segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Regina Duarte está em Raimunda, Raimunda completando 50 anos de carreira


A eterna namoradinha do Brasil está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, após temporada no Rio de Janeiro. Grande atriz, de uma beleza cênica incontestável e a jovialidade quase que beirando uma debutante. Admira-me que tanta experiência tenha escolhido dirigir e atuar um texto que deixa morrer sua grandiosidade artística. Não é de todo mal, tiram-se muitos risos e ótimas caricaturas do espetáculo, porém estende-se numa obra apropriada para o livro. “Raimunda, Raimunda” são dois textos que não unem-se, nem podem ser chamados de atos. O espetáculo, com o nome de duas mulheres, são textos de Francisco Pereira da Silva, que desencontram-se com a ilustre Regina Duarte.

Vamos chegando à entrada do teatro e os atores estão em frente, maquiando-se, entregando o frescor folclórico do espetáculo, instituído nos belos e delicadamente trabalhados figurinos, assinados por Regina Carvalho, Beth Filipecki e Renaldo Machado. Eu acredito que este seja o ponto alto de todo o espetáculo, o figurino, é muito belo e entrega-se a uma originalidade sensível e carinhosa a cada ator que o veste.
“Raimunda, Raimunda” faz parte das quatro mulheres com o nome Raimunda escritas na década de 70 por Francisco Pereira da Silva. O espetáculo conta a história de duas delas, com o uso do mesmo cenário apoiando projeções, ora bem colocadas, ora exploradas demais. A primeira parte da peça conta a história de Ramanda, que sobrevive numa terra sem oxigênio e inabitável. Todo o tempo busca saciar sua sede sexual e afetiva em Rudá, interpretado por Saulo Segreto, que perpetua a caminhada em busca de uma terra fantasiosa ao seu lado. É bonito todo o conjunto da cena, a projeção da luz sobre a brancura dos figurinos e a destreza artística de falar e mover-se dos dois atores. O vestido de Ramanda é algo sublime, puro e quase que tirado dos contos de fadas, ele reserva uma surpresa, pois não veste uma pureza tão inocente da personagem, apenas a reveste de uma figura hippie, mas um tanto depravada por seu pensamento liberal. A interpretação poética de Regina é um auge. Porém, o texto é inabitável numa cena que vai perdendo-se em palavras bonitas, poéticas e bem humoradas. Perde-se pela ineficácia teatral do roteiro, numa interpretação que não combina com aquele script.

A sombra da luz anuncia o segundo fascículo de Raimunda, Raimunda. Mas, quase que sem entender e posicionar o público do que acontece, mais para o meio é compreensível de que as duas partes não completam, portanto, não tem nada a ver uma coisa a outra. Isso, inclusive, pode acontecer, porém há um prolongamento das duas neste espetáculo, bem humorado, mas caberia um belo corte!

A segunda parte tem um outro banho de interpretação, de todos os atores envolvidos. Regina é a única mulher, e os homens interpretam mulheres, isso é bacana, pois remete ao teatro antigo, em que a mulher era rechaçada. Raimunda sai do Ceará, com destino ao Rio de Janeiro, onde pretende estudar enfermagem e gratuitamente eliminar o constrangimento de seus lábios leporianos. O humor é bem encaixado em dicção, movimento e expressão, e para nisso, pois é o sumo que pode-se tirar de todo o contexto. Raimunda chega ao Rio, antes passa por diversas situações que revestem seu sofrimento em saliência cômica.
As cenas são trilhadas por inúmeros cortes, até repentinos demais, recortam-se como costuras inacabadas e apressadas, porém prolongam o braço da história e não chegam as mãos, pois não agarram nenhum sustento para todo aquele texto. Eu não sei se gostei mais da Regina, ou menos do texto. Sei que sua direção é algo prematuro demais, mesmo com os brilhantes 50 anos de carreira, pelos quais aplaudo incansavelmente, porém é prematuro pelo erro do texto. Vejo Regina Duarte dirigida por José Possi Neto, por exemplo, não por ela mesma. Talvez, mas com um texto que combine com sua nobreza artística e graça poética.

Tudo é muito folclórico, mas poderia exprimir mais do vigor de Regina e aquela trupe toda que parece-me muito bacana e talentosa. Ao lado dela estão, além de Saulo Segreto, Allan Souza Lima, André Cursino, Creo Kelab, Henrique Pinho, Ricardo Soares, Rodrigo Becker e Rodrigo Candelot.

Os cortes das cenas são interrompidos por músicas que descompassam ainda mais todo aquele roteiro, neste momento texto e trilha separam-se brutalmente e acertam apenas nas batidas circenses do momento em que o circo surge na vida de Raimunda, isso é até bonito. A trilha sonora de Charles Kahn exalta a jovialidade de Regina e exibe suas perfeitas pernas, prontas para qualquer movimento, porém é um descarte, erroneamente encaixado neste baralho mal embaralhado. O cenário é um encontro do nada, assinado por José Dias. Tem um propósito, quando nu, na primeira cena, porém vai tornando-se maçante no decurso do texto. A iluminação de Djalma Amaral e Wilson Reiz rega-se do mesmo curso do cenário e não surpreende, apenas cumpre seu singelo papel.
Regina Duarte e sua trupe estão em ótimo vigor, não devem parar por aí. Eles salvam o texto por suas gloriosas interpretações. Temos, evidentemente, que colocar para todos os cantos nossos autores, mas quando literários, apenas literários, devem ficar como apenas literários, e pararem no teatro quando o matrimônio entre arte cênica e texto combinarem para todo o sempre.

“Raimunda, Raimunda” está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. O espetáculo acontece até o dia 16 de Dezembro, às 21h30 nas sextas-feiras. Sábado às 21h. Domingo às 18h. Os valores dos ingressos estão entre R$ 50,00 e R$ 60,00, à venda pelo Ingresso Rápido, na internet, ou na bilheteria do teatro.

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