sexta-feira, 27 de julho de 2012

“O Garoto Que Não Sabe Rir”: a arte do circo para fazer toda gente rir


Uma estreia para convidados, no Teatro Ressureição, em São Paulo, pois o espetáculo será entregue a projetos e apresentações itinerantes. “O Garoto Que Não Sabe Rir” é uma produção da Pessoa Neo Produções, e monta um conto infantil espelhado nos costumes antigos das famílias, colocando em relevo um livro de historinhas cômicas, na medida certa para o público infantil e o espírito pueril de quem acompanha a garotada. O garoto, personagem central, precisa aprender a sorrir, e o diretor Tiago Pessoa, junto ao texto de Rômulo Rodrigues, vão é colocar o público “a sorrir”, como diria o mestre Cartola.

O espetáculo é infantil, mas tem um propósito belíssimo e importante para qualquer idade. Sorrir é fundamental e pautando-se de princípios sociais e biológicos, é indispensável à saúde. A família de Adasir, interpretado pelo sagaz Gustavo Correia, busca métodos para fazer o garoto sorrir. O menino foi adotado por um rapaz cheio de marra e com sua pitoresca característica arcaica de puxar o “r”, Adasir era filho de artistas circenses, e quando muito novo foi o único sobrevivente de um incêndio. Em sua família adotiva, vive a irmã risonha e fofinha, vivida por Delidia Duarte, e a arrumadeira, interpretada por Marcela Arribet. Quando o circo chega na cidade, a família espreita a possibilidade do garoto sorrir, com as peripécias furadas do palhaço caracterizado em Guilherme Chelucci.

O palhaço sempre foi o símbolo do riso, apesar de já ter feito muita criança chorar ao deparar com sua desproporcionalidade e a pintura exagerada no rosto. Muita gente já sonhou em equilibrar-se nos imensos sapatos que caminham por debaixo da colorida lona de um grande circo, e no toque final aplicar o nariz vermelho ao rosto. Com os dedos, colorir de vermelho o contorno dos lábios e de branco trazer a palidez do rosto. Encaracolar de cores os cabelos e vestir as calças largas presas nas fitas do retalhado macacão. Olhar-se, por vezes, palhaço é coisa de criança que cresce com gente grande.
O circo sempre foi muito inerente a mim, desde muito jovem aqueci as palmas nas plateias dos picadeiros, das lonas mais simples às atuais luxuosas do Cirque du Soleil. Em muitas vezes, os palhaços, ao invés de me remeterem ao riso, trouxeram-me emoção, pelo fato de serem capazes de a qualquer momento criarem situações e viverem da expectativa de fazer o outro rir. A arte circense era praticada já na Idade Antiga, em todas as civilizações, nem era necessário um local demarcado para isso, a rua mesmo, como até hoje acontece, era palco pra tudo.

No século VI a.C. o Circo Maximus hasteou sua tenda em pleno Império Romano, que com seu fim levou artistas para as ruas, quando nasciam as trupes de saltimbancos.

No entanto, o circo moderno nascera no século XVIII, na Inglaterra, que configuram as mesmas características de hoje. O picadeiro, a lona e as típicas atrações. Já os palhaços, surgiam até mesmo nas cortes, até mesmo nas tribos indígenas. Nas cortes eles tinham a incumbência de fazer os reis darem risadas, inclusive com falatórios do povo contra a própria corte. Na Idade Média, os artistas vagavam por cidades e feiras livres apresentando números cômicos, destes, os melhores eram escolhidos para bobos da corte, os que animariam os reis. Mas foi na Commedia Dell’arte, no século XVI, que emergiu a primeira trupe de palhaços. Passaria, com prazer, muito mais tempo falando deste movimento,  que é um período de intensa e deliciosa produção artística, mas abreviarei, tenho que voltar a falar de “O Garoto Que Não Sabe Rir”. Na Commedia Dell’arte surge, por exemplo, o Arlequim, um estilo clássico de palhaço. Estes hilários personagens, de rostos pintados, perucas ou chapéus cheios de acessórios, roupas coloridas e características desproporcionais, ganharam o circo, no século XVIII e estenderam-se pelo mundo todo. Na televisão moderna e contemporânea do Brasil, o Bozo, o Arrelia, Picolino, Carequinha e outros, ganharam a arte e o gosto do público. O palhaço é um dos mais aclamados símbolos da arte. Até mesmo tristes são capazes de nos fazer rir, com singelas graças. Essa é a arte do palhaço!
O espetáculo, de direção do jovem Tiago Pessoa, que já renda um grande fio de peças, e com uma engrenada maestria de dirigir, com sua sutileza e cavalgando rumo ao impecável, testando e adaptando novos talentos e adaptando-se ao seu próprio desafio de chegar ao quadros dos fabulosos, germina um palhaço contemporâneo, de graça atual, de movimentos engessados pelo tamanho do pouco palco em que estreou, mas com um sorriso carente de outros no rosto, e de olhar pitoresco. Guilherme Chelucci desvela um talento fabuloso, quando mexe dos pés a cabeça, e estica um texto ameaçado por sua voz grossa, mas que no personagem afina um humor belo, e rebusca um tom que chega lindamente aos ouvidos.

Gustavo Correia é o menino que não sabe rir, é quem trará, em seus movimentos tão jovens e no olhar calouro, o incrível recado da importância do riso. O menino corre e desenvolve-se muito bem no palco. Falta subir o tom, se não há microfone, não pode-se apoiar com generalidade a acústica do teatro. Ele, ainda, trabalha as palavras, o espetáculo tem isso, inunda uma lousa de palavras e caminha bem pelo texto do honorável Rômulo Rodrigues. Marcela Arribet, arrasta um sotaque nordestino para chegar a sua personagem de arrumadeira, que ao fim arma uma boa surpresa, não acho necessário o sotaque, mas fica leve, sem agressão. Cai-lhe bem a fisionomia exagerada da má sorte de sua figura de nascença, talentosa. Caio Theodoro tem um tamanho que aumenta no palco, volto a dizer do pouco espaço que o palco permite à evolução do espetáculo, mas ele o aproveita bem, entona a voz com primor e emite expressões de um disciplinado ensaio.  Delidia Duarte tem um riso estridente, que faz o humor ganhar a cena e sua versatilidade, em que falar, dançar e cantar estão no ponto exato.

As estreias são necessárias para a construção do que faltou, uma estreia é necessária para brilhar os olhos e também boxear o diretor a reconhecer suas falhas. Que não são crimes artísticos, é apenas o olhar do palco com o público na quarta parede.

O espetáculo tem entradas erradas de luz, os tempos de uma cena para outra prolongam-se em vazio, falha o som, e o fantoche, usado no início, para remeter ao “garoto”, perde a serventia num grande tempo, e torna-se elemento cênico, sem uma passagem. Ainda falta um compasso, por vezes os atores estão em ritmos desiguais. As maquiagens são fracas, e vão com o tempo tirando a beleza da cena, porque desfiguram os personagens. O palhaço vai esmaecendo a cor do rosto, ao toque do suor. Valeu como ensaio para o que virá, a família Pessoa, com sua generosa produção, supera-se a cada dia.
A iluminação, que apesar do tempo errado, tem cores bem pintadas no palco, e é assinada por Luiz Felipe Petuxo. O cenário de Paulo Tardivo, faz viajar a um tempo distante, enquanto o teatro entrava para o templário da arte. Há tempos, o teatro fazia-se no palco preto, de cortinas pretas, e apenas adereçava-se a arena. Coloria e ornamentava com elementos de cor, ou pasteis. Mas, quando o circo surge, vê-se cores, e movimentos. Não é preciso trocar nada, os objetos evoluem, como caixas de papelão que toda criança gostou de brincar. O figurino, que permite cores apenas ao palhaço, é de Michel Gomes, com uma rica costura. Telma Dias assina a coreografia, apertada no palco, mas que permitiu-me visualizar com a beleza proposta. Tem música, de Marcio Eduardo Melo e a letra do próprio Rômulo Rodrigues.

Gostei, indico para que recebam este projeto, as crianças precisam de um bom teatro, para crescerem evoluindo a arte. Qualquer adulto é capaz de gostar, todos nós somos infantis entre eles. O tema é lindo, e a moral impecável. O espetáculo é um banho da produção de Isabel Pessoa e João Victor Néo, e a baianidade de Tiago Pessoa, o triângulo do novo arrastão promissor da arte cênica. “O Garoto Que Não Sabe Rir” foi uma estreia para convidados e ganhará turnê em breve, basta o teatro abrir-se mais para personagens fora do suposto eixo “comercial”. O Brasil precisa de mais arte e menos negócio. Caso seja para ser assim, esse é um bom negócio.



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