Um rapaz, que logo de cara parece indefeso. Mas, deixa
escapar, sobretudo pelos olhos, sua veia interpretativa. Indefeso, até atirar
com a voz. Com o rasgo ao silêncio e as grossuras em timbre de contratenor.
Filipe Catto lança “Entre Cabelos, Olhos & Furacões”, que foi gravado no
Auditório do Ibirapuera, sem economia de atuação e voz.
Terei que usar rompantes textuais, dedilhar pelo texto as
cordas que intitulam o álbum de Catto. Em aspas caberão algo do que ouve-se,
sente-se e inunda. Passa feito vento que surte no ouvido e seca a boca.
Pasmificando e fazendo sortilégio com o coração.
Catto veio lapidando-se pelas trilhas já consagradas e
sapecou novidades cavalgadas numa voz que pode ser comparada com outras,
sagradas, mas em um olhar único. Dançando o sangue por dentro do próprio corpo,
que nem precisaria mover-se no palco. Mas, ainda sim, move-se! Catto faz-se
único quando engole o palco.
O álbum, que já está à venda traz dezoito faixas, uma delas
gravada em estúdio e as outras ao vivo.
Cada canção é um capítulo, é a terminação de uma ênfase. “Saga”
é um tiro de dardo embriagado no peito. “Roupa do Corpo” é o ápice atingido
pela delicada voz de Catto, um sambinha tipicamente contemporâneo e cheio da
brilhantina do passado. “Eu te amo (And I Love Her)” é coisa de trilha de
filme, de rádio... dá até saudade do que passou. Catto, com sua voz, leva-nos a
um hipnotismo neste instante, a uma viagem retrógrada.
E não fica por aí, “Adoração” é uma adoração. A voz
auto-adora. “Ave de Prata”, de Zé Ramalho, é uma composição poética, tornando
lúdica a palavra e tácita a voz de Catto, que parece cair e espalhar-se em
nossas mãos. É ela que dá título ao álbum. “A Sorte é Cega” tem um violão e uma
levada contemplativa, suave e quase interiorana. Feito uma modinha.
“20 e Poucos Anos” é Catto... é um autorretrato composto há
anos. Filipe Catto é mais que os seus vinte e poucos anos, sem dúvidas. “Mergulho”
é de fato um mergulho, mas em uma certa monotonia, que acaba desagradando em
instrumentação e voz, por prolongar-se em pouca variação. “Johnny, Jack &
Jameson” é uma trinca de uísques, de fato. Catto canta acompanhado de Bluebell,
que feito a flor vai desmanchando-se em voz e fertilizando o vocal de Filipe. É
um número cheio de música.
Catto “é muito mais do que muito”. Expressões como “vagalume
no mar”, ou “mar que se acaba na areia”... dão a profundidade desse álbum.
Acende-se por onde não passa energia e dá tempo ao seco tomar-se do molhado. “É
muito mais do que mata”, trucida, joga-nos à esquerda. Tonteia e derruba.
Poeticamente, claro, e belo. “Mais do que bicho quando quer procriar”, é um
incesto irresoluto entre a voz e corpo que estende-se à luz do palco. “Como é o
silêncio?”, pode ser a pergunta que grita junto a voz do jovem Catto, que faz
inútil o silêncio em sua presença.
As licenças poéticas utilizadas entre aspas, no parágrafo
acima, acompanham o título do álbum, que transcende ao próprio criador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário