É evidente, que apenas um imprevisto poderia unir novamente,
em um só palco, àqueles que foram considerados os mais doces dos bárbaros.
Considero-os hoje, embora cada um em sua banda, a ponta alta do gráfico musical
brasileiro. Foi, sem dúvida alguma, uma das bandas que mais influenciou
gerações e que partilhou de uma herança “irreencarnável”, vulnerável apenas às
suas próprias vozes. Seria ainda possível vê-los de braços dados e entrelaçados
em suas canções, que lhes parecem tão suas?
Maria Bethânia, a abelha-rainha, que ao mesmo tempo que
destila um mel salivado de seu timbre, crava-nos na pele um ferrão de ardor
incomparável ao assinar suas interpretações. Gilberto Gil, o expresso
inviolável da canção, a gênese de uma composição quase que escrita só pela alma
e os pés desnudos no chão, em suas ranhuras. Gal Costa, a nascente de um futuro
que se recristaliza a todo período, uma água em que a fortuna é a jovialidade,
a derradeira sensação do mais belo entoado dos cantos. Caetano Veloso, uma
inspiração que beira a incredulidade, e que toca no divino, a bipolaridade das
cordas, a composição dos rios miscigenados e o tom dos mais nobres e simples
dos tons. Juntos, tornaram-se o salmo da Bahia em mundos!
O fato é, o grupo dos anos 70, da jazzística hippie e, as
guitarras tropicalistas e os regionalismos, empedrou-se em um LP incomparável
para a música brasileira. Em 1976 nasceu o filho da transa de quatro bálsamos
assexuados entre si e completamente gozadores ao leito da voz do outro.
Completavam-se como os mais belos dos belos.
Entre canções de Caetano e Gil, eis que surgiram as drágeas
mais doces e embriagáveis daquele disco. Milton Nascimento e Herivelto Martins
tinham o espaço de suas composições nas contas de cada guia dos Bárbaros.
Umbigos de fora, turbantes, cabeleiras e pés descalços.
Vieram os documentários, naquela mesma década e em 2002 o ressurgimento da
barbárie mais célebre e justa da MPB. Os quatro estavam de volta no jogral
daquele mesmo álbum. Ao som do mar de Copacabana, e do arvoredo do Ibirapuera.
Nas câmeras de Andrucha Waddington e na voz daquela multidão, as colossais
canções retomavam o posto inicial. Sem umbigo de fora, desta vez, com o tal
reinado e o tal respeito merecido!
A cena mais bela disso tudo transpassava ao período dos
Deuses. Gal e Bethânia encontravam-se a sós, em frente ao sorriso lacrimejado
de Gil e Caetano, no mais “Esotérico” dos passos. Em dobradas literárias, em
sorrisos emblemáticos, na suavidade e na liberdade daquele som, as
incomparáveis e volumosas vozes adentravam-se frente a frente. Um tântrico ato
ecumênico e sexual entre as mais belas vozes do Brasil. Gal e Bethânia
devoravam-se olho a olho com venustidade.
Quando, novamente, o som insaciável e que em momentos
suponho fartar-nos de saudade, voltará ao terceiro ato?
Carreiras vivem em tempos, voltam-se aos próprios, em
estilos trotados cada um em seu caminho. Gil está no palco de Bethânia, nas
divisões de suas interpretações. Caetano, eis a reverência na direção do “Recanto”
de Gal Costa. Cada homem, está de volta ao seu lar, no coração interminável de
suas mulheres. É assim que vivem os mais Doces Bárbaros! Ora na arena, ora a
arena em si.
Eu não sei, mas teria morrido pagão se não tivesse-os
conhecido em quatro lados, enquanto eram quatro!
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