Não
fiz um estudo sobre isso, mas acredito que a história de Peter Pan seja uma das mais lembradas dentre os infantis,
justamente por tratar-se de uma infância infinita e, ainda, talvez por esse
motivo seja tão lembrada pelos adultos. Com requintes de produção balanceados a
uma simplicidade nas cenas, Peter Pan volta para os cartazes paulistanos e sob
o pó mágico da fada Sininho o menino da Terra do Nunca pousa no Teatro
Ressureição com os amigos João, Wendy e o destemido Capitão Gancho.
Fui
ao teatro esperando encontrar-me com a infância, após tê-la vivido há alguns
anos sob a companhia de diversos livros, acredito que até por isso tenha
escolhido trabalhar com as palavras. Peter Pan sempre foi uma das minhas
histórias prediletas, mas estreei no teatro com o papel do Visconde de
Sabugosa, personagem de Monteiro Lobato na obra do Sítio do Picapau Amarelo.
Nunca encontrei a vocação exata para fazer as estripulias de Peter e
contentei-me em ser espectador dos filmes, das histórias em livros e das
montagens musicais e teatrais. Assisti a inúmeras montagens, das mais suntuosas
às mais singelas e amadoras e há tempos não encontrava uma tão tácita e próxima
ao público. Peter Pan, dirigido por Tiago Pessoa é a coqueluche da
“kids-Broadway” paulistana atual.
Contamos
nos dedos de uma mão apenas, alguém que não conheça Peter Pan, mas, vamos lá!
Peter Pan é um garoto diferente de todos os outros, com suas vestes elaboradas
para uma vida de aventuras, o menino recusa-se a crescer e por isso habita,
junto a diversas figuras, a Terra do Nunca. Como em toda história, há o vilão
que tentará aterrorizar os caminhos do “Todos viveram felizes para sempre”. Em
Peter Pan não poderia ser diferente, nas águas da Terra do Nunca o barco do
grotesco Capitão Gancho mira a captura de Peter. Ao lado da fada Sininho, Peter
viaja para a cidade e adentra ao quarto dos irmãos João e Wendy, fascinados por
histórias e contos. O garoto os leva para conhecer sua terra e por lá vivem
aventuras fascinantes e que serviram de inspiração para tantos outros contos.
A
produção do espetáculo, formada pela Pessoa Neo Produções e RPR Produções,
configura toda a história em uma adaptação, assinada por Elisa Reis, apropriada
para a atenção dos pequenos espectadores, que correm o risco de dispersarem a
qualquer instante. Isso acontece no tempo exato, permitindo que as crianças
conversem, “alertem” os personagens do perigo de Capitão Gancho, pois cada ator
fala no tom adequado, ligando imediatamente o texto ao público. E a criançada
quer participar, quer falar e dar palpite. Espetáculo infantil tem essa magia.
Os movimentos das danças, pois trata-se de um pequeno musical, são
coreografados por Ruy Brissac e Delidia Duarte com sincronismo e a certeira
atenção aos limites do palco e a extensão muscular de cada ator, além da
desenvoltura no espetáculo que cabe a cada personagem. A iluminação é um flash
que desenha muito bem a fotografia das cenas, sob o comando de Robson Vellado,
que faz questão de usar cores leves para um tom pueril ao espetáculo. Todo este
desenho de luz contorna o cenário que é visto como um relevo das obras
literárias que contam a história de Peter Pan, portanto é um deslumbre, com
simplicidade, autenticidade e de uma beleza deleitosa aos olhos de quem
assiste.
Peter
Pan foi criado em 1911, pelo escocês J.M. Barrie e foi para o teatro, depois
ganhou adaptação para os livros e para o cinema. O personagem nasceu enquanto
Barrie praticava um de seus prazeres, contar histórias para dois filhos de uma
amiga muito especial. Quando os pais destas crianças morreram, ele passou a ser
co-tutor dos filhos da amiga, porém sem adotá-los. Imagina-se que a inspiração
de Barrie tenha vindo de um casamento de ideias, Peter era o nome de um dos meninos,
para quem ele contava histórias, e Pã é o nome de um deus grego, considerado o
deus das florestas, dos bosques e dos vales, segundo a mitologia ele era muito
esperto e trazia consigo sempre uma flauta e era temido por quem precisava
atravessar as florestas durante a noite. Fazendo referência a isso, em Londres
há uma estátua de Peter Pan tocando flauta.
A
ideia da eterna juventude pode ter vindo após a morte do irmão mais velho de
Barrie, David. O acidente, numa pista de patinação, quando ainda tinha 13 anos
de idade, abalou profundamente sua mãe, que nunca se recompôs. O conforto dela
foi pensar que ele teria morrido tão jovem para eternamente permanecer jovem.
Barrie entrelaçou diversas inspirações para o nascimento do menino Peter Pan,
que corre aos olhos e ouvidos do mundo inteiro.
Eu
já vi Peter Pan interpretado até por menina, talvez pela delicadeza em alguns
de seus movimentos e a destreza para dança, que a mulher possuí em sua
musculatura. Porém, Peter nasceu de uma ideia diferente dessas, apesar de
ótimas montagens, elaboram Peter Pan com uma delicadeza distante da realidade
de quem vive entre aventuras no ar e nas florestas. Tiago Pessoa dirige o
personagem, interpretado por Matheus Paiva, com a exata figura descrita pelo
autor e adaptada para essa versão. Matheus cumpre uma desenvoltura jazzística,
de dança e movimentos, com leveza e rapidez, tudo isso casado a expressões e
uma dicção justa para o conjunto da obra. Ator bárbaro, digno de aplausos e dos
olhinhos atentos da moçada.
Aline
Carvalho vive Wendy, com doçura e a ternura colorida que lhe cabe. Ótima
parceria com os atores que mais contracena e compactua belamente seu olhar com
o público. Os movimentos executados por ela em um número aéreo, suspensa sobre
panos, apresenta certo engessamento na evolução por conta do figurino que usa,
acaba não desvelando nenhuma surpresa e torna-se um elemento sem muito
requinte, porém não é descartável.
A
tão adorada fada Sininho, que volta atrás para recuperar sua doçura, após erros
e trapalhadas, é interpretada por Gabriela Carvalho, dotada de expressões que
descrevem seu texto ausentando a fala sem fazê-la necessária. Lucas Britsky é o
Capitão Gancho e configura o personagem na dosagem correta, para não pesar com
pavor nenhuma cena. É um personagem de peso, escolhido com acerto para aquela
produção. André Haidamus é o ajudante do Capitão, e surge para ele como um
papagaio de pirata, explorado por ele e posto ao elenco com a comicidade que
entretém o público. Bruno Figueira e Larissa Lessa são as crianças que
entregam-se ao clima jovem do espetáculo na Terra do Nunca.
Paulo
Candura veste os personagens acertando cada peça deste xadrez às suas casas
montadas para um jogo bem feito. Cada costura é trabalhada com a necessidade de
manter o destaque da obra como ela é.
Jay Vaquer assina as canções da obra, que não são entoadas pelos
personagens. Isso é uma pena, porém microfones cabem aos espetáculos com mais
recursos de produção. Para a bilheteria e a montagem deste Peter Pan tudo está
como deveria ser.
Alguém
lembra-se do ponto fraco do Capitão Gancho? É nele que está a surpresa tão
bacana do espetáculo, dirigida com frescor e sem agressão ao texto, nem ao
público. O que entra ao teatro... Bom, eu não vou contar. Eu sugiro que vocês
assistam para saber!
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