Ela aterrissa, impera, espalha-se e vai tomando conta da
luz, do cenário, do figurino... de nós. Ela, ou ele. Neide, ou Eduardo. Duas
vidas. Dois corações. Uma válvula presa ao ator. Neide é o botão de sobrevida,
de uma realidade quântica. Eduardo é o corpo que doa-se à saliência de uma
mulher. Torna-se a mulher e rapta-o imediatamente sobre o palco. Neide está de
volta, com o mesmo mal humor e um grau mais elevado de humor. “I Love Neide 2,
A Viagem” está no Teatro Folha, em São Paulo.
Eduardo Martini é quem vai gestando a experiência de Neide.
Pinta-se ao riscado de uma mulher, de uma senhora. Eleva os pés aos saltos e
gira-os como quem sobrevive da pirofagia. Detalha-se no palco. Alimenta-se
dele. Tortura os tacos do palco com o peso de sua carreira. Sua as poltronas da
plateia com a força das risadas. Controla-o como quem usa as veias feito cordas
de marionetes. Dirige-se, feito um jovem autodidata.
No texto de Pedro Fabrini, cravejado de denuncias aos
comportamentos cotidianos, e sobre os galhos que despretensiosamente penduramo-nos,
Martini dedilha sua digital. O texto volta ao tempo, repete falas do passado,
mas impõe-se como personagem imprescindível. Neide é uma vida! Tem que ser
vivida sempre, daqui em diante. Não da mais pra parar. Neide é a outra vida de
Eduardo.
Neide é um abalo sísmico. Um choque de realidade. É o
reflexo de gargalhadas rasgadas, que quase desintegram mandíbulas. O Eduardo é
o que vem antes e depois de Neide. Quem é o ator, Neide ou Eduardo? São duas
pessoas, que vivem paralelamente. Neide é essa válvula de descarga do ator. É o
grito entalado no homem. É a intolerância que todo mundo adoraria ter.
Lembro-me de tantas vezes assisti-los, Neide e Eduardo, que
ouso separá-los. Tratá-los como dois, mesmo utilizados por um. Um precisa dar
licença ao outro para existir. Usam o mesmo sangue, a mesma corrente, o mesmo
número de calçado. Sempre são minhas mais brutais gargalhadas, as mais frouxas
e recorrentes. Saem de segundo a segundo.
Nesta versão de espetáculo Eduardo equipa o jogo cênico com
um cetro bem imposto. Diego Mejía, um ator cheio de dança, cheio de
personagens. Ele reveste Neide de mais humor. O cara é bom, bem bom!
Neide da uma volta ao mundo, após participar de um reality
show. Inunda o texto de sátiras e a plateia de risadas. Vaza o texto para o
público e torna-o mais dinâmico, solto de convenções e disciplina. Imagine uma
volta ao mundo, onde toda a futilidade é escrachada, mentiras são
desmistificadas e verdades incrementadas! Uma mulher desbocada é presa no
Afeganistão! É esse o espetáculo.
O figurino é de Adriana Hitomi, que comete um desfile no
palco. Torna um homem ainda mais mulher. E brincam, como na famosa comissão de
frente da Unidos da Tijuca. Neide é a irreverente e agora ilusionista!
Viviane Alfano, uma aposta íntegra, assina a assistência de
direção e as coreografias. Claro, Neide não fica parada sobre o salto, e Diego
risca o chão com a ponta dos sapatos. Viviane espalha-se no palco e na cabine,
onde julga a própria arte com os olhos. A trilha de Herbert Azzul dá o ritmo, o
tom. Azzul deixa a coisa ainda mais azul.
O desenho de luz é de Yara Leite, ora impecável, ora perdido.
Entre cores e cenas, falta um certo compasso, um acerto. A fumacinha que
direciona a luz vem soprada de um lado só e acaba não atingindo o objetivo do
desenho da luz. Enfim, algo que vai se acertando.
Há alguns anos eu os conheci, Neide, depois o Eduardo. Fui conhecendo
ainda mais do que os dois, vários seres dentro do Eduardo. Quando entendi-me na
crítica passei a entender ainda mais a Neide que há dentro de Martini. Aí
então, ele chamava-me de “filho da Neide”, pela fala afiada e a maneira de
jogar a verdade como quem joga a bola.
Eduardo vive a Neide... leva o palco pras ruas. O teatro pro
seu cotidiano. Ele vive o teatro no cotidiano. Anda pelas ruas como se andasse
de mãos dadas com Neide, tudo o que vê lembra-se dela, como se fosse a filha
querida, a saudosa. Compra-lhe colares, tecidos, roupas, bolsas, sapatos,
condecorando sua criação mais livre, audaciosa e incrível. Ele veste a Neide
enquanto reveste o peito. E vestir não refere-se apenas à roupa.
Eduardo me emocionou com seu humor! Sorrir, muitas vezes, é
questão de correr lágrimas.
“I Love Neide 2, A Viagem” está em cartaz no Teatro Folha,
até o dia 19 de setembro. O Teatro fica no Shopping Pátio Higienópolis e foi
belamente reformado. O espetáculo acontece às quartas e quintas, 21h. Os
ingressos variam entre R$ 40,00 e R$ 50,00.
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