De onde surgiu Ro Ro foi jogada a forma fora, não existe
mais o molde de artistas assim. Angela Ro Ro, a pronúncia da boa musica
autoral. A repetição da roquidão inconfundível. Ela vem “Feliz da Vida”,
assinando o título do novo álbum. Ro Ro, a que preserva um mulherão e um machão
no peito. Parece ter preso aos seios um escapulário da divindade musical.
Faltam-nos Ro Ro. Ela deveria ser um cartaz, como os de teatro, que enrolam
numa sala com a preguiça de sair. O novo CD e DVD tira-nos a saudade de um novo
projeto da cantora, mas vem com um defeito, dentre tanta música boa, a capa é
um ralho editorial.
Ro Ro é uma das minhas cantoras prediletas, é uma catarse
trajada de palco. Ela canta com a garganta, com o estomago, com os músculos e
espalha os olhos pelos instrumentos, vai jogando-se meticulosamente no palco e
ganha-o.
O álbum começa ocultando a beleza que virá e ela vem nas
faixas seguintes. Começa a queimar e esfumaçar uma porção de boas palavras, vai
derretendo o peito da gente e corroendo os poros como se a pele resistisse à
entrada do som. O som de Ro Ro, que é uma cusparada poética de vida. Ro Ro
canta sorrindo, e isso vem tão sensorial no peito da gente que CD e show
transitam na mesma corda. Ro Ro é a heresia de tudo! E isso é um tesão, uma
delícia.
Ro Ro cruza um xadrez por entre as faixas do disco, e o
xeque-mate é dado com a voz de Bethânia. Maria Bethânia, a dona do dom, divide
“Fogueira” com Angela Ro Ro, fazendo brasa com o osso de quem ouve, deixando em
cinzas os nossos ouvidos. Ouvir “Fogueira” com as duas é entregar-se aos
poucos. É uma entrega do corpo. É lindo!
Depois Ro Ro entrega ao mulherio a saliência de Diogo
Nogueira num samba bem cadenciado. “Salve Jorge”, que nada tem a ver com o
folheto mal escrito de Glória Perez, e tudo tem a ver com a voz co-irmã de
Angela e Diogo. Ainda tem o rasgo estético de Ana Carolina, a sapecada malandra
de Sandra de Sá e o generoso zumbido de Frejat. Jorge Vercillo faz a contracapa
da voz de Ro Ro no mesmo álbum.
Sabemos que jamais devemos julgar o livro pela capa. Isso
aplica-se também ao CD. “Feliz da Vida”, de Ro Ro, faz jus a esse ditado. Que
pecado cometeram com a cantora de tanta voz. Deram-lhe um álbum feliz da vida e
uma capa de total mau gosto. Nem nos tempos de pior tecnologia passava-se pela
prensa uma capa tão mal projetada. Parece uma montagem infantil e completamente
jogada, sem capricho. Capa é importante, não perde pro conteúdo, mas bom gosto
deveria fazer parte das gravadoras que restaram. Parece uma arte esboçada no
“paint”. Desculpe-me, Ro Ro, sei que não foi você que desenhou isso, mas no
início achei até que fosse brincadeira.
Ro Ro pega poesias e enfia-lhes as cordas. Dá melodia ao
texto, é isso! Um pensar, escrituras do cotidiano. Ela hipoteca sua vida em
músicas. Vai passando o sexo em letras. É quase que uma TPM e depois o alívio
da menstruação, terminando um ciclo. Ro Ro consegue criar histórias em poucas
laudas. Não contente em compor, rasga-lhes com um vozeirão. É uma facada, que
alivia e depois começa a trepidar as veias do corpo. Isso é a voz de Ro Ro,
grosseiramente falando.
O DVD foi gravado no Theatro Net Rio, no berço carioca. No
CD, algumas canções foram gravadas em estúdio. Ro Ro valoriza-se com as
próprias canções, mas ainda pode mais e deve fazer mais. Sua voz é uma
propriedade inviolável e de um gigantismo magnífico.
Ro Ro é um pouco, um pouco bem grande, daquilo que a música
tenta reinventar e não consegue.
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