quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Neide Boa Sorte, a segunda vida de um ator


Ela aterrissa, impera, espalha-se e vai tomando conta da luz, do cenário, do figurino... de nós. Ela, ou ele. Neide, ou Eduardo. Duas vidas. Dois corações. Uma válvula presa ao ator. Neide é o botão de sobrevida, de uma realidade quântica. Eduardo é o corpo que doa-se à saliência de uma mulher. Torna-se a mulher e rapta-o imediatamente sobre o palco. Neide está de volta, com o mesmo mal humor e um grau mais elevado de humor. “I Love Neide 2, A Viagem” está no Teatro Folha, em São Paulo.

Eduardo Martini é quem vai gestando a experiência de Neide. Pinta-se ao riscado de uma mulher, de uma senhora. Eleva os pés aos saltos e gira-os como quem sobrevive da pirofagia. Detalha-se no palco. Alimenta-se dele. Tortura os tacos do palco com o peso de sua carreira. Sua as poltronas da plateia com a força das risadas. Controla-o como quem usa as veias feito cordas de marionetes. Dirige-se, feito um jovem autodidata.

No texto de Pedro Fabrini, cravejado de denuncias aos comportamentos cotidianos, e sobre os galhos que despretensiosamente penduramo-nos, Martini dedilha sua digital. O texto volta ao tempo, repete falas do passado, mas impõe-se como personagem imprescindível. Neide é uma vida! Tem que ser vivida sempre, daqui em diante. Não da mais pra parar. Neide é a outra vida de Eduardo.

Neide é um abalo sísmico. Um choque de realidade. É o reflexo de gargalhadas rasgadas, que quase desintegram mandíbulas. O Eduardo é o que vem antes e depois de Neide. Quem é o ator, Neide ou Eduardo? São duas pessoas, que vivem paralelamente. Neide é essa válvula de descarga do ator. É o grito entalado no homem. É a intolerância que todo mundo adoraria ter.

Lembro-me de tantas vezes assisti-los, Neide e Eduardo, que ouso separá-los. Tratá-los como dois, mesmo utilizados por um. Um precisa dar licença ao outro para existir. Usam o mesmo sangue, a mesma corrente, o mesmo número de calçado. Sempre são minhas mais brutais gargalhadas, as mais frouxas e recorrentes. Saem de segundo a segundo.

Nesta versão de espetáculo Eduardo equipa o jogo cênico com um cetro bem imposto. Diego Mejía, um ator cheio de dança, cheio de personagens. Ele reveste Neide de mais humor. O cara é bom, bem bom! 

Neide da uma volta ao mundo, após participar de um reality show. Inunda o texto de sátiras e a plateia de risadas. Vaza o texto para o público e torna-o mais dinâmico, solto de convenções e disciplina. Imagine uma volta ao mundo, onde toda a futilidade é escrachada, mentiras são desmistificadas e verdades incrementadas! Uma mulher desbocada é presa no Afeganistão! É esse o espetáculo.
O figurino é de Adriana Hitomi, que comete um desfile no palco. Torna um homem ainda mais mulher. E brincam, como na famosa comissão de frente da Unidos da Tijuca. Neide é a irreverente e agora ilusionista!

Viviane Alfano, uma aposta íntegra, assina a assistência de direção e as coreografias. Claro, Neide não fica parada sobre o salto, e Diego risca o chão com a ponta dos sapatos. Viviane espalha-se no palco e na cabine, onde julga a própria arte com os olhos. A trilha de Herbert Azzul dá o ritmo, o tom. Azzul deixa a coisa ainda mais azul.

O desenho de luz é de Yara Leite, ora impecável, ora perdido. Entre cores e cenas, falta um certo compasso, um acerto. A fumacinha que direciona a luz vem soprada de um lado só e acaba não atingindo o objetivo do desenho da luz. Enfim, algo que vai se acertando.

Há alguns anos eu os conheci, Neide, depois o Eduardo. Fui conhecendo ainda mais do que os dois, vários seres dentro do Eduardo. Quando entendi-me na crítica passei a entender ainda mais a Neide que há dentro de Martini. Aí então, ele chamava-me de “filho da Neide”, pela fala afiada e a maneira de jogar a verdade como quem joga a bola.

Eduardo vive a Neide... leva o palco pras ruas. O teatro pro seu cotidiano. Ele vive o teatro no cotidiano. Anda pelas ruas como se andasse de mãos dadas com Neide, tudo o que vê lembra-se dela, como se fosse a filha querida, a saudosa. Compra-lhe colares, tecidos, roupas, bolsas, sapatos, condecorando sua criação mais livre, audaciosa e incrível. Ele veste a Neide enquanto reveste o peito. E vestir não refere-se apenas à roupa.

Eduardo me emocionou com seu humor! Sorrir, muitas vezes, é questão de correr lágrimas.

“I Love Neide 2, A Viagem” está em cartaz no Teatro Folha, até o dia 19 de setembro. O Teatro fica no Shopping Pátio Higienópolis e foi belamente reformado. O espetáculo acontece às quartas e quintas, 21h. Os ingressos variam entre R$ 40,00 e R$ 50,00.

Nenhum comentário:

Postar um comentário