quarta-feira, 24 de julho de 2013

Bibi Ferreira ainda maior que Piaf


Resolvi dar-me de presente essa coluna tão especial de hoje. No dia do meu aniversário nada poderia ser tão gratificante quanto escrever sobre o ícone de maior expressão do teatro brasileiro e da música mundial. Vou comemorar o dia de hoje com Bibi Ferreira!

Na última sexta-feira (19), estive num acontecimento quase que indescritível... Bibi cantando Piaf mexe com o coração da gente. Exatamente, a dama do teatro estreou “Bibi canta e conta Piaf”, acompanhada da elegância de Nilson Raman.

Nilson ia ciceroneando Bibi com os olhos, passando-lhe as honras de canções emotivas, narrativas e delicadas. Bibi era Piaf... Bibi era além de Édith Piaf.

Enquanto as cerdas dos violinos eram cerradas e o piano sofria as dedilhadas de João Bittencourt, as batutas do maestro Flávio Mendes triscavam o vento e um som anunciador revirava nossos ouvidos e destrinchava os corações. Bibi cabia direitinho dentro de “La Foule”, com seus passos suaves, sob um salto imenso e uma idade de menina, na disposição de uma dama!

Falando em francês, além de cantar... ouvindo as notas como quem ouvia uma mãe dedicar-lhe histórias no anoitecer. Bibi trazia a graça de Procópio, o idolatrado pai, e a alegria de suas glórias. Nilson Raman despontava um contentamento sublime, namorando a Piaf de Bibi numa ponta do palco, como quem queria correr sobre um flor e sugar-lhe o mel. Mas o mel ia escorrendo de Bibi e lavando-nos ali embaixo.

Com introduções aportuguesadas, na marolinha brasileira e de lábios lusos, Bibi fazia serenatas com “Hymne à L’amour”, cantando-a como quem preenchia um espetáculo inteiro.

Raman não ficaria apenas na pontinha do palco, no deliciar de Bibi. Ele correu pra cima da flor, tomou-a nos braços e sapecou-lhe o fraterno beijo. “A Quoi a ça sert L’amour” unia-os generosamente. A emoção apontava-se necessária e obrigatória neste instante. De lágrimas e risos no rosto!

Bibi trazendo Piaf de volta ao Olympia em plena condição das noites geladas paulistanas, é como chocar o coração contra um emaranhado doce de notas. “La vie en rose” em vibratos que trepidavam o peito. “Non, Je Ne Regrette Rien” resplandeceu em calvário e beleza os últimos suspiros de Piaf no fôlego imortal de Bibi Ferreira.

Não sei se ela é a tradução de Judy Garland, ou o reencontro de Piaf com a vida! Sei, por sentir aos pés dela, que Bibi é ainda maior que o gigantismo de Édith Piaf e mais ampla e profunda que a expressividade de Judy Garland. Bibi é um musical em pé!

“Bibi canta e conta Piaf” comemora os 30 anos dela cantando a maior da França. Sob a vívida e saborosa produção de Ricco Antony, que navega o teatralismo e a musicalidade de Bibi num só encontro e a realização da Montenegro e Raman, o espetáculo ficará em cartaz no Teatro Frei Caneca, em São Paulo, até setembro. As apresentações acontecem às sextas, sábados e domingos. Os ingressos custam R$ 120,00.

A orquestra e o coro fitam um laço no corpo de Bibi. A plateia devolve o mel e a violência imprescindível contida na voz de Bibi. Em pé, o público aplaude incontrolavelmente e de palmas quentes. Por mais de 5 minutos, jogam pra fora a emoção que Bibi coloca pra dentro de nós. Ela nos torna emotivamente inquietos, ao ouvi-la!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Todos os tons de Fafá de Belém


Eu fico procurando adjetivos pra Fafá toda vez que deparo-me com sua voz, mas ai vem aquela risada e toma todas as palavras. Fico com o inenarrável. Fafá é inenarrável. É a materialização da fé em voz, do amor em expressão. Fafá lança a cara e o peito em “Amor e Fé”!

Até o final do texto vou transparecer o quanto sou suspeito a falar do gigantismo dessa mulher, que por sinal, venero. Tudo que aprende-se com mãe é pra vida toda, eu aprendi a ouvir Fafá com a minha. Não foi uma lição dura. Foi viciante, sedutora e pacificadora.

Fafá tem um dobro de notas em seu nome, mas tem todos os tons na cabeça. Sua fé exala os olhos e empina-se aos mais belos versos. Fafá entrega-se ao divino tão pertencente a sua extensão vocal... que é um dos mais belos do universo. Cantar sorrindo é pra quem canta vivendo. Ela vive no palco.

Quando Fafá começa a sorrir no palco, é como se adentrássemos à sua casa. O coração fica mais jovem. Todo o resto padece.

Recentemente os “Três Tons de Fafá de Belém” chegaram às lojas. São os três LPs de maior sucesso da cantora. “Água”, “Banho de Cheiro” e “Estrela Radiante”. Três adjetivos que condecoram seus discos e soam sua personalidade. Quem mais irradia do que ela?

Revisitar canções de Fafá é revirar o baú da música e deparar-se com os tempos de glória, com o ponto alto das gravadoras, com o valor mais justo das nossas cantoras. Fafá me derruba! Reergue-me!

“Amor e Fé” vem recheado de quatro canções, parece colocar doce na nossa boca e tirar. Fico com vontade de ouvir mais... “Nossa Senhora”, vem com doçura e “Ave Maria” em bossa nova, vestindo-a do manto verde e amarelo. “Gracias a la vida” traduz toda a generosidade musical de Fafá e “Eu sou de lá”, composta pelo padre Fábio de Melo, coloca os pés da cantora em sua terra.

Fafá surge como a virgem e com os olhos cheios de interpretação na capa do EP... a profundidade do olhar lava-nos a embarcar aos seus anseios e a necessidade de comunicar-se por meio da canção.

Desculpe-me ser tão singelo com você, Fafá... mas, eu te amo!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O inominável fado de Carminho


Nada me impressionaria mais do que Amália Rodrigues, nascendo em terras lusas. Nada violaria meus poros da pele, como Amália Rodrigues, vindo de terras portuguesas. Nenhuma voz em fado seria o ponto mais alto de uma sensação de paz, como Amália Rodrigues, saindo de terras irmãs... Talvez, não antes de Carminho!

Nos últimos tempos eu não ouvi nada mais belo. E belo em seu significado mais mitológico e profundo. Carminho é a entrada triunfal do fado no Brasil, e no mundo. De um jeitinho simples, com uma voz de parar todos os órgãos do corpo à passagem de um timbre incomparável.

Não há como sair citando canções, e tentando destrinchá-las ao som dos sentimentos todos que a fadista impõe enquanto canta. Há como ouvir, e esquecer de todos os títulos, sentir-se, talvez, com um pé na lua, num silêncio inundado de calmaria.

Quando, na última edição do Prêmio da Música Brasileira, Carminho subiu ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ao lado de António Zambujo, era como se uma criança descobrisse a beleza de um encontro vocálico. “Vocálico”, por serem duas vogais simples, fundamentais para a extensão de um texto. Formaram um texto legível e impossível de ler, por emoção, quando dividiram “Sabiá”, de Tom Jobim. Naquele instante, Carminho tinha meu coração esmagado em suas mãos, apto a desfazer-se feito um farelo.

Incansável, na tarefa de impressionar, e de embarcar em caravelas singelas sua voz colossal, Carminho gravou “Cais”, com Milton Nascimento. “Carolina”, com Chico Buarque. E tornou-se o passarinho de Caetano Veloso. Veio de asas curtas, e pra mim já é uma águia!

Carminho tornou-se fundamental, como Amália. Tornou-se imprescindível, como sua presença que emudece no palco.

Sua voz atravessa pela traqueia não com a intenção de matar, mas sim com o propósito de ressurgirmo-nos.

Se você não conhece a alma de ninguém, basta ouvir Carminho. É possível notar a saída de sua alma do corpo, derramando-se poro a poro. Ao fim do som, ela volta tímida e encantada, ao corpo.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Centenário de Vinícius de Moraes é comemorado em São Paulo


Dos meus olhos minavam água, de beber ou de benzer camará, mas eram lágrimas doces que destilavam-se feito o uísque do velho poeta. Era a música de Vinícius de Moraes exalando pelo corpo, exumando todo o mundo, e isolando-nos ao Auditório Ibirapuera, na noite do último sábado (6), em São Paulo. Lá dentro, um dos maiores espetáculos, em grandeza musical e emocional, tiravam a letra de Vininha do papel e reinventavam uma nova noite com o poeta.

Na abertura do espetáculo, o Coro da Escola do Auditório Ibirapuera desfilou canções em um controle de timbres impecável. Ousaram cantar “Dora” com os pés descalços e a vibratilidade de inúmeras vozes, Caymmi abria os trabalhos para Vinícius de Moraes.

Quando aquele bocado de gente entrou no palco, fazendo valer a máxima de melhor coro de São Paulo, Vinícius parecia sentar novamente em sua cadeira e preencher o corpo de uísque e os nossos de poesia. O maior poeta do Brasil, em minha opinião, descia do céu em voz!

Fabiana Cozza, a voz do samba, o coro monólogo feminino do palco, revestiu-nos com um timbre de causar arrepios. Ô, nega... você levou meu coração contigo. Feito um monumento de notas, cantou “Berimbau” arrancando além das três notas que o instrumento comporta.

Jean William, o jovem tenor, jogava pela boca notas em palavras enquanto sorria. Seus olhos gritavam um brilho que respingava em um por um de nós, humildezinhos na plateia. O menino ficou gigante!
O jornalista e ator Oswaldo Mendes contava com poesia, e não poderia ser diferente, rasgando sua voz marcante feito o cortar de uma seda molhada, recontando os caminhos do poeta. Até Fred Rossi, o último empresário de Vinícius, reviveu seus intensos momentos ao lado da mesinha e do inseparável uísque do amigo.

A orquestra não poupou notas, suor e coração. Martinho Lutero divertia as mãos à regência daquele batalhão vocal sobre o palco e parecia tirar dos dedos a alegria de Vinícius.

Teco Cardoso soprava mais do que um som, soprava tudo que havia dentro de si. No piano, renascia uma partitura que nunca envelheceu, Hércules Gomes tratou das teclas como deve-se tratar a própria vida.

Poucas vezes, raríssimas vezes, encantei-me outra vez com o poeta. É uma raridade um encontro desses. Ficou lá, a solitária mesinha de Vinícius, só não tão só porque o uísque entornava-se sobre ela, como nos velhos tempos. Saudades do maior!

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Música e arquitetura tem tudo a ver no Royal in Concert


Ouvir música em casa é a condição mais desfrutável que um fã pode ter de seu artista. Colocar o disco no leitor e observar com os ouvidos uma voz maior que os sons todos espalhando-se pelos cômodos. Música sempre teve tudo a ver com a casa! Prova disso é um evento que já dura dez anos e acontece toda vez que a Teixeira e Holzmann Empreendimentos Imobiliários resolve lançar seus suntuosos complexos, resorts e condomínios. O Royal in Concert coloca a música no pé direito de suas construções.

Quem nunca ouviu um parente dizer: “entre com o pé direito!”, assim que compramos uma casa? Pois, então, tem sorte maior do que deixar a música entrar na frente?!

Despenquei da capital paulista para o calor de Araçatuba, pouco mais de 500km do zum zum zum de São Paulo. Chegar e ser agraciado pela voz de Gal Costa e as dedilhadas no precioso violão de Luiz Meira é uma recepção para classe A. “Eu Vim da Bahia”, lógico, foi assim que Gal pousou no palco.

A baiana destilou sua arte e penetrou uma voz de deusa nas cordas de Luiz Meira, que ia alisando-as com malícia. Eles fazem esse show juntos pouco mais que o tempo de existência do Royal in Concert. Acabou parecendo uma comemoração conjunta. Gal é a cantora mais íntima da música e trata-a como prata da casa!

Muitos dos sucessos de Gal salpicaram na voz do público, eu, por exemplo, não pude ficar calado em “Vatapá”, cai num dueto com ela. “Azul”, “Festa do Interior” e deslumbres compostos por Tom Jobim e Caetano Veloso deram as boas vindas aos moradores daquele venerável empreendimento. Ary Barroso também foi convidado e ressurgiu pelo timbre insaciável da “Gracinha”. Sentindo-se em casa, ouso chamar Gal de “Gracinha”!

A arquitetura é a arte de dar vida ao desenho, de deixar em pé uma prospecção, um monumento. A música é a arte de sonorizar uma pauta, uma composição, de dar voz a alma. Parecem uma coisa só, um sentido só! Música e arquitetura encontram-se com beleza no Royal in Concert, dando a lição de que música é coisa de casa, da intimidade, do cotidiano. 

Cada empreendimento lançado, um show é construído! Cada Gal que canta, somos nós reconstruindo-nos!