quinta-feira, 7 de outubro de 2010
“Dos Escombros de Pagu”, a história do Brasil nos sentidos de uma mulher
O texto de Tereza Freire, com direção de Roberto Lage, é um deleite para qualquer historiador, está como uma exposição de imagens, lembranças e formas no Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura, em São Paulo, encenada por Renata Zhaneta, Pagu, a militante comunista volta a protestar e calibrar sua vida.
A peça “Dos Escombros de Pagu” nasceu de uma tese de doutorado da autora Tereza Freire, que levita a história no tempo e nos traz um passado que ainda protesta. Pagu, a comunista Patrícia Galvão, não foi apenas uma mulher mãe, ela nasceu em Santos e por lá revolucionou, fundou uma vida nova para os padrões femininos da época e apenas a deixou por fatalidade. Pagu foi a primeira mulher presa política no Brasil, casou-se com Oswald de Andrade, então separado de Tarsila do Amaral. Era jornalista, se meteu a escrever contos policiais numa revista, dirigida por Nelson Rodrigues, e sempre os fazia com meticulosidade, junto com Oswald fundou um jornal esquerdista, empastelado pela polícia da era Vargas. Na França foi presa e deportada, por aqui ficou 5 anos no cárcere e na tortura, onde chegou a pesar 40kg e foi liberada por adoecer. Era uma incentivadora do teatro amador e amante das poesias. Morreu aos 52 anos com câncer no pulmão, daí caiu no esquecimento da história. Aos 100 anos de idade sua história, desde o nascimento dela, faz Pagu de livro, música e agora um drama no teatro.
Uma fumaça introduz a entrada de Renata Zhaneta ao palco, claro, vinda do vício de tabaco que tinha Pagu, inseparável dos cigarros, a cada boa recordação valia acender um. Assim queima a brasa das lembranças e do fumo junta a intensa interpretação da atriz, que vem chicoteando a história brasileira com expressões bárbaras, com lágrimas recolhidas nas bolsas dos olhos, e qualquer irreverência que também compunha a personalidade de Pagu. A iluminação de Wagner Freire não distribuí um arco-íris mirabolante como muitos iluminadores têm feito em alguns palcos, ele opta por uma luz branca e azul, isso deixa o palco com o tom de um amontoado de recordações, a cortina preta no fundo recebe luzes a cada dobra, e auxilia no belo cenário de Heron Medeiros, que distribuí no palco móveis de época, uma cadeira, onde a atriz relê a postura de Pagu sentando espalhada e sem preocupar-se com os modos, ainda uma tela branca acomodada num cavalete com a gravura de Tarsila do Amaral, muito envolvida na trama.
O figurino assinado por Gilda Bandeira de Mello neutraliza as cores e as une num creme com um xale branco, que escondia a pintura do quadro. A atriz maquia-se no palco durante uma de suas falas, vai delineando os olhos e revelando um ótimo trabalho de ensaio e direção. Os cabelos presos são liberados num dado momento estilizando a atriz num outro momento de Pagu. A trilha sonora de Aline Meyer acompanha a leitura do texto com muita beleza, o roteiro exprime sentimento, tristeza e alegria, o texto leva um olhar compenetrado para a atriz, a voz com tom de lembranças, as passagens das falas em poesias, irreverência e a boca vermelha, bem pintada declamando a reflexão de uma ditadura.
A produção é um belo ensaio do Lage, que rasgou uma bela seda em sua história, tragou uma peça que não é de domínio popular, mas que assim como a música popular brasileira é popular, a história desta mulher também deveria de ser. Regilson Feliciano é o produtor executivo e a direção de produção e administração é de Charles Geraldi e Maurício Inafre. Realização de Charge Produções e Promoções Artísticas. A peça poderia chamar-se apenas Pagu, não acredito que ela tenha sido encoberta por seus escombros, a peça é uma grande oportunidade de revivê-la, porém “Dos Escombros de Pagu” não é uma redescoberta da personagem, mas sim, como deixa claro o texto, uma recordação carinhosa. A peça ficará em cartaz até 18 de novembro no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, da Avenida Paulista, quarta e quinta-feira, às 21h. Os ingressos custam R$ 30,0.
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