O
termo que dá nome a arte do movimento, da fala e do texto em cena vem do grego,
que quer dizer olhar com atenção e contemplar, portanto, desliguem os
celulares, deixem a conversa pra depois, permitam-se sorrir, chorar,
envolverem-se, o teatro merece os aplausos ao final de cada repetição diária de
sua realização. Hoje comemora-se o Dia Nacional do Teatro, com burocracia, com
muito suor e dificuldade, mas com o carinho de quem o faz e de quem o vive,
seja no palco, seja na plateia.
Os
teatros perderam suas casas em diversos lugares, diminuíram suas bilheterias e
a logística de fomento. Antes, colocava-se uma pastinha embaixo do braço e com
ela pedia-se o patrocínio, um empréstimo no banco e o ator era visto além do
palco, passando pela Praça Tiradentes e a Cinelândia, observando a entrada do
público no Paiol e no TBC. Hoje, além de vermos artistas distante da realidade
que o teatro deve promover, extinguiram-se aquelas diversas apresentações diárias
que eram feitas, as matinês e vem encolhendo-se os cartazes e pautas. Nas
quintas-feiras são poucos os espetáculos que engrenam, os letreiros acendem-se
entre as sextas e os domingos, raros com ingressos populares e para manterem-se
disparam os preços de suas entradas.
Discutem-se
diversas origens para o teatro, dentre elas os rituais primitivos, as contações
de histórias, jogos, danças e imitações. Porém, no Antigo Egito, uma
apresentação sobre Osíris e Ísis, por volta de 2500 a.C. deu o aval para o
teatro. Esses espetáculos eram de um alto teor sagrado, divino, como tudo
naquela época. A política hoje ainda tem muitos lapsos disso, e a cultura, por
exemplo, é um dos campos que sofrem com essa administração inspirada pela
demagogia de instituições religiosas. A Grécia, portanto, sairia na frente em
suas imensas arenas, endeusando Dionísio, para o Teatro, e representando
tragédias de Aristóteles, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. As comédias nasciam
para traduzir a inquietude dos mais pobres, sendo eles o público destas
apresentações. Aos mais ricos restringiam-se às tragédias. Aristófanes e
Menandro pautariam as primeiras comédias e no rosto dos atores vestiam-se as
máscaras mitológicas para facilitar a visão do público e exaltar as expressões
dos textos. Plauto e Terêncio destacaram-se como comediógrafos romanos.
Em
Portugal, Gil Vicente funda o teatro luso, que chega ao Brasil por meio de sua
colonização. Talvez não, os nativos já praticavam rituais, inclusive canibais,
que organizariam as primeiras manifestações teatrais. O Padre José de Anchieta
escreveu alguns ensaios, de modo a catequisar alguns nativos. Notáveis romances
caíram em roteiros teatrais, companhias começaram a ganhar forma e nomes
veneráveis nasciam para o teatro brasileiro. José Celso Martinez adentra a
história contínua do teatro e Nélson Rodrigues escreve uma das maiores obras
das artes cênicas, “Vestido de Noiva”. A censura, do ignorante e repressor
Regime Militar tentou engessar a arte em suas grotescas “leis” e perderam para
o progresso.
Não
sei se progresso é a palavra mais apropriada para ilustrar o Brasil, mas é isso
que está escrito lá na bandeira. Assim como “Ordem”, que também está apenas
escrito, porque não há.
Eu
tenho, por obrigação, e prazer, que destacar uma das mais ilustres personagens
da história viva do teatro. Tônia
Carrero estreou no TBC, com “Um Deus Dormiu lá em Casa”, ao lado de
Paulo Autran. Hoje ela é a diva, aos 90 anos memória ativa do teatro
brasileiro. Assim também, Bibi Ferreira, que encontrei há alguns dias, sobre um
salto alto e munida de uma voz temperada a sua juventude. Bibi e Tônia são
mitos em plena atividade.
Eu
ainda acho que o teatro mereça um status melhor do que o carregado. As
carteirinhas de “putas”, como eram registradas as atrizes, substituíram-se pela
quase marginalização da arte. Claro, há muito mais respeito, antes as escolas
não aceitavam filhos de artistas, Bibi foi recusada no Colégio Sion, por ser
filha do imperial Procópio Ferreira. Hoje, utiliza-se o teatro como método
educacional. Andam explorando o teatro também como escolas de teatro, e obrigam
a ter o DRT, registro artístico. Acho isso ridículo! Tanto bom ator, que nunca
precisou de DRT, pois isso não existia, essa coisa de escola de atores veio
muito depois, com professores que não precisaram de formação em sua época de
atuação. Tanto péssimo ator, com DRT! Em qual escola de teatro que Fernanda
Montenegro, Paulo Autran, Eva Todor, Dercy Gonçalves, Juca de Oliveira, Paulo
Gracindo, Ítalo Rossi, Maria Della Costa e tantos outros formaram-se? Na escola
diária do palco! Essa história de formação deveria funcionar apenas por uma
estética pessoal e não como uma exigência para a profissão, isso é o fim dos
tempos!
É
muito triste o caminho que tudo isso tem tomado, é desagradável pra nós que
fazemos teatro com aquilo que cai à disposição. Suou-se demais para chegar onde
estamos e alguns banhos de água fria despedaçam os ingressos das bilheterias.
Essas leis de incentivo são uma politicagem burocrática absurdamente irritantes
e as verbas governamentais destinam-se às práticas corruptas.
O teatro
é lindo demais pra viver singelo, pra mirrar-se em pequenas pautas, em curtas
temporadas, em paupérrima bilhetagem, apenas aos finais de semana. O teatro é a
mais bela forma de viver outra vida paralelo ao real. O teatro é a palavra
movida na carne e osso de um ator, nas batutas do maestro diretor, na ponta do
lápis do autor, na incansável labuta do produtor, nas passadas de ferro das
camareiras, nas pinceladas dos maquiadores, nas esticadas dos cabeleireiros, no
braço forte dos assistentes, na divulgação dos assessores, na silhueta dos
iluminadores, na arquitetura dos cenógrafos, no ritmo dos sonoplastas, nas
alinhavadas dos figurinistas, na quentura dos pipoqueiros e na contagem dos
bilheteiros. O teatro é o grito mais próximo da arte, é o observatório da vida
e a medicina da palavra. O teatro é onde opera-se o som, o afeto, o choro, o
riso e onde assenta o lindo aplauso de quem aproxima-se do paradoxo.
Tem
muito ator subestimando a arte, achando que pode fazê-la de qualquer jeito, tem
muita iniciativa privada tratando o teatro com desdém, tem muito curso de
teatro usando-o como sede administrativa de poder, tem muito público de celular
ligado e fotografando peça sem entender o quanto isso incomoda. Tudo isso é
muito fácil de resolver e a palavra de ordem é: respeito!
Recentemente
dirigi o documentário que reúne dignos nomes do teatro e da televisão e contam
a história do humor nos palcos. “Bravo! A Arte do Humor” foi realizado com o
carinho que as artes cênicas merecem, a memória do teatro precisa ser mantida
viva em todas as instâncias. Estou organizando um livro de memórias sobre o
teatro e conto com o apoio de todos vocês para ampliar essa magnífica arte.
O
teatro é a vida em outro plano, é um homem embriagado de uísque cênico, é um
tiro de festim, o derramamento de sangue químico, são as roupas que lascam-se
em Velcro, é um lar sem a quarta parede, a morte com vida, a angústia atrás do
sorriso, o ódio e o amor, a lágrima que derrama-se apenas no palco, são todos os sentidos de várias existências.
O teatro é um registro na memória!
O
Dia do Teatro acontece todos os dias, é o ator, o diretor, o autor, a produção,
que fazem o espetáculo acontecer todos os dias, o público é um dos mais
importantes personagens dessa história. O que não falta é teatro, tem muita
gente boa em cartaz, tem muita peça cheia de riqueza.
Vá
ao teatro, assim como você precisa ir dormir, ir tomar banho, ir comer e beber!
Assista
ao trailer do documentário “Bravo! A arte do humor”:
Olá Nyldo, gostaria de te parabenizar pelo texto e pelo Video, e ao mesmo tempo te agradecer pelo amor e respeito que você dispensa ao nosso tão sofrido e desrespeitado Teatro Brasileiro. São pessoas como você que mantém essa chama, as vezes tênue dessa arte tão profunda e transformadora, mas também tão mal entendida e mal usada. O Teatro na minha concepção tem que transformar,seduzir, propor, criar, criticar, educar, instruir, emocionar, fazer pensar, desconstruir, comentar, aproximar, dividir, polemizar, segregar, enriquecer e não servir apenas de adorno!!! Beijos querido e muito sucesso na tua caminhada...beijão...Ruben Gabira
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