quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Dia Nacional do Teatro deve-se ao diário ofício de quem o faz


O termo que dá nome a arte do movimento, da fala e do texto em cena vem do grego, que quer dizer olhar com atenção e contemplar, portanto, desliguem os celulares, deixem a conversa pra depois, permitam-se sorrir, chorar, envolverem-se, o teatro merece os aplausos ao final de cada repetição diária de sua realização. Hoje comemora-se o Dia Nacional do Teatro, com burocracia, com muito suor e dificuldade, mas com o carinho de quem o faz e de quem o vive, seja no palco, seja na plateia.

Os teatros perderam suas casas em diversos lugares, diminuíram suas bilheterias e a logística de fomento. Antes, colocava-se uma pastinha embaixo do braço e com ela pedia-se o patrocínio, um empréstimo no banco e o ator era visto além do palco, passando pela Praça Tiradentes e a Cinelândia, observando a entrada do público no Paiol e no TBC. Hoje, além de vermos artistas distante da realidade que o teatro deve promover, extinguiram-se aquelas diversas apresentações diárias que eram feitas, as matinês e vem encolhendo-se os cartazes e pautas. Nas quintas-feiras são poucos os espetáculos que engrenam, os letreiros acendem-se entre as sextas e os domingos, raros com ingressos populares e para manterem-se disparam os preços de suas entradas.

Discutem-se diversas origens para o teatro, dentre elas os rituais primitivos, as contações de histórias, jogos, danças e imitações. Porém, no Antigo Egito, uma apresentação sobre Osíris e Ísis, por volta de 2500 a.C. deu o aval para o teatro. Esses espetáculos eram de um alto teor sagrado, divino, como tudo naquela época. A política hoje ainda tem muitos lapsos disso, e a cultura, por exemplo, é um dos campos que sofrem com essa administração inspirada pela demagogia de instituições religiosas. A Grécia, portanto, sairia na frente em suas imensas arenas, endeusando Dionísio, para o Teatro, e representando tragédias de Aristóteles, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. As comédias nasciam para traduzir a inquietude dos mais pobres, sendo eles o público destas apresentações. Aos mais ricos restringiam-se às tragédias. Aristófanes e Menandro pautariam as primeiras comédias e no rosto dos atores vestiam-se as máscaras mitológicas para facilitar a visão do público e exaltar as expressões dos textos. Plauto e Terêncio destacaram-se como comediógrafos romanos.
Em Portugal, Gil Vicente funda o teatro luso, que chega ao Brasil por meio de sua colonização. Talvez não, os nativos já praticavam rituais, inclusive canibais, que organizariam as primeiras manifestações teatrais. O Padre José de Anchieta escreveu alguns ensaios, de modo a catequisar alguns nativos. Notáveis romances caíram em roteiros teatrais, companhias começaram a ganhar forma e nomes veneráveis nasciam para o teatro brasileiro. José Celso Martinez adentra a história contínua do teatro e Nélson Rodrigues escreve uma das maiores obras das artes cênicas, “Vestido de Noiva”. A censura, do ignorante e repressor Regime Militar tentou engessar a arte em suas grotescas “leis” e perderam para o progresso.

Não sei se progresso é a palavra mais apropriada para ilustrar o Brasil, mas é isso que está escrito lá na bandeira. Assim como “Ordem”, que também está apenas escrito, porque não há.

Eu tenho, por obrigação, e prazer, que destacar uma das mais ilustres personagens da história viva do teatro. Tônia  Carrero estreou no TBC, com “Um Deus Dormiu lá em Casa”, ao lado de Paulo Autran. Hoje ela é a diva, aos 90 anos memória ativa do teatro brasileiro. Assim também, Bibi Ferreira, que encontrei há alguns dias, sobre um salto alto e munida de uma voz temperada a sua juventude. Bibi e Tônia são mitos em plena atividade.
Eu ainda acho que o teatro mereça um status melhor do que o carregado. As carteirinhas de “putas”, como eram registradas as atrizes, substituíram-se pela quase marginalização da arte. Claro, há muito mais respeito, antes as escolas não aceitavam filhos de artistas, Bibi foi recusada no Colégio Sion, por ser filha do imperial Procópio Ferreira. Hoje, utiliza-se o teatro como método educacional. Andam explorando o teatro também como escolas de teatro, e obrigam a ter o DRT, registro artístico. Acho isso ridículo! Tanto bom ator, que nunca precisou de DRT, pois isso não existia, essa coisa de escola de atores veio muito depois, com professores que não precisaram de formação em sua época de atuação. Tanto péssimo ator, com DRT! Em qual escola de teatro que Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Eva Todor, Dercy Gonçalves, Juca de Oliveira, Paulo Gracindo, Ítalo Rossi, Maria Della Costa e tantos outros formaram-se? Na escola diária do palco! Essa história de formação deveria funcionar apenas por uma estética pessoal e não como uma exigência para a profissão, isso é o fim dos tempos!
É muito triste o caminho que tudo isso tem tomado, é desagradável pra nós que fazemos teatro com aquilo que cai à disposição. Suou-se demais para chegar onde estamos e alguns banhos de água fria despedaçam os ingressos das bilheterias. Essas leis de incentivo são uma politicagem burocrática absurdamente irritantes e as verbas governamentais destinam-se às práticas corruptas.

O teatro é lindo demais pra viver singelo, pra mirrar-se em pequenas pautas, em curtas temporadas, em paupérrima bilhetagem, apenas aos finais de semana. O teatro é a mais bela forma de viver outra vida paralelo ao real. O teatro é a palavra movida na carne e osso de um ator, nas batutas do maestro diretor, na ponta do lápis do autor, na incansável labuta do produtor, nas passadas de ferro das camareiras, nas pinceladas dos maquiadores, nas esticadas dos cabeleireiros, no braço forte dos assistentes, na divulgação dos assessores, na silhueta dos iluminadores, na arquitetura dos cenógrafos, no ritmo dos sonoplastas, nas alinhavadas dos figurinistas, na quentura dos pipoqueiros e na contagem dos bilheteiros. O teatro é o grito mais próximo da arte, é o observatório da vida e a medicina da palavra. O teatro é onde opera-se o som, o afeto, o choro, o riso e onde assenta o lindo aplauso de quem aproxima-se do paradoxo.
Tem muito ator subestimando a arte, achando que pode fazê-la de qualquer jeito, tem muita iniciativa privada tratando o teatro com desdém, tem muito curso de teatro usando-o como sede administrativa de poder, tem muito público de celular ligado e fotografando peça sem entender o quanto isso incomoda. Tudo isso é muito fácil de resolver e a palavra de ordem é: respeito!

Recentemente dirigi o documentário que reúne dignos nomes do teatro e da televisão e contam a história do humor nos palcos. “Bravo! A Arte do Humor” foi realizado com o carinho que as artes cênicas merecem, a memória do teatro precisa ser mantida viva em todas as instâncias. Estou organizando um livro de memórias sobre o teatro e conto com o apoio de todos vocês para ampliar essa magnífica arte.
O teatro é a vida em outro plano, é um homem embriagado de uísque cênico, é um tiro de festim, o derramamento de sangue químico, são as roupas que lascam-se em Velcro, é um lar sem a quarta parede, a morte com vida, a angústia atrás do sorriso, o ódio e o amor, a lágrima que derrama-se apenas no palco,  são todos os sentidos de várias existências. O teatro é um registro na memória!
O Dia do Teatro acontece todos os dias, é o ator, o diretor, o autor, a produção, que fazem o espetáculo acontecer todos os dias, o público é um dos mais importantes personagens dessa história. O que não falta é teatro, tem muita gente boa em cartaz, tem muita peça cheia de riqueza.

Vá ao teatro, assim como você precisa ir dormir, ir tomar banho, ir comer e beber!

Assista ao trailer do documentário “Bravo! A arte do humor”:

Um comentário:

  1. Olá Nyldo, gostaria de te parabenizar pelo texto e pelo Video, e ao mesmo tempo te agradecer pelo amor e respeito que você dispensa ao nosso tão sofrido e desrespeitado Teatro Brasileiro. São pessoas como você que mantém essa chama, as vezes tênue dessa arte tão profunda e transformadora, mas também tão mal entendida e mal usada. O Teatro na minha concepção tem que transformar,seduzir, propor, criar, criticar, educar, instruir, emocionar, fazer pensar, desconstruir, comentar, aproximar, dividir, polemizar, segregar, enriquecer e não servir apenas de adorno!!! Beijos querido e muito sucesso na tua caminhada...beijão...Ruben Gabira

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