A
eterna namoradinha do Brasil está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São
Paulo, após temporada no Rio de Janeiro. Grande atriz, de uma beleza cênica
incontestável e a jovialidade quase que beirando uma debutante. Admira-me que
tanta experiência tenha escolhido dirigir e atuar um texto que deixa morrer sua
grandiosidade artística. Não é de todo mal, tiram-se muitos risos e ótimas
caricaturas do espetáculo, porém estende-se numa obra apropriada para o livro.
“Raimunda, Raimunda” são dois textos que não unem-se, nem podem ser chamados de
atos. O espetáculo, com o nome de duas mulheres, são textos de Francisco
Pereira da Silva, que desencontram-se com a ilustre Regina Duarte.
Vamos
chegando à entrada do teatro e os atores estão em frente, maquiando-se,
entregando o frescor folclórico do espetáculo, instituído nos belos e
delicadamente trabalhados figurinos, assinados por Regina Carvalho, Beth
Filipecki e Renaldo Machado. Eu acredito que este seja o ponto alto de todo o
espetáculo, o figurino, é muito belo e entrega-se a uma originalidade sensível
e carinhosa a cada ator que o veste.
“Raimunda,
Raimunda” faz parte das quatro mulheres com o nome Raimunda escritas na década
de 70 por Francisco Pereira da Silva. O espetáculo conta a história de duas
delas, com o uso do mesmo cenário apoiando projeções, ora bem colocadas, ora
exploradas demais. A primeira parte da peça conta a história de Ramanda, que
sobrevive numa terra sem oxigênio e inabitável. Todo o tempo busca saciar sua
sede sexual e afetiva em Rudá, interpretado por Saulo Segreto, que perpetua a
caminhada em busca de uma terra fantasiosa ao seu lado. É bonito todo o
conjunto da cena, a projeção da luz sobre a brancura dos figurinos e a destreza
artística de falar e mover-se dos dois atores. O vestido de Ramanda é algo
sublime, puro e quase que tirado dos contos de fadas, ele reserva uma surpresa,
pois não veste uma pureza tão inocente da personagem, apenas a reveste de uma
figura hippie, mas um tanto depravada por seu pensamento liberal. A
interpretação poética de Regina é um auge. Porém, o texto é inabitável numa
cena que vai perdendo-se em palavras bonitas, poéticas e bem humoradas.
Perde-se pela ineficácia teatral do roteiro, numa interpretação que não combina
com aquele script.
A
sombra da luz anuncia o segundo fascículo de Raimunda, Raimunda. Mas, quase que
sem entender e posicionar o público do que acontece, mais para o meio é
compreensível de que as duas partes não completam, portanto, não tem nada a ver
uma coisa a outra. Isso, inclusive, pode acontecer, porém há um prolongamento
das duas neste espetáculo, bem humorado, mas caberia um belo corte!
A
segunda parte tem um outro banho de interpretação, de todos os atores
envolvidos. Regina é a única mulher, e os homens interpretam mulheres, isso é
bacana, pois remete ao teatro antigo, em que a mulher era rechaçada. Raimunda
sai do Ceará, com destino ao Rio de Janeiro, onde pretende estudar enfermagem e
gratuitamente eliminar o constrangimento de seus lábios leporianos. O humor é
bem encaixado em dicção, movimento e expressão, e para nisso, pois é o sumo que
pode-se tirar de todo o contexto. Raimunda chega ao Rio, antes passa por
diversas situações que revestem seu sofrimento em saliência cômica.
As
cenas são trilhadas por inúmeros cortes, até repentinos demais, recortam-se
como costuras inacabadas e apressadas, porém prolongam o braço da história e
não chegam as mãos, pois não agarram nenhum sustento para todo aquele texto. Eu
não sei se gostei mais da Regina, ou menos do texto. Sei que sua direção é algo
prematuro demais, mesmo com os brilhantes 50 anos de carreira, pelos quais
aplaudo incansavelmente, porém é prematuro pelo erro do texto. Vejo Regina
Duarte dirigida por José Possi Neto, por exemplo, não por ela mesma. Talvez,
mas com um texto que combine com sua nobreza artística e graça poética.
Tudo
é muito folclórico, mas poderia exprimir mais do vigor de Regina e aquela trupe
toda que parece-me muito bacana e talentosa. Ao lado dela estão, além de Saulo
Segreto, Allan Souza Lima, André Cursino, Creo Kelab, Henrique Pinho, Ricardo
Soares, Rodrigo Becker e Rodrigo Candelot.
Os
cortes das cenas são interrompidos por músicas que descompassam ainda mais todo
aquele roteiro, neste momento texto e trilha separam-se brutalmente e acertam
apenas nas batidas circenses do momento em que o circo surge na vida de
Raimunda, isso é até bonito. A trilha sonora de Charles Kahn exalta a
jovialidade de Regina e exibe suas perfeitas pernas, prontas para qualquer
movimento, porém é um descarte, erroneamente encaixado neste baralho mal
embaralhado. O cenário é um encontro do nada, assinado por José Dias. Tem um
propósito, quando nu, na primeira cena, porém vai tornando-se maçante no
decurso do texto. A iluminação de Djalma Amaral e Wilson Reiz rega-se do mesmo
curso do cenário e não surpreende, apenas cumpre seu singelo papel.
Regina
Duarte e sua trupe estão em ótimo vigor, não devem parar por aí. Eles salvam o
texto por suas gloriosas interpretações. Temos, evidentemente, que colocar para
todos os cantos nossos autores, mas quando literários, apenas literários, devem
ficar como apenas literários, e pararem no teatro quando o matrimônio entre
arte cênica e texto combinarem para todo o sempre.
“Raimunda,
Raimunda” está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. O espetáculo
acontece até o dia 16 de Dezembro, às 21h30 nas sextas-feiras. Sábado às 21h.
Domingo às 18h. Os valores dos ingressos estão entre R$ 50,00 e R$ 60,00, à
venda pelo Ingresso Rápido, na internet, ou na bilheteria do teatro.
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