No
último sábado (29) o Brasil perdeu sua maior estrela, que agora vai cintilar em
seu lugar mais apropriado, onde as estrelas brilham. Neste mesmo dia eu tinha
que tomar o carro e chegar secando lágrimas até o Via Funchal, onde Maria Rita
também tinha a difícil tarefa de colocar um show no palco, homenageando outro
ícone deste País, sua mãe, Elis Regina. Em silêncio o Via Funchal recebeu Maria
Rita, com o filho no ventre esticando sua barriga a cantora permitia percorrer
pelos olhos e o rosto lágrimas de saudades, caia sobre seu microfone a
inacreditável tarefa de despedir-se de Hebe Camargo, que há poucos metros dali,
no lado de lá do Rio Pinheiros, era velada como se dormisse em cravos
branquinhos.
Maria
Rita relembrava momentos em que passou junto à Hebe e o afeto que havia entre
Elis e ela. Em outubro de 2010 Hebe gravou um DVD com amigos, foi neste show
que ela recebeu Maria Rita e a fez chorar, após cantarem “Foi Assim”, e
mostrar-lhe um vídeo em que Elis exaltava a filha. Desta vez, Maria Rita exibiu
a gravação deste encontro e arrancou lágrimas de todos que ali estavam, pediu
compreensão, pois não seria fácil realizar o show. Sentado, de cara para o
palco, eu chorava à ponto de esperar soluços, eu estava naquele dia. Após o
show, no camarim, Hebe recebeu-me e passou as mãos em meu rosto dizendo sua
célebre palavra: “gracinha”. O perfume exalava uma calma e as joias, por mais
exuberantes, não brilhavam mais do que ela. Não vou escrever mais sobre Hebe, é
muito incomum escrever sobre ela no passado, é quase que impossível quando
lágrimas embaçam a visão. O céu passa a lhe merecer, Hebe, mais do que o mundo
físico. Os grandiosos já partiram, você não podia ficar de fora dessa viagem,
pena não podermos mais ligar a TV e lhe ver, tampouco saber que qualquer dia a
veremos passar por nós distribuindo selinhos.
Maria
Rita, então, secava suas lágrimas para receber o repertório da mãe. Eu pedi uma
vodka, como faria Hebe Camargo!
Desta
vez ela veio com louvor para ser chamada de “a filha da Elis”, para interpretar
um extenso e lindo repertório consagrado na voz da mãe. Elis, sem sombra de
dúvidas, foi a maior cantora do Brasil. Com uma voz impecável e que traz de
volta a imagem desta notável artista, Maria Rita trouxe logo no começo “Como
Nossos Pais” e deitou nostalgia na casa.
Ela
movimentava-se feito a mãe, de música em música passava os dedos nos cabelos
enroladinhos enquanto inclinava-se para trás impulsionando a voz para o alto. O
pescoço erguia com o corpo e trazia as veias saltantes por onde corriam as
letras de importantes compositores.
Maria
Rita relembrou Milton Nascimento, Tom Jobim, Adoniran Barbosa, Chico Buarque e
Rita Lee, de quem, supostamente, herdou o nome. Nos tempos de Ditadura, Rita
Lee estava grávida e foi presa, mesmo sem ter contato íntimo com Elis, a famosa
cantora tomou o filho nos braços e foi até a prisão, onde estava Rita. Elis foi
precisa em solicitar com sua força no gogó os direitos a uma mulher grávida,
desde então tornaram-se grandes amigas.
O
azulado tom do palco é soprado pelo vento da força presente e evidente de Elis
no show. É possível sentir a voz jazzística de Elis incorporar-se ao tom de
Maria Rita e enviar energias do útero que aguarda mais um membro da família
Mariano.
A
voz do público ia adentrando a voz de Maria Rita. Ousei fechar os olhos por
alguns instantes e o arrepio tomou conta como se a imortalidade de Elis
estivesse cumprindo-se. Aquela voz era a tal!
O
piano soava notinhas para abraçar Maria Rita em sua veste branca que
acompanhava o valsear das letras. As palmas do público nasciam do meio das
canções, em outras vezes acompanhavam as batidas nas notas, como em “Maria,
Maria”. Cada música que passava pelo fio do microfone e deixava-se pelo
amplificador, acalmava nossa saudade nos ouvidos e revivia lembranças nos
olhos. Elis nunca interpretou qualquer canção, aquilo que passava por sua voz
era tão visual, quanto audível. Na voz de outra pessoa perdia a entonação,
somente sua filha, após anos, deixaria o DNA cantar com aquela mesma saliência
artística.
O
sambinha arrastou-se por ali, em tom de “Madalena” e com as mesmas terminações
que puxavam os agudos que trilhavam sobre os graves de Elis e de Maria Rita.
Era como se as duas cantassem juntas, dividindo o mesmo microfone, abraçadas,
depois de mãos dadas, depois sentadas ao chão, depois com um beijo da vovó na
barriga pontuda.
Elis
Regina presenteou o mundo ao seu nascimento em 1945, na cidade de Porto Alegre.
Após trinta e dois anos vinha ao mundo, em São Paulo, Maria Rita, fruto do
romance com César Camargo Mariano. Elis marcou o universo da música arrebatando
em seu semblante nuances de tristeza e felicidade enquanto interpretava. Elis
parecia que escrevia canções enquanto as cantava, pois era uma digital cada vez
que subia ao palco. Não compunha, mas dava voz ao que imperativos nomes da
música viviam por trás de seu timbre. Maria Rita, contou histórias da mãe no
palco, disse que desgostava daquelas músicas e só passou a adorá-las quando as
compreendeu. Elis fazia-se compreender ao sentir, é preciso ouvir com os olhos
e com todos os sentidos voltados a si. Elis ouve-se de braços abertos. Maria
Rita, naquele show, abraçava a mãe com a voz. Sentia saudades, quando viam-se
os olhos banhar-se de lágrimas.
Quem
nunca exaltou Elis, mesmo sem ter conhecido? Quem não reverenciar essa mulher,
pode desligar o som, desligar os ouvidos. Não saberá nossa história da música!
Maria
Rita tem uma musicalidade impressionante, nunca foi sua pretensão levar a mãe
em seu nome para vender discos. Mas, não tem jeito, é lindo vê-la como filha da
Elis. Isso a magnifica no palco, engrandece ainda mais sua nobreza musical.
“O
Bêbado e o Equilibrista” caminhou no palco, como debaixo de uma lona íntima de
um circo e a várzea de uma avenida, lindo! Não há o que falar de “Fascinação”,
só ouvindo. Posso dizer que é emocionante demais para achar que palavras
descrevem. “Redescobrir” é aquela brincadeira de roda, com palmas, batucadas e
a descrição do que é viver. A banda saiu do palco, com a herdeira da voz da
maior cantora do Brasil, que foi ao céu para adentrar a história!
O
Via Funchal está arrebentando na programação “Mulheres do Brasil”, a próxima é
Vanessa da Mata.
Quanto
a Hebe, ela é maior do que a vida. Está eternamente em nossos corações!
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