O
Via Funchal levou para o palco a representante da voz e com o brilho natural
fez a continuidade de “Mulheres do Brasil”, o projeto que realiza uma agenda
nobre destacando belos nomes da música. Eu não poderia deixar de ressaltar a
dedicada equipe da casa, que abre suas portas com alegria e logo na entrada
lustra o carpete com o sorriso convidativo de Miriam Martinez, nossa nobre
assessora. Ousadamente, patenteei-a como nossa!
O
Via Funchal, em “Mulheres do Brasil”, trará também Ana Cañas e Céu, em seguida
Maria Rita, cantando Elis. Vanessa da Mata está na agenda de outubro.
Gal
Costa, a Rainha de Copas da MPB, gravará o show “Recanto” para DVD, no Teatro
Net Rio, o antigo Thereza Rachel, nos dias 8 e 9 de outubro. Escreverei de lá
para o deleite do público, não irei perder. Em seguida, Gal apresenta-se no
Salvador Barra Hall, na capital Baiana.
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